Tudo o que tenho escrito nas últimas colunas sobre Windows 8 gira em torno da mudança da interface e da dificuldade de operar com teclado e mause um sistema concebido e otimizado para uso em dispositivos com telas sensíveis ao toque.
Assim foi porque, até há pouco, era o ponto que mais atraiu minha atenção no que diz respeito ao lançamento do novo sistema operacional da MS. Porém, recentemente, outro aspecto despertou minha curiosidade. Um aspecto mais abrangente e importante porque afeta a forma pela qual usaremos não apenas o sistema operacional mas todos os nossos computadores e assemelhados, grandes ou pequenos, de mesa ou móveis, desde que conectados. E uma coisa tão evidente que, talvez justamente por ser demasiadamente evidente e permear toda a indústria de informática, estava passando despercebida – pelo menos por mim. Para se perceber sua verdadeira dimensão é preciso concatenar alguns pontos aparentemente desconexos. Mas antes, uma observação: o que vocês lerão daqui em diante é fruto exclusivo de minha observação e reflete não mais que minha opinião, ou seja, não está baseado em qualquer pronunciamento da MS ou "vazamento" de informações confidenciais. É apenas o resultado de juntar alguns fatos e raciocinar com eles.
Figura 1: Windows 8 e seus blocos
Consideremos alguns deles.
Que Windows 8 foi otimizado para operação em telas sensíveis ao toque estamos cansados de saber. Velho e obstinado usuário de máquinas de mesa que sou, minha primeira reação foi achar que isto era uma admissão por parte da MS que os velhos PCs de mesa constituíam uma espécie em vias de extinção. Talvez por isto um ponto tenha me passado despercebido: quem sabe esta otimização não teria um objetivo mais prático e imediato? Pois ocorre que, com algumas exceções que servem apenas para confirmar a regra, dispositivos com tela sensível ao toque são máquinas conectadas. Seja conectadas à Internet, através de uma conexão WiFi ou 3G, seja conectadas a uma rede telefônica para dispositivos móveis. Mas quase sempre conectados. Portanto, talvez a otimização para estes dispositivos pouco tenha a ver com a extinção das máquinas de mesa (se bem que acabe se constituindo em mais um motivo para apressá-la), mas com o fato de tais dispositivos serem, predominantemente, conectados.
O segundo ponto é o preço. Em tese, Windows 8 Pro (a versão mais poderosa) na caixa, para atualização de qualquer outra versão de Windows, custaria R$ 269. Mas apenas em tese, posto que a qualquer momento qualquer usuário de qualquer sistema operacional pode visitar a página <http://windows.microsoft.com/pt-BR/windows/buy?OCID=GA8_SEM_ROW_Null_Null_Null_Null> "Baixe e compre" da MS e adquirir a mesma versão por R$ 63 até o final de fevereiro próximo. Mais que isso: se você comprou uma máquina com Windows 7 instalado a partir do início de junho passado (ou comprar uma até o final de fevereiro próximo), pagará apenas R$ 29 pela versão de atualização, uma pechincha inigualável. Eu uso produtos da MS desde os anos oitenta do século passado e jamais vi coisa parecida.
Bem, mas em se tratando de uma versão de atualização, até pode-se compreender que a empresa ofereça um desconto substancial para premiar a fidelidade dos clientes antigos. O que seria não apenas justo mas perfeitamente razoável não fosse por um pequeno detalhe que não é mencionado claramente em lugar algum mas que, a julgar pelos comentários apostos pelos leitores à minha <http://blogs.forumpcs.com.br/bpiropo/2012/10/30/windows-8-o-lancamento/> coluna anterior, é absolutamente veraz: aparentemente não há qualquer diferença entre a versão de atualização e a versão completa ("full") para ser instalada em um disco virgem. Ou seja: nada impede que um usuário baixe a versão de atualização de R$ 69 e a instale a partir do zero em uma nova máquina, já que durante a instalação não apenas inexiste qualquer verificação se há ou não uma versão de Windows pré-instalada na máquina como também não é solicitado qualquer número de série ou comprovação de aquisição de licença. E o mais espantoso é que, ainda segundo os comentários, isto ocorre mesmo que o usuário baixe a versão de atualização de R$ 29.
Resumindo: nada impede, pelo menos do ponto de vista prático e apenas me baseando nos comentários dos leitores, que um usuário qualquer pague R$ 29, baixe a versão de atualização de Windows pré-instalado e a instale em uma máquina recém-montada, sem qualquer sistema operacional. O que me leva a duas conclusões. A primeira é que isto não pode ser um erro ou engano da MS, macaca velha no mercado e mais que conhecedora das manhas dos usuários. Um negócio destes, portanto, só pode ser proposital (a segunda, que nada tem a ver com o tema de hoje, é que em uma situação destas só pirateia o produto quem tem uma forte inclinação para a malfeitoria, pois se recusar a pagar menos de trinta merrecas por um sistema operacional completo da categoria de Windows 8 é coisa de gente acostumada a não pagar pelo que consome – para usar uma classificação pouco ofensiva).
Então dá para concluir que não apenas Windows 8 foi concebido para ser usado em dispositivos conectados como também que a MS está fazendo tudo o que pode para disseminá-lo o mais rapidamente possível. Não é à toa que há uma semana se vê tanto comercial de Windows 8 no horário nobre dos principais canais de televisão. E isto não ocorre apenas no Brasil, mas nos 140 países onde Windows 8 foi lançado simultaneamente, onde a MS deflagrou uma campanha promocional cujo custo alegado é de um e meio bilhão de dólares (indagado sobre esta campanha na entrevista coletiva que sucedeu à cerimônia de lançamento,Michel Levy, Presidente a MS Brasil, não confirmou nem desmentiu o custo mas afirmou que esta é a maior campanha de lançamento de produto jamais promovida pela empresa).
Agora, o último aspecto a chamar minha atenção: durante seu pronunciamento ao público presente à cerimônia de lançamento de Windows 8, conforme citei na coluna anterior, Michel Levy declarou "que a Microsoft estava em plena fase de transição de uma empresa de software para uma empresa de serviços".
Que serviços ele não especificou. Mas quem olha para a tela de abertura de Windows 8 e vê os "blocos" (segundo a MS, aqueles objetos quadrados e retangulares, alguns com conteúdo atualizado em tempo real, que aparecem na tela de abertura não são ícones, agora se chamam blocos) "Loja", "Jogos", "Xbox 360", "Música" e "Vídeo" (e certamente muitos outros virão) onde, usando sua "conta da Microsoft" – cujo nome de usuário e senha são exigidos na instalação do sistema operacional e, caso o usuário não possua uma, é solicitado a criar durante a instalação – e uma forma de pagamento adrede cadastrada, se pode adquirir software, músicas, filmes e jogos, dá para perceber a que serviços Levy se referia.
Então me lembrei de uma mensagem de correio eletrônico que, no transcurso de uma discussão sobre um tema correlato, recebi de Paulo Couto, meu amigo e ilustre redator do ForumPCs.
Dizia ele:
"...empresas e marcas à parte, estamos caminhando para um mundo de serviços onde temos uma "conta" para usar o produto. No mundo Google chama-se "Google Account", uma única conta que reúne tudo que você tem no Google, ...No mundo Apple, chama-se "Apple ID", que além do que faz a do Google, controla sua conta corrente na Apple (compras, créditos, etc.), acesso aos seus dispositivos "de hardware" e permite que um aplicativo comprado para o iPhone seja, por exemplo, instalado automaticamente no seu iPad (e em qualquer outro dispositivo instalado na mesma "conta") ou que uma musica comprada na Apple Store para seu iPhone apareça, "como mágica" em todos os seus iPods, iPads e Macs ... No mundo Microsoft, [esta conta] é o tal "email" que temos que usar noWindows 8, que por acaso é também o seu ID Messenger, seu Live ID (para os produtos Live) e ... também seu nome Skype (agora produto MS) ... Em outras palavras, é fundamental usar o conceito de "conta unificada" para acessar todos os serviços e aplicativos "cloud". Essa é uma das razões para tantos sites e serviços aceitarem login com sua conta de Facebook ou Twitter, em vez de te obrigar a criar mais uma conta pessoal para administrar"
Portanto, ao que tudo indica, doravante, à semelhança da Apple e da Google, o sistema operacional Windows 8 deixará de ser o produto principal da MS e passará a acumular as funções de "Ponto de Venda". Será através dele que poderemos adquirir os produtos que a MS se dispõe (e a imensa quantidade dos novos produtos que ela se disporá) a vender. Um número que deverá crescer rapidamente posto que a remuneração que a MS oferece aos desenvolvedores de aplicativos para Windows 8 é mais atraente que a de qualquer concorrente (em condições especiais e a partir de certo número de unidades vendidas, pode chegar a 80% do preço de venda).
Bem, agora dá para juntar as pontas soltas e entender o porquê da MS estar facilitando tanto a instalação de Windows 8. É através dele que a MS pretende vender produtos em massa.Ele será como que um quiosque virtual, o principal ponto de venda da empresa.
E um ponto de venda instalado em bilhões de dispositivos conectados, definitivamente, não é um negócio desprezível...