O Globo
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24/03/1997
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O Incidente entre a Intel e a imprensa |
Quando me dispus a escrever sobre o novo chip da Intel, a primeira fonte de informações que me ocorreu foi o Tom's Hardware Guide, em [http://sysdoc.pair.com/], o sítio de Tom Pabst que considero o melhor da rede. E não me decepcionei: não somente lá encontrei a mais detalhada descrição do chip e suas características como também um relatório comparando o desempenho do Klamath, aliás Pentium II, com o Pentium MMX e com o Pentium Pro. O resultado dos testes me surpreendeu: comparando os processadores em condições de igualdade, Tom concluiu que o desempenho do futuro lançamento da Intel era igual ou nitidamente inferior ao dos chips que viria a substituir. Um resultado espantoso ao se considerar que a Intel anuncia o novo chip como um avanço. Por razões que ficarão claras adiante, o resultado dos testes já não mais está no sítio de Tom ( mas uma versão quase integral encontra-se em [http://home.t-online.de/home/sysdoc]). Em seu lugar há agora um relato sobre aquilo que Tom chama de "incidente entre a Intel e a imprensa". Resumindo e deixando de lado os detalhes (que, no entanto, estão em [http://sysdoc.pair.com/intel.html/], [http://www.personal.u-net.com/~sysdoc] e [http://sysdoc.pair.com/news.html]), foi mais ou menos assim: no início deste ano, Kai Schmerer, o editor da "PC Professionell", uma revista alemã de informática, conseguiu um exemplar do novo chip da Intel e procurou Tom para testá-lo. Tom instalou o chip em uma placa-mãe AN6 da ABIT cujo BIOS já o suportava e chegou aos estranhos resultados lá de cima. Que publicou em seu sítio na Internet e em duas revistas alemãs, a já mencionada "PC Professionell" e a "c't Magazin fur Computertechnik". O que passo a relatar daqui em diante é um resumo do que encontrei no sítio do Tom. Diz ele: "Na sexta-feira, 7 de março de 1997, tive razões suficientes para me sentir ameaçado pela Intel. Diversas fontes insistiam em me advertir, quase de hora em hora, que a Intel tomaria alguma atitude contra mim... Nas semanas anteriores a Intel já havia mostrado que estava tentando fazer o possível para intimidar a imprensa, pressionando duas revistas alemãs de informática". As pressões foram feitas por telefone, mas, segundo Dan Gillmor, o editor da "Mercury News Computing", a própria Intel admitiu que "empregados da empresa sugeriram indevidamente a duas revistas alemãs de informática que a Intel poderia sustar seus anúncios depois que publicaram análises negativas sobre um processador a ser brevemente lançado". Em 6 de março a fabricante da placa-mãe onde foi realizado o teste informou a Tom que estava sendo ameaçada pela Intel e solicitou que seu nome fosse removido do relatório de testes. Pouco depois o destemido Kai Schmerer solicitava que o mesmo fosse feito tanto com seu nome quanto com o da revista que edita (de fato, os nomes já não mais constam do relatório encontrado na rede). E finalmente, em 7 de março, um telefonema informava a Tom que "alguns falcões da Intel planejavam desferir um sério golpe" contra a revista e contra ele, Tom. Ora, Tom Pabst é um médico que vive de sua profissão. Como enfrentar um gigante como a Intel? Tomou então as duas únicas providências a seu alcance: transferiu a análise do chip para um servidor na Alemanha, onde a legislação é mais favorável e, literalmente, pôs a boca no mundo, narrando os fatos em seu sítio. O resultado foi espantoso. Diz Tom: "Milhares de vocês [leitores] enviaram-me mensagens de apoio, milhares fizeram o mesmo com a Intel, outros milhares publicaram mensagens em newsgroups e 'treads' sobre Intel, muitos de vocês entraram em contato com a imprensa, fazendo com que eu fosse procurado por jornais importantes como "New York Times", "Wired News", "San Jose Mercury News", "Cyber Times" e outros". O "incidente" rendeu artigos de Joel Markoff no "New York Times" e Dan Gillmor no "Mercury News Computing(em [http://www.sjmercury.com/business/intel031197.htm]). E uma tempestade de mensagens na Internet, endereçadas à Intel ou postadas nos newsgroups especializados, cujo conteúdo não era muito lisonjeiro para a Intel. Se a Intel pretendia ou não processar Tom Pabst, jamais saberemos. Mas em 11/3/97, exatamente quatro dias após Tom pôr a boca em seu humilde trombone na Internet, a Intel emitia em seu "Intel Support Forum" uma mensagem (texto completo em [http://cs.intel.com/Intel/microprocessors/pentium_and_pentium_pro/msg12536.htm]) informando que "não manteve nenhum contato direto com o proprietário do sítio 'Tom's Hardware Guide' nem teve nenhuma intenção de 'fechar' o sítio". E, após informar que o chip testado era um exemplar de pré-produção que, portanto, teria um desempenho inferior ao dos que serão lançados, reiterava que "não havia tomado nenhuma atitude, nem planejava tomar nenhuma atitude que pudesse causar impacto direto ao sítio". Desta feia história, retira-se duas belas lições. A primeira é o impressionante poder que a Internet põe nas mãos de quem está do lado correto e defende honestamente suas idéias, mesmo opondo-se a um gigante do porte de uma Intel. A segunda é que nem todo o mundo percebe isto. Afinal, não faz tanto tempo assim que um professor provocou uma tempestade semelhante com uma simples mensagem na Internet relatando um probleminha com uma tal unidade de ponto flutuante. Deu uma briga danada. Com quem mesmo? Ora, mas não é que tem gente que não aprende...
B.Piropo |