Sítio do Piropo B. Piropo |
< O Globo >
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14/02/2005
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< Mudando de lado > |
Shawn Fanning. Esse nome lhe diz alguma coisa? E do Napster, você lembra? Napster foi a primeira empresa a se tornar famosa por adotar a tecnologia P2P (de “Peer-to-Peer”, um tipo de conexão entre computadores na qual qualquer máquina pode assumir o papel de cliente ou servidor e podem trocar arquivos). A idéia era (ainda é) genial: o Napster agia apenas como um intermediário. Se você quisesse um arquivo que estava na máquina de Ling Ping Xing, em Peking (desculpe, não resisti...), o Napster conectava sua máquina (cliente) à dele (servidor) e o arquivo era transmitido. Em contrapartida, se Abba Dabba Du, de Timbuktu, quisesse um arquivo aninhado em seu disco rígido, o Napster gentilmente punha os micros em contato e o arquivo era transferido da sua máquina (agora agindo como servidor) para a de Abba (cliente). Tudo muito bem, tudo muito bom, não fosse um pequeno detalhe: a maioria dos arquivos que iam de um lado para o outro eram arquivos musicais. E, naturalmente, ninguém se preocupava em pagar os direitos autorais quando fosse o caso. As gravadoras chiaram mais que Long Playing arranhado tocado com agulha velha (eu sei que o exemplo é anacrônico, mas que cabe perfeitamente, lá isso cabe). O pau quebrou na justiça, as gravadoras alegando que estavam sendo roubadas já que os arquivos eram transferidos sem pagar direitos, o Napster jurando que não tinha nada com isso, já que ele mesmo não fornecia nem recebia arquivo algum e se as gravadoras quisessem processar alguém que corressem atrás dos milhões de usuários no mundo todo (e elas não somente fizeram isso como continuam fazendo) e o processo rolou um bocado de tempo. Resultado: em 2001 o juiz concordou que o Napster não era o responsável pelo pagamento de direitos, mas impôs uma restrição: como os arquivos eram trocados com sua ajuda, ele poderia continuar funcionando desde que criasse um “filtro” capaz de identificar se uma música era de domínio público ou se alguém detinha direitos sobre ela, bloqueando a transferência no último caso. Em junho de 2001 o Napster incluiu o filtro em seus servidores. Os milhões de arquivos musicais antes oferecidos reduziram-se a 1.600. As trocas de arquivos por usuário caíram imediatamente de 220 por mês para 1,5. E o Napster morreu (na verdade, ainda existe, mas pertence à Roxio, que comprou a marca para batizar sua loja eletrônica de arquivos musicais). Mas a tecnologia P2P continua viva, agora adotada por empresas como a Kazaa e outras menos votadas, todas brigando com a RIAA, que representa as gravadoras americanas, num infindável quebra-pau judicial. E o que tem Shawn Fanning a ver com isso? Ora, tudo a ver. Ele personificou o arquiinimigo da RIAA. Foi quem “inventou” o Napster, desenvolveu o software e manteve o sistema em funcionamento até seus últimos dias. E, vejam vocês, foi quem, obrigado pela justiça americana, desenvolveu o tal “filtro” que impedia a troca de arquivos sem o pagamento dos direitos autorais e que acabou por liquidar com o Napster. O filtro é um negócio engenhoso. Se instalado em uma rede, ele inspeciona os “pacotes” de bytes que trafegam entre as maquinas e, usando uma técnica denominada “audio fingerprint” (algo como “impressão digital sonora”), caso o pacote pertença a um arquivo musical, é capaz de identificar a gravação cotejando a tal “fingerprint” com um banco de dados atualizável embutido no programa. Se os direitos autorais pertencerem a terceiros, o programa bloqueia a transferência e oferece ao usuário a possibilidade de efetuar o pagamento para continuar a transferência ou debita os direitos na conta da empresa que gerencia a rede, que pode ser ressarcida faturando algum através de publicidade ou qualquer outro meio. Um negócio desses, naturalmente, despertou grande interesse na RIAA, que passou a apoiar entusiasticamente a Snocap, (< www.snocap.com/ >), a empresa que está comercializando um produto baseado na idéia do filtro acima descrita e que, segundo a página de abertura de seu sítio na Internet, “oferece a primeira solução ponta-a-ponta para licenciamento digital e serviços de gerenciamento de direitos autorais através de um sistema inovador de registro e câmara de compensação. SNOCAP permite às gravadoras e artistas individuais oferecer seus catálogos completos através de redes autorizadas P2P”. Em suma: é o P2P como funciona hoje, porém pagando direitos autorais, um instrumento formidável para vender músicas. O sonho das gravadoras, que não investem um níquel e recebem os direitos. Que um treco desses despertasse o interesse da RIAA e seus associados não é de admirar. Mas se você visitar o sítio da Snocap, clique no atalho (“link”) “About Us” (sobre nós) – ou vá direto a ele no URL < www.snocap.com/about/ > – e veja, logo no primeiro parágrafo, a lista de sócios fundadores: Jordan Mendelson, Ron Conway e... adivinhe quem mais? Isso, ele mesmo, o cara que um dia foi o arquiinimigo da RIAA e começou a desenvolver o tal filtro lá pelos idos de 2001. O idealizador e criador do Napster. Shawn Fanning. Nada mais interessante que a natureza humana, pois não? B. Piropo |