Volta
e meia escrevo aqui sobre a famigerada DMCA, a draconiana lei
de proteção aos direitos autorais que vige nos
EUA (os artigos permanecem disponíveis em meu sítio;
para encontrá-los basta entrar na seção
Pesquisar e efetuar uma busca com a expressão
DMCA). Geralmente escrevo contra. Hoje, vou abrir
uma exceção.
Volta e meia escrevo aqui sobre a questão dos cartuchos
das impressoras tipo jato de tinta ou laser e como os fabricantes
de impressoras acabam se convertendo em vendedores de tinta
e toner (caros) oferecendo impressoras por preços atraentes
apenas para lucrar (muito) na venda dos cartuchos. Geralmente
escrevo contra. Hoje, não vou abrir exceção.
Ocorre que os dois temas confluíram. E, por extraordinário
que pareça, nessa confluência nós, os usuários,
acabamos por levar alguma vantagem. Ou pelo menos ganhamos um
assalto de uma luta que promete ser longa.
Negócio seguinte: ano passado uma das grandes fabricantes
de impressoras, a Lexmark, começou a usar nos seus cartuchos
de toner para impressoras Laser um circuito integrado (chip)
que, quando o cartucho era instalado, trocava dados com a impressora
e informava que o cartucho era original. Sem o chip, a impressora
se recusava a funcionar. Ora, o mercado de cartuchos é
altamente lucrativo. Portanto, não faltou muito para
que surgisse uma forma de contornar o problema: a empresa Static
Control Components (SCC) passou a oferecer aos fabricantes de
cartuchos de toner compatíveis com as impressoras Lexmark
um chip denominado Smartek que simulava a ação
do da Lexmark, permitindo que eles continuassem a fabricar seus
clones.
A Lexmark, naturalmente, não gostou. E partiu para o
ataque. Alegando que a SCC fabricava chips que continham cópias
de código de computador cujos direitos autorais
lhe pertenciam, algo expressamente vetado pela DMCA, a Lexmark
abriu um processo judicial contra a concorrente.
Em fevereiro deste ano o juiz Karl Forester, face às
alegações da Lexmark, embargou provisoriamente
a fabricação dos chips da SCC enquanto examinava
o caso (veja em
<www.pcworld.com/news/article/0,aid,109596,00.asp>.
Mas o processo continuou. E, surpreendentemente, vozes inesperadas
se alevantaram a favor da SCC. Porque o que está em jogo
não é uma mera cópia de código alheio,
mas muito mais que isso. É o direito de fabricar os lockout
devices (dispositivos de travamento), que impedem o uso
de peças de reposição e suprimento fabricados
por terceiros. E isso não está no escopo da DMCA.
Uma das vozes a se fazer ouvir mais intensamente foi a da AAIA
(Automotive Aftermarket Industry Association), a associação
de fabricantes de peças para automóveis, cujos
associados empregam quase quatro milhões de pessoas nos
EUA e movimentam anualmente 250 bilhões de dólares
(veja em
<www.scc-inc.com/special/oemwarfare/pdf_lawsuit/
Prepared Statement Smartek Chip Decision Due Feb28.pdf>.
Já pensou se a moda pega e os fabricantes de automóveis
passam a usar o mesmo expediente? A indústria de peças
de reposição vai para o brejo...
Resultado: semana passada, provocado por uma interpelação
da SCC, o U.S. Copyright Office, órgão do Governo
americano responsável pela aplicação da
legislação de direitos autorais, sem discutir
se os chips da SCC contêm ou não material cujos
direitos pertencem à Lexmark, emitiu um parecer informando
que o DMCA não proíbe a prática desse tipo
de clonagem. E acrescentou que desenvolvedores de software
podem recorrer à engenharia reversa para contornar a
proteção de direitos autorais se este recurso
for empregado para obter interoperabilidade com um programa
de computador desenvolvido independentemente (veja em
<www.pcworld.com/news/article/0,aid,113190,00.asp>).
A ação continua em julgamento. Mas o pronunciamento
(ruling) do U.S. Copyright Office é um poderosíssimo
argumento a favor da SCC e, em última análise,
de nós, usuários, que poderemos exercer o direito
de escolha entre comprar produtos originais de melhor qualidade
ou seus clones, a preços mais atraentes.
No caso específico da Lexmark, conheço bem a indústria.
Visitei algumas de suas fábricas de cartuchos e sou testemunha
do cuidado com que são feitos e da excelência do
produto. Mas não posso concordar com sua tentativa de
embargar judicialmente a ação da concorrência.
Se a Lexmark quer que continuemos a comprar seus cartuchos,
que siga se esmerando na qualidade com que os fabrica. Mas não
proíba a nós, usuários, de escolher uma
alternativa mais barata.