Esta afirmação é fruto exclusivamente de minha observação pessoal, portanto pode ser contestada. E, evidentemente, vale apenas para o cidadão comum como nós, não para o especialista em física quântica ou outro ramo igualmente abstruso do conhecimento humano. Mas se você pensar na dificuldade que deve representar para uma criança de um ano equilibrar-se sobre as pernas e coordenar as dezenas de músculos que devem ser acionados para se movimentar para frente sem cair e repetir tudo isto a cada passo, verá que se trata de uma proeza e tanto. Assim como é uma façanha para uma criança de menos de dois anos associar os sons que formam as palavras às coisas e, principalmente, às ideias e emoções que representam. E certamente é ainda mais difícil para um jovem de seis anos mentalizar os símbolos gráficos que representam estas mesmas palavras, associá-los, formar frases e, provavelmente o mais complexo, entender o que elas representam quando postas em um papel.
Ler e escrever é uma façanha. E não me refiro a escrever corretamente usando a chamada "língua culta", mas aos simples atos de pôr palavras no papel em uma sequência lógica que transmita uma ideia e de ler um texto escrito por terceiros e conseguir interpretá-lo de acordo com o sentido desejado por quem o escreveu.
Hoje estão em moda as redes sociais. Conheço pessoas que passam nelas a maior parte do tempo em que estão acordadas. Tornaram-se uma mania e, para muitos, um vício, uma obsessão. E, para frequentá-las, é preciso um mínimo de destreza no uso da leitura e escrita.
Eu não costumo entrar nelas com frequência. Mas como se tornaram hoje o principal meio de divulgação de qualquer coisa, principalmente através da chamada divulgação viral, passei a usá-las para divulgar as colunas que publico aqui e ali. E as pessoas que se conectam comigo através do Twitter e Facebook, as duas redes mais populares entre nós, já se acostumaram a ver os avisos de "Coluna nova..." que posto regularmente. E, cada vez que faço isto, gasto alguns minutos examinando o conteúdo da rede.
No Twitter, não há muito que ver. Funciona como um quadro de avisos eletrônico e dentro do limite de 140 caracteres não se pode espremer muito conteúdo. Mas o Facebook, com seu limite mais generoso do número de caracteres e, sobretudo, com seu formato que permite inserir comentários abaixo do que foi postado (que, por alguma razão, recebeu a denominação de "status"), permite que o tema se desenvolva em uma espécie de "conversa de botequim", onde todos podem meter o bedelho acrescentando comentários.
É claro que o nível da "conversa" depende muito do grupo de "amigos" que o Facebook permite selecionar. E convém esclarecer que as aspas não significam que tais pessoas não sejam, de fato, minhas amigas, significam apenas que, no contexto desta coluna, elas fazem parte do rol de "amigos" relacionados no Facebook, muitos dos quais sequer conheço pessoalmente.
Imagino que para quem os seleciona criteriosamente, apenas convidando ou aceitando convites daqueles que compartilham os mesmos interesses e nível de informação, o formato enseje o desenvolvimento de "conversas" espirituosas em uma sucessão de comentários inteligentes e agradáveis de ler (pelo menos para as pessoas do grupo selecionado). Mas quem, como eu, usa o Facebook principalmente como ferramenta de divulgação e tem interesse em que esta divulgação alcance o maior número possível de pessoas, não faz sentido manter qualquer rigor no critério de seleção de "amizades". O que faz com que eu seja bastante liberal quando recebo uma solicitação destas. Talvez por isto o número de meus "amigos" no Facebook ultrapassa a casa dos seiscentos.
O resultado disto é que minha "Página inicial" do Facebook pode ser considerada uma boa amostra do conteúdo, digamos, "médio", da rede social no Brasil. E, nela, encontra-se um pouco de tudo.
Há mensagens de fundo religioso ou espiritual, mensagens sobre futebol, sobre tecnologia, sobre viagens, sobre a própria família ou sobre a alheia, fotos de amigos, piadas e charges, sobre as próprias redes sociais e sobre nada (tipo "Ah, como hoje está frio").
Há de tudo.
Figura 1
Por exemplo: tenho um neto pré-adolescente que mantém uma conta no Facebook e, evidentemente, faz parte da minha relação de "amigos". Nesta condição, suas postagens aparecem em minha página inicial. Como aparecem igualmente na de seus demais "amigos", a grande maioria dos quais são crianças mais ou menos da mesma idade, como é natural, que postam comentários que também posso ler. E grande parte dos comentários (mas nem todos, há alguns bastante inteligentes) são do tipo "kkkkkkkkkk", "Poooooooooooo", "hahahahaha", "oioioioioi", "ashuashuashua" e similares.
Nada contra. São crianças por volta dos dez anos. Ainda não dominam plenamente a linguagem escrita e usam a rede, principalmente, para se socializar (afinal, são redes sociais, pois não?) e exprimir suas emoções. Sempre dentro de suas limitações, naturalmente.
O que me assusta é a quantidade de comentários exatamente do mesmo tipo e teor incluídos por adultos supostamente letrados em postagens de outros adultos.
Convenhamos: excluindo as crianças, quem se resume a postar coisas do tipo "kkk", "Ninguém merece", "hahaha" e coisas que tais, ou não tem ideias para expor ou, se as tem, não sabe como expô-las.
Note que não me refiro aos chamados "erros de português". É claro que sempre é mais agradável ler uma mensagem escrita corretamente, mas se há uma coisa que aprendi desde os tempos dos velhos BBS nos anos oitenta do século passado é que não se critica erros de ortografia ou gramática em mensagens ou comentários por mais estrambóticos que pareçam. E não se deve criticar não apenas por uma questão de educação, já que os comentários são públicos, mas, sobretudo para não inibir a pessoa que cometeu o erro e, com isto, quebrar o ritmo de uma "conversa" que poderia ser interessante. Este, talvez, seja o único contexto em que o erro é aceitável. O imperdoável é a tentativa de corrigi-lo.
A liberdade de linguagem nas redes sociais deve ser equivalente à adotada nas "conversas de botequim", onde vale muito mais o conteúdo que a forma e as interrupções para corrigir eventuais erros gramaticais são intoleráveis. Lembro-me, dos tempos do BBS quando, em um dos que eu frequentava, havia um usuário que se arvorou em patrulheiro do idioma e cada vez que encontrava um erro em uma mensagem postava outra com a devida correção. Com isto logrou alcançar três objetivos: gerar animosidade nos que eram corrigidos, conseguir o desprezo dos demais e inibir as conversas fazendo com que muitos dos companheiros que tinham ideias interessantes para compartilhar se abstivessem de fazê-lo por receio de cometer erros e receber críticas públicas. O que tornou fácil perceber que erro de português em troca de mensagens públicas não se corrige.
Portanto não estou aqui para criticar os erros de ortografia e gramática de ninguém.
Mas, enquanto os erros de ortografia e gramática têm a ver com a forma, os "kkk", "hahaha", "Tá frio hoje" e "Acordei com preguiça" têm a ver com conteúdo. Com ideias, não com a forma de exprimi-las.
E qual será a razão pela qual tanta gente enfrenta tamanha dificuldade em exprimir ideias?
Bem, o < http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-17/menos-de-30-dos-brasileiros-sao-plenamente-alfabetizados-diz-pesquisa > artigo de Amanda Cieglinski publicado recentemente no sítio da Agência Brasil e baseado em dados estatísticos obtidos em pesquisa desenvolvida pelo "Instituto Paulo Montenegro" e a ONG "Ação Educativa" para determinar o Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2011-2012 talvez forneça uma indicação razoável.
Vale a pena ler o artigo. Segundo ele, apenas 26% da população brasileira alcança o nível do alfabetismo pleno. A maioria, 47%, não passa do nível básico. E, ainda segundo o mesmo artigo, "os chamados analfabetos funcionais representam 27%".
Mas o que é um analfabeto funcional? Bem, o artigo não define, mas sempre podemos apelar para a < http://pt.wikipedia.org/wiki/Analfabetismo_funcional > definição da Wikipédia, segundo a qual "Analfabeto funcional é a denominação dada à pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos e de fazer as operações matemáticas". Pois bem: esta categoria abrange mais um quarto da nossa população e, muito provavelmente, é a responsável por boa parte dos "kkkk" e "hahaha" das redes sociais.
E não pense que eles provêm exclusivamente das classes menos favorecidas, dos que não tiveram acesso à educação formal, dos iletrados. Não mesmo. Pois ainda no tópico da Wikipedia podemos ler que "existem analfabetos funcionais com nível superior de escolaridade". E, de fato, a pesquisa sobre o Inaf vem ao encontro desta afirmação quando conclui que "38% dos brasileiros com formação superior têm nível insuficiente em leitura e escrita". Isto significa que apenas 62% deles atingem o nível pleno e muitos dentre estes 38% que não atingem são analfabetos funcionais. Pare e pense: estamos falando da pequena parcela da população brasileira que alcançou o privilégio de frequentar uma instituição de ensino de nível superior. Estamos falando de universitários!!!
Não acha possível? Pois acredite. Eu mesmo sou professor universitário e já há alguns anos decidi aplicar apenas provas de múltipla escolha já que quando aplicava provas discursivas, além de ficar profundamente irritado com os erros gramaticais e ortográficos de alguns alunos, havia respostas que eu simplesmente não conseguia entender.
E, neste ponto, é impossível não perguntar: por quê?
Por que perdemos ao longo da vida uma das habilidades adquiridas na infância? E por que não as outras duas? Sim, pois desconheço quem tenha desaprendido de andar e falar. Só de ler e escrever.
Pense no assunto e procure uma resposta viável.
Eu, cá do meu lado, já encontrei a minha: prática.
Pois, exceto em casos muito especiais como acidentes paralisantes e isolamento total, jamais conheci quem, depois de aprender a andar e a falar, tenha se abstido de andar ou falar um único dia de sua vida. Praticam estas ações diariamente e, com a prática, as aperfeiçoam.
Mas a quantidade de pessoas que não lê regularmente é alarmante. E não me refiro a legendas em filmes estrangeiros, propaganda na televisão, letreiros de ônibus e placas de aviso. Refiro-me a livros, a única forma eficaz de "treinar" a leitura. Porque um levantamento encomendado pelo Instituto Pró-Livro e feito pelo Ibope Inteligência entre junho e julho de 2011 revelou que o brasileiro lê em média quatro livros por ano. E, destes, apenas conclui a leitura de 2,1.
Pode ser que eu esteja enganado, mas muito provavelmente esta é a causa de tanto "kkk", "hahaha", "ashuashua" e "re-re-re". Quem não lê não sabe interpretar textos nem consegue usar a escrita para exprimir ideias. Falta-lhe prática.
Eu não sei não, mas diante disto, sendo eu um brasileiro que passa uma boa parte de sua vida escrevendo em português esperando ser lido por outros brasileiros, só me resta fechar a coluna com um comentário:
Figura 1
SnifSnif...