Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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30/01/2006

< Mocinho e Bandido >


Em agosto do ano passado o Governo Americano, com base na lei conhecida por “COPA” (Child Online Protection Act) cujo objetivo é combater a pedofilia, solicitou aos responsáveis pelos principais dispositivos de busca americanos que fornecessem uma lista completa de todos os endereços da Internet (URLs) que possam ser localizados pelo dispositivo em questão assim como de todas as expressões que tenham sido submetidas a buscas em um período de dois meses. Considerando as alegações das empresas que isso demandaria um esforço demasiadamente grande, os promotores concordaram em reduzir a solicitação a um período de apenas uma semana e o número de expressões para uma amostra de um milhão delas, colhidas aleatoriamente.
Yahoo, AOL e Microsoft forneceram os dados sem protestar. Google se recusou a fornecê-los. E foi à justiça para garantir seu direito de não fazê-lo.
Na semana passada os promotores federais responsáveis pela solicitação entraram com um recurso junto a um tribunal federal de San Jose, CA, para obrigar o Google a cumprir a solicitação.
A coisa, no momento, está assim. Agora pergunto: nesta história de mocinho e bandido, quem é o mocinho e quem é o bandido?
Respondendo às críticas daqueles que acharam acintosa a pronta anuência em fornecer ao Governo dados sobre as buscas de seus usuários, AOL e MS e Yahoo vieram a público para justificar-se. Segundo artigo de Declan McCullagh e Elinor Mils na CNet News
(< http://news.com.com/Feds+take+porn+fight+to+Google/2100-1030_3-6028701.html >),
o porta-voz da AOL informou que de fato eles receberam a intimação e forneceram alguns dados, mas nada além de “uma lista genérica e anônima de expressões submetidas à busca, mas não os resultados retornados, em um período de apenas um dia”. E que “não houve qualquer violação de privacidade”. A MS, por sua vez, informou que “a MSN trabalha junto às autoridades legais em escala mundial e que é sua política atender prontamente a suas solicitações de uma maneira responsável e sempre de acordo com o disposto em lei” e acrescentou que “poderiam fornecer uma lista de expressões pesquisadas, mas não seus resultados, sem incluir quaisquer informações pessoais identificáveis”. Yahoo alegou que entre os dados supridos ao DOJ “não havia qualquer informação pessoal”. Mas seja como for, quem fornece assim tão facilmente às autoridades governamentais dados que foram recebidos confidencialmente de seus usuários dificilmente estaria fazendo o papel de mocinho, seja qual for a razão da solicitação. Mesmo que a intenção do DOJ fosse realmente coibir a pedofilia usando uma lei inquestionável.
Acontece que a COPA, uma lei de 1998 proibindo que os responsáveis por sítios da Internet permitam que menores de idade tenham acesso a material sexualmente explícito cujo conteúdo não tenha valor científico, literário, artístico ou político e que seja “ofensivo aos padrões comunitários” locais, está sendo no momento duramente questionada em um tribunal da Philadelphia, PA. E o questionamento deve-se justamente à fluidez do que seria ou não “ofensivo aos padrões comunitários”, um conceito que, por variar consideravelmente de comunidade a comunidade, dificilmente pode ser aplicado a uma “comunidade” global como a Internet sem violar a famosa “primeira emenda” à Constituição Americana que garante a livre manifestação (veja artigo de McCullagh em
< http://news.com.com/Anti-porn+law+back+in+court/2100-1023_3-963930.html?tag=nl >).
Mas não é só isso. Nestes tempos de paranóia terrorista, quem garante quais sejam as reais intenções do DOJ, um órgão do Governo Bush? Cruzar milhões de dados obtidos de sítios de busca pode levar a resultados estarrecedores, com uma boa possibilidade de identificar quem fez as buscas. E, pelo menos para mim, é muito difícil imaginar o Governo Bush no papel de mocinho (exceto se considerarmos “mocinhos” aqueles caubóis que exterminavam índios nos filmes anteriores à era do politicamente correto).
Resta então o Google. Que resiste bravamente a entregar os dados solicitados, apelando inclusive para os meios legais visando garantir a privacidade de seus usuários.
Mas, espere um momento: será que é isso mesmo que o Google deseja garantir?
Bem, na verdade a alegação do Google para se negar a atender a solicitação do DOJ se baseia no fato de que o fornecimento dos dados implicaria a divulgação de “trade secrets” (segredos comerciais). Trocando em miúdos: recusa-se a trazer à luz sua imensa, preciosa e secretíssima base de dados de URLs. A proteção da privacidade dos usuários pode até ser levada em conta, mas dificilmente ela seria a principal razão da recusa.
Sei não, mas parece que nesta história de mocinho e bandido não há mocinho nenhum...


B. Piropo