Eu já contei esta história por aqui há exatos seis anos, mas tenho razões que logo ficarão claras para voltar a ela. Desta vez, porém, vou resumi-la (quem quiser mais detalhes entre no < http://www.bpiropo.com.br/ > Sítio do Piropo, passe para a seção “Pesquisar” e faça uma busca com “4004”).
O transistor foi inventado em 1948 e revolucionou nossa sociedade. Sua primeira aplicação prática foi o “radinho de pilha” do qual uma marca japonesa chamada “Spika” invadiu o mundo. Eu mesmo tive um lá pelos idos dos anos cinquenta do século passado. Mas logo descobriram para ele uma imensidão de novas aplicações, como calculadoras eletrônicas do tamanho de um livro de bolso capazes de substituir as enormes, lentas e pesadíssimas máquinas de calcular eletromecânicas. A primeira delas em que pus as mãos em meados dos anos setenta fazia as quatro operações, elevava ao quadrado e extraía raiz quadrada, usava um mostrador luminoso que consumia uma barbaridade de energia e por isto precisava permanecer ligada à tomada e custava perto de mil dólares. Não obstante, com ela logrei reduzir em quase quarenta porcento o tempo necessário para fechar a memória de cálculo de um projeto de engenharia que me consumira semanas de trabalho.
Figura 1: Ted Hoff e sua revolucionária invenção
Em 1969 a NCM Co (Nippon Calculating Machine Corporation) encomendou o desenvolvimento dos circuitos integrados para equipar sua calculadora eletrônica “Busicom” a uma empresa fundada no ano anterior com o objetivo de projetar e fabricar circuitos integrados eletrônicos e por isto mesmo batizada de Intel (Integrated Electronics). A missão coube aos engenheiros Frederico Faggin, Stan Mazor e Ted Hoff, encabeçados pelo primeiro. De acordo com as especificações da NCM seriam necessários dezesseis CIs. Mas um dos engenheiros da equipe, Ted Hoff (que aparece na Figura 1, obtida de apresentação da Intel) logo percebeu que haveria grandes semelhanças entre eles. Por que, então, não desenvolver um único CI capaz de cumprir todas as dezesseis funções? O resultado seria um dispositivo compacto e mais barato.
A ideia era excelente, mas levantava um problema: se o CI era capaz de executar diferentes operações com os dados de entrada, como fazê-lo “decidir”, a cada momento, qual delas seria a necessária para resolver cada passo do problema?
A solução foi ao mesmo tempo simples, genial e revolucionária: o CI foi concebido de tal forma que em seu interior havia não apenas os circuitos eletrônicos suficientes para executar todas as operações, como também um conjunto auxiliar de circuitos que, ao serem energizados (ou seja, ao receberem uma tensão em um determinado terminal), selecionavam e combinavam da forma correta aqueles necessários à execução da operação, fazendo com que ela – e apenas ela – fosse levada a termo.
Este conjunto auxiliar de circuitos foi denominado “decodificador”. Que, essencialmente, é muito simples: tem uma entrada, na qual se introduz um número binário através de tensões aplicadas a seus terminais, e diversas saídas. Quando se entra com um número binário na entrada, a saída correspondente àquele número emite uma tensão que energiza o circuito a ela conectado.
Pronto, agora ficou fácil...
A cada uma das operações que o CI era capaz de executar foi atribuído um número. Para executar qualquer delas bastava “ligar” o circuito correspondente fornecendo à entrada do circuito decodificador o número a ela atribuído. Com isto Ted Hoff e seus colegas tinham acabado de inventar um único circuito integrado capaz de desempenhar múltiplas funções selecionadas por meio de um número atribuído a cada uma delas.
Este número foi denominado de “instrução” (já que “instruía” o CI a executar uma dada operação) e o próprio CI foi batizado de “processador” ou “microprocessador”.
Como o troglodita que descobriu como fazer fogo e seu colega alguns milênios mais tarde que inventou a roda, Ted Hoff não fazia ideia das exatas dimensões de sua façanha. Mas, cada um a seu tempo, acabara de dar início a uma das mais formidáveis revoluções tecnológicas da história da humanidade.
O CI fabricado pela Intel foi batizado de “4004” e lançado no mercado há quase exatos quarenta anos, em quinze de novembro de 1971.
E foi esta efeméride que me fez voltar ao tema...
A Busicom
A calculadora Busicom acabou sendo projetada com um circuito impresso que utilizava quatro CIs (os com superfície amarelada que aparecem na parte de baixo da Figura 2). O primeiro, batizado “4001”, continha a memória ROM na qual estava gravado o software necessário para operar a máquina. O segundo, “4002”, continha a memória primária, ou memória RAM para armazenar os operandos e os resultados intermediários. O terceiro, “4003”, continha os circuitos necessários para controlar a entrada e saída de dados (teclado, para a entrada, e impressora, para a saída). E finalmente o quarto, o “4004”, era o “coração” da Busicom, o CI responsável pelo processamento dos dados de entrada e sua transformação nos resultados finais.
A Figura 2, obtida em excelente artigo de Montana, membro honorário e professor do Fórum Battlecentral, mostra uma Busicom, aberta, com o 4004 assinalado pela seta vermelha.
O 4004 foi o primeiro processador jamais fabricado.
Figura 2: A Busicom da NCM Co
Embora o 4004 tenha resultado de uma encomenda da NCM e portanto baseado nas especificações emitidas pela empresa, foram tantas as alterações introduzidas no projeto original por Ted Hoff (que concebeu a hipótese de fabricar um único chip programável em vez de um conjunto de dezesseis unidades dedicadas avulsas), por Faggin (que desenvolveu a tecnologia de fabricação de portas MOS e três anos depois deixou a Intel para fundar sua própria empresa, a Zilog, que fabricou diversos microprocessadores inclusive o popular Z80) e por Mazor (que acrescentou diversas instruções ao chip e testou sua viabilidade), que o então Presidente da Intel, Bob Noyce, convenceu a cliente a apenas licenciar o produto (pela quantia de US$ 60 mil), porém deixando os direitos de propriedade intelectual nas mãos da Intel.
Foi esta decisão que transformou a Intel na gigante que é hoje e a NCM e sua Busicom... bem, na NCM e sua Busicom. Fora do contexto histórico, algum de vocês já tinha ouvido falar nelas?
O surgimento do 4004 em 15 de novembro de 1971 marcou um momento histórico: vinha à luz o primeiro microprocessador. O lançamento foi acompanhado de grande alarde e a peça publicitária na revista Electronics News (Veja Figura 3, obtida de apresentação da Intel) anunciava “uma nova era da eletrônica integrada” e mencionava pela primeira vez a expressão “computer on a chip” (“computador em um único circuito integrado”), que ficou famosa desde então.
Figura 3: O anúncio do 4004
O novo componente, um processador de quatro bits operando com frequência de 108 KHz (houve modelos posteriores que operavam a mais de 700 KHz), passou a ser vendido por sessenta dólares americanos à unidade. Ele e seus sucessores mudaram o perfil de nossa sociedade. E tudo isto aconteceu há exatos quarenta anos...
Alguns fatos sobre o 4004
Aqui está, na Figura 4, uma foto obtida no museu da Intel em Santa Clara, na Califórnia, EUA por este escrevinhador que vos fala, onde se vêm, no centro e em baixo, o chip pioneiro em seu encapsulamento e, acima dele, um “waffer” original onde se pode notar a presença de dezenas de núcleos do processador.
Figura 4: Intel 4004 com seus terminais folheados a ouro
No final de semana de 19 e 20/11, a Intel promoveu na Praia do Farol, nas proximidades de Salvador, BA, seu encontro anual com os editores e alguns articulistas dos principais veículos de informações especializados em informática, o Intel Editor’s Day 2011. Eu estive por lá e ainda terei muito o que falar sobre o evento nas próximas colunas.
É claro que o quadragésimo aniversário do 4004 foi mencionado. E foi distribuída uma folha de dados contendo alguns fatos interessantes sobre o chip pioneiro e algumas comparações com seus sucessores quatro décadas depois. Aqui vão alguns tópicos transcritos do original para sua ilustração.
- “Comparar a velocidade do transistor do primeiro microprocessador com os transistores de última geração é como comparar a velocidade de um caracol (5 metros por hora), com a velocidade do corredor queniano Patrick Makau Musyoki em seu recorde de maratona (42.195 metros em 2:03:38 horas ou uma média de 20,6 km/h no mês passado em Berlim). Os processadores mais rápidos do mundo podem atingir frequências de cerca de 4GHz. Eles se comparam com o processador 4004, da mesma forma que o velocista Usain Bolt se compara a um caracol.
- “O chip do processador 4004 continha 2.300 transistores. A atual 2ª geração do Intel ® Core possui quase um bilhão de transistores. É como comparar a população de uma aldeia com a população da China.
- “Se a atual 2ª geração do processador Intel Core (tamanho real: 216mm²) tivesse sido fabricada com o histórico processo tecnológico de 10μm, ela teria 21m², ou cerca de 7m x 3m. Você consegue imaginar um monstro como esse dentro do seu notebook?
- “O microprocessador Intel 4004 rodava a 740 kilohertz (a atual segunda geração de processadores Intel Core atinge quase 4 GHz). Se a velocidade dos carros tivesse aumentado no mesmo ritmo desde 1971, levaria cerca de um segundo para viajar de carro de San Francisco para Nova York.
- “O atual processador Intel Core possui 995 milhões de transistores. Se cada transistor fosse um grão de arroz, seria suficiente para preparar uma refeição de arroz... qualquer cidade com aproximadamente 567 mil cidadãos.
- “Em comparação com primeiro microprocessador da Intel, o 4004, a atual CPU de 32nm da Intel funciona quase 5.000 vezes mais rápido e cada transistor usa cerca de 5000 vezes menos energia. No mesmo período, o preço de um transistor caiu cerca de 50.000 vezes.
E, pensando bem, quatro décadas nada são. Pelo menos para mim, que em 1971 era um profissional da engenharia que, embora projetista já há algum tempo, não fazia a menor ideia de que no final daquele ano iriam inventar um treco do tamanho da unha de meu dedo mínimo que, não obstante, iria mudar minha vida...