Sítio do Piropo

B. Piropo

< O Globo >
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02/02/2004

< Totalmente Conectado >


Costumo abrir minhas palestras sobre evolução da tecnologia lembrando que, quando se discute o futuro, a palavra chave é “conexão”. E enfatizando que dentro de algum tempo, com ou sem o uso de fios, tudo estará conectado a tudo, de computadores a geladeiras, de televisões a máquinas de lavar, de automóveis a telefones celulares, de micros de mão a vasos sanitários. E essa conexão universal se dará em altíssimas taxas de transmissão de dados, a custos baixíssimos e em escala planetária. Geralmente a platéia reage, se não com ceticismo, pelo menos com a postura de quem está diante de um evidente exagero.
Lamento informar que a) não há exagero algum; b) o fenômeno não apenas já começou como está em um estágio razoavelmente avançado e, finalmente: c) nem tudo que ele traz são benefícios. Muito pelo contrário.
Para início de conversa, a comunicação móvel, que começou com os telefones celulares há pouco mais de uma década, já não é mais a mesma. Hoje, ela está integrada a dispositivos que, por falta de nome melhor, ainda são chamados de “telefones” (meramente porque entre as muitas formas de comunicação que ensejam, permitem que seus usuários se comuniquem por voz), mas que trocam e armazenam dados e imagens, muitas delas capturadas pelo próprio dispositivo, os já banais “celulares que tiram e transmitem fotos”. E que acessam a Internet.
É claro que muita coisa boa pode advir disso. Tantas e tão evidentes que não nos deteremos em sua análise. Mesmo porque não é preciso: as empresas que oferecem os atuais e oferecerão os futuros serviços se encarregarão de inundar os meios de comunicação com propaganda relatando como eles mudarão sua vida para melhor. Mas dificilmente mencionarão as mudanças para pior. E, acreditem, elas virão.
Imagine um dispositivo desses, tipo “pré-pago”, que não identifica o usuário ou responsável, com acesso à Internet via tecnologia 3G ou GPRS (já disponível em alguns países), nas mãos de um pedófilo. Imagine um monte de outros dispositivos similares, desses que exibem imagens e tiram fotos, nas mãos de crianças ou adolescentes ingênuas. Deu para perceber o enorme impulso que isso pode representar para a indústria mundial de pornografia infantil? Se não deu, leia o relatório “Child abuse, child pornography and the Internet”, da NCH, uma das mais sérias e atuantes instituições inglesas de proteção à criança, em <www.nchafc.org.uk/page.asp?auto=697>. Onde você verá que a preocupação não se restringe à produção e distribuição de material pornográfico, mas também ao acesso. Como impedir que menores de idade visitem sítios com conteúdo adulto? A NCH vem alertando aos provedores de acesso a dispositivos sem fio sobre esses riscos e solicitando que eles instalem, em dispositivos registrados em nome de menores, software para bloquear acesso a sítios pornográficos. Mas a eficácia desta medida é no mínimo duvidosa.
Se você não está nem aí para pedofilia e se preocupa mais com seu conforto pessoal que com os rumos da sociedade, talvez esteja dando de ombros, achando que nada disso é problema seu. Mas já ouviu falar nos “Location-based services”? Se não, consulte a página <www.mobilein.com/location_based_services.htm> da MobileIN.Com, um sítio voltado para profissionais da comunicação sem fio. E descubra que seu telefone celular atual já permite traçar seus caminhos sobre a face deste cada vez mais exíguo planeta com relativa precisão e os aparelhos futuros permitirão elevar essa precisão consideravelmente. E já há empresas oferecendo serviços baseados na sua localização (sim, você adivinhou, os tais “Location-based services”). É claro que isso pode trazer vantagens: a possibilidade das autoridades policiais localizarem com precisão a origem de um pedido de socorro emitido por um desses aparelhos é apenas uma delas. A possibilidade de seu telefone celular (ou seja lá que tipo de dispositivo portátil você estiver usando na ocasião) emitir um lembrete informando que a loja em frente à qual você está passando oferece uma promoção é outra, muito menos entusiástica. Mas a possibilidade de que seu chefe (ou a sua mulher, marido, namorado/a) possa acompanhar suas andanças o dia todo com precisão aproximadamente igual a, digamos apenas à guisa de exemplo, o diâmetro de uma cama redonda dessas de motel, essa é de dar calafrios.
Não é à toa que a Bell Laboratories acaba de anunciar (veja artigo de John Blau em <www.pcworld.com/news/article/0,aid,114372,tk,dnWknd,00.asp>) o lançamento de um novo software, conhecido pelo revelador codinome de “Houdini”, que permite controlar e até mesmo desativar completamente esse tipo de serviço.
Sai pra lá, tecnologia...

B. Piropo