Por que a Páscoa não “cai” sempre na mesma data, como o Natal e outros feriados religiosos? Porque o Concílio de Nicéia estabeleceu no ano 325 que o Domingo de Páscoa seria sempre o primeiro domingo depois da primeira Lua Cheia após o equinócio da primavera no Hemisfério Norte. Ora, como o equinócio da primavera no hemisfério Norte ocorre no dia 21 de março, o Domingo de Páscoa “cairá” sempre entre 22 de março e 25 de abril (intervalo correspondente a um ciclo lunar). Portanto, a data da Páscoa depende dos humores da Lua.
Não achou isto suficientemente importante para demonstrar a influência da Lua sobre sua vida? Então lembre do que acontece exatos quarenta dias antes do domingo de Páscoa.
Viu? Não fosse a Lua, não haveria Carnaval. Nem Lua de Mel. Nem luaus.
Convencido agora?
Mas, diga-me lá: por que teria o sábio Concílio feito tal escolha?
Certamente não foi por acaso. É que naquela época a Páscoa era a ocasião em que os cristãos faziam sua peregrinação à Terra Sagrada. E a Lua Cheia facilitava o deslocamento noturno iluminando os caminhos. Portanto a escolha sofreu efetivamente a influência da Lua, pois sempre é bom lembrar que, quando foi feita, quem iluminava os caminhos noturnos era a Lua e não a luz elétrica. E quando voltarmos ao assunto, no final desta coluna, lembre-se disso.
E, para confirmar que a Páscoa cai sempre próxima a uma Lua Cheia e amenizar esta coluna com um pouco de beleza, veja a foto de < http://www.flickr.com/people/nina_999/ >Nina Mönkkönen (que pode ser observada ainda mais bela < http://www.flickr.com/photos/nina_999/2348295222/ > aqui no Flickr) intitulada “Easter moon” (lua da Páscoa) por ter sido flagrada na noite de 20 de março de 2008, véspera da Lua Cheia (que, naquele ano, coincidiu com o equinócio da primavera) e dois dias antes do Domingo de Páscoa (e se a “noite” lhe parece ainda dia, convém lembrar que a foto foi feita em Vantaa, Finlândia, pertinho do Polo Norte).
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Figura 1: Foto “Easter Moon” de Nina Mönkkönen |
Mas voltemos ao período de formação da Lua. Segundo a hipótese do impacto gigantesco, que discutimos na coluna anterior, a Lua é quase tão velha quanto a Terra.
De fato, de acordo com Bernard Foing, responsável pela missão lunar < http://www.esa.int/SPECIALS/SMART-1/index.html > SMART-1, se a existência da Terra fosse condensada em um período de 24 horas, a Lua teria nascido no décimo minuto da primeira hora. Esclarecendo: as teorias modernas sobre a geração do cosmos afirmam que Terra foi formada há 4,56 bilhões de anos e recebeu o impacto do protoplaneta que ensejou a formação da Lua 30 milhões de anos depois, em uma ocasião em que a Terra era uma esfera de magma incandescente, o que facilitou o desprendimento do “pedaço” que, juntamente com fragmentos do protoplaneta impactante, veio a formar a Lua.
O choque não ejetou a Lua até sua posição atual.
Indubitavelmente foi uma senhora pancada (os que desejarem podem substituir o termo “pancada” pelo que considerar mais adequado, como eu faria se não escrevesse em um tão respeitável Fórum), mas não dissipou energia suficiente para arremessa-la tão distante. E, logo após sua formação, a Lua permaneceu muito mais próxima da Terra.
Que ela já esteve mais perto sabemos todos. E que continua se afastando, também sabemos. Afinal, foi por isto mesmo que nosso conhecido George Darwin formulou sua teoria da fissão. O que não sabemos é quão próxima ela estava logo após o nascimento. Pois saberemos já.
Hoje a Lua dista cerca de 380 mil quilômetros de nós. Pois logo após ser formada, distava apenas vinte ou trinta mil quilômetros da Terra. Estive a ponto de escrever “de nossos ancestrais”, mas naqueles dias não havia ancestrais. Nem uma mísera árquea, nenhuma forma de vida, nada. Mas, se houvesse, deslumbrar-se-ia com um espetáculo estupendo: um disco luminoso de magma fervente pairando nos céus com um diâmetro dez a vinte vezes maior que o da Lua que vemos hoje.
Mas não havia ninguém para apreciar o portento. Pois naqueles dias tanto a Lua quanto a Terra eram duas bolas de magma fluido com temperaturas acima dos mil graus centígrados irradiando calor para o espaço. E tanto irradiaram que começaram a esfriar e formar as crostas terrestre e lunar, definindo assim o aspecto dos dois corpos celestes.
O aspecto da Lua
Mas a definição do aspecto atual da crosta dos dois corpos celestes não foi uma coisa assim tão simples. Ações externas também afetaram esta evolução.
Uma evolução que teve início em tempos catastróficos: mais ou menos no meio do primeiro bilhão de anos de existência da Terra, ainda na era da formação planetária, tanto ela quanto a Lua sofreram um violento bombardeio de corpos celestes atraídos pela gravidade de ambas (um fenômeno que os astrônomos denominam “the late planetary bombardment” e durou cerca de cem milhões de anos).
As marcas de tantos impactos ainda permanecem sobre a superfície da Lua – juntamente com as de quase todos os que ocorreram daí em diante. A razão é simples: com sua massa menor, a Lua continha menos energia térmica que a Terra. Energia que foi mais rapidamente dissipada por irradiação, o que fez com que ela se solidificasse mais depressa. A escassa atividade tectônica que houve por lá durou relativamente pouco e cessou há cerca de dois e meio bilhões de anos.
Mas não passou em branco. Foi ela a responsável pela formação dos “mares” da Lua. São as grandes manchas coloridas que aparecem na Figura 2.
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Figura 2: “Mares” da Lua, foto de Russel Croman |
Neste ponto cabe um parênteses, pois a foto, magnífica, merece um comentário. Ela foi obtida no interessante blog < http://scienceblogs.com.br/100nexos/ > 100nexos de Kentaro Mori, mas pode ser observada em todo seu esplendor no sítio do autor, < http://www.rc-astro.com/ > “Russel Croman Astrophotography”, mais particularmente < http://www.rc-astro.com/photo/id1018_big.html > aqui. Porém, juntamente com ela há, no mesmo sítio, centenas de outras igualmente soberbas, portanto não se cinja à observação apenas dela. Se você está lendo estas mal traçadas com algum prazer é porque possivelmente aprecia o assunto. Neste caso, sugiro enfaticamente uma visita ao sítio de Croman. Depois de se deliciar com algumas fotos, clique no atalho “Slide Show”, aumente o som e prepare-se para alguns minutos de enlevo absoluto. Você precisará de uma conexão de alta taxa (que os que preferem termos mal traduzidos ao pé da letra do inglês chamam de “banda larga”), de alguma paciência e de instalar um programa auxiliar (que os mesmos do outro parênteses chamam de “plug-in”), o Photodex Presenter, que, presumo, é seguro: o excelente ESET não detectou nenhuma ameaça e eu o instalei em minha máquina de trabalho. Mas valerá a pena, garanto. Até a música, “Deep Spaces”, de Mark Mercury, foi composta especialmente para servir de fundo a apresentações deste tipo e combina maravilhosamente com as imagens. É puro deslumbramento. Eu recomendo.
Mas voltemos à Lua e a seus mares.
Aquilo que até hoje chamamos de “mares” da Lua são, na verdade, derrames de magma que se espalharam por vastas superfícies e se solidificaram formando imensas planícies. Ganharam o nome de “mares” porque os primeiros astrônomos, ao vislumbrarem, com seus telescópios toscos para os padrões atuais, superfícies planas de tamanha extensão, imaginaram que se tratava de oceanos. Mas não passam de vestígios de atividade tectônica ocorrida há mais de dois bilhões de anos.
Hoje não há mais vulcões na Lua. E o aspecto de sua superfície passou a ser moldado principalmente pelo impacto de corpos celestes que vêm com ela se chocando durante os últimos três bilhões de anos e cujos efeitos (as crateras lunares) permanecem imutáveis – exceto pela eventual ocorrência de outro impacto nas proximidades – devido à inexistência tanto de atividade tectônica quando de erosão (não há água ou vento para provoca-la).
Mas, atenção: me refiro ao aspecto de toda a crosta lunar, não apenas ao da face que a Lua nos mostra. Porque há um lado (ou hemisfério) que ela nos oculta.
É que, além de orbitar a Terra, a Lua também gira em torno de seu eixo. Já girou mais depressa quando era mais próxima da Terra e tinha alguma atividade vulcânica. Mas desacelerou. Hoje, executa um giro completo em torno de si mesma exatamente no mesmo período em que completa uma órbita em torno da terra. O resultado destas rotações síncronas é um fenômeno interessante: daqui da Terra vemos sempre o mesmo hemisfério da Lua. Que, como certas mulheres (e homens também, vá lá, para não me acusarem de machismo), tem uma face oculta.
Note que isto não significa que o lado que não vemos seja sempre escuro. Por mais que se queira, o “The dark side of the moon” não existe – exceto, naturalmente, pelo disco de mesmo nome de Pink Floyd, na minha opinião um dos dois únicos discos de roquenrrou que, não sendo dos Beatles, podem ser classificados como “música” e por isso fizeram jus a figurar em minha discoteca (antes que me perguntem: o outro é “A night at the opera” do Queen; e o assunto não está aberto a discussões no FPCs).
Nós não o vemos não porque seja escuro, mas meramente por uma questão de perspectiva, já que fica sempre “atrás” da Lua mesmo quando o Sol o ilumina. Um astronauta, por exemplo, vendo a Lua de outra perspectiva, poderia ver o outro lado iluminado quando ele estivesse de frente para o Sol.
A superfície da Terra
Já a formação da superfície da Terra foi diferente. Ela se agita até hoje em virtude da ocorrência de terremotos, vulcanismo e outros tantos eventos de natureza tectônica. Além de estar sujeita a constante ação erosiva.
A imensa massa do planeta preservou até hoje o calor em seu interior, que ainda é constituído de magma fundido circundando um núcleo de ferro também derretido (responsável pela formação do campo magnético do planeta, assunto que, sozinho, renderia outra série de colunas como esta), tudo isto cercado por uma espessa camada viscosa denominada manto que por sua vez é revestido por uma fina camada sólida denominada litosfera, recoberta pela crosta terrestre.
E quando digo que a camada efetivamente sólida que recobre a Terra é fina, não estou exagerando. É fina mesmo. E não é por outra razão que recebeu o nome de “crosta”.
Veja lá: como sabemos, o diâmetro da Terra é de quase treze mil quilômetros. Portanto, seu raio é pouco maior que seis mil e quinhentos quilômetros. Quase a distância em linha reta entre São Paulo e Miami, EUA. Pois bem: a espessura da crosta não passa de cinco a dez quilômetros sob os oceanos e de trinta a cinquenta quilômetros abaixo dos continentes.
Digamos que a espessura média seja 25 km, uma distância que cabe com sobras no perímetro urbano da própria São Paulo. Compare as duas distâncias e verá que a espessura da crosta é pouco menor que quatro milésimos (repetindo, para que não se pense que foi cometido algum erro de digitação: quatro milésimos) do raio terrestre. Da primeira vez que tomei conhecimento desta proporção, passei uns tempos pisando mansinho para não romper um treco tão fino.
Mas, felizmente, não é apenas a crosta que é sólida. Imediatamente abaixo dela há a litosfera, constituída principalmente de rochas, também sólida. E que, ufa!, tem cerca de duzentos quilômetros de espessura média. Que, somados aos 25 de espessura da crosta, faz com que, em média, a espessura total do revestimento sólido da esfera na qual vivemos perfaça cerca de três e meio porcento de seu diâmetro. E olhe lá.
Limitando a litosfera e separando-a do manto há a chamada “descontinuidade de Moho”, descoberta em 1909 e que ganhou este nome em homenagem ao cientista croata seu descobridor. Que não se chamava Moho, mas Mohorovičić, nome considerado complicado demais para batizar qualquer coisa que não o próprio Andrija – este era seu primeiro nome – e que por isso foi simplificado para apenas “Moho” (eu sei que parece brincadeira, mas < http://en.wikipedia.org/wiki/Mohorovi%C4%8Di%C4%87_discontinuity > é sério).
Abaixo da descontinuidade de Moho nada é sólido: o manto é de consistência plástica e, mais abaixo, o núcleo externo de magma e o interno, de ferro, são líquido em virtude das elevadas temperaturas.
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Figura 3: a Terra por dentro |
Quer dizer: a Terra é mais ou menos como uma bola de material líquido ou plástico viscoso revestida por uma camada sólida cuja espessura é de cerca de 3,5% do diâmetro da bola. Veja a espessura relativa das camadas na Figura 3. Moho não é uma camada, é apenas uma descontinuidade que separa a litosfera e o manto, por isso nada se vê ali. Mas a crosta é, de fato, uma camada. Repare em sua espessura (garanto que há, acima da litosfera, uma linha negra de espessura proporcional à da crosta; fui eu quem a desenhou e se porventura você não a vê é porque a resolução de seu monitor não permite) e compare-a com a das demais camadas. Some-a com a espessura da camada amarela, a litosfera, e veja como é fina a capa sólida que envolve nosso planeta. O equilíbrio das forças cósmicas tem que ser mesmo muito delicado para que esta coisa não se esborrache no espaço...
É claro que também a Terra sofreu impactos de corpos celestes. E, sendo tanto seu diâmetro quanto sua atração gravitacional maiores que os da Lua, o número e violência dos impactos que sofreu há de ter sido muito maior. Só não guardou suas marcas sob a forma de crateras, com a Lua, porque elas foram esmaecidas ou desapareceram em virtude de quase quatro bilhões de anos de movimentos tectônicos e erosão. Até o gigantesco impacto que causou a extinção dos grandes sauros e quase acabou com a vida das demais espécies, ocorrido há 65 milhões de anos, quase não deixou marcas e sabemos apenas que ocorreu na região do Golfo do México.
A luz da lua
A existência da Lua é primordial para a manutenção da vida na Terra. As razões disso serão discutidas em detalhes na próxima (e última) coluna da série. Mas não é só por razões, digamos, celestiais, que a existência da Lua nos afeta.
Há milênios que os mamíferos (como nós) dependem das noites enluaradas para sobreviver. Muitas espécies somente permanecem vivas porque seus olhos se adaptaram ao grau de luminosidade fornecido pela Lua, que ilumina as noites e, por isso mesmo, passaram a desenvolver atividades principalmente noturnas, pois mesmo na obscuridade conseguem ver as presas e não serem vistos pelos predadores.
Nós mesmos, os humanos, já dependemos da luz da Lua antes de nos habituarmos á iluminação artificial, quando há alguns milênios caçávamos e pescávamos à noite (a visão humana é suficientemente aguçada para permitir uma orientação elementar usando apenas a luz da Via Láctea e uma orientação perfeitamente satisfatória em noites de Lua Cheia; quem vive no interior ou acampa sabe disso e, agora, podemos compreender melhor porque a data da Páscoa foi escolhida para cair sempre próxima à de uma noite de Lua Cheia).
Ao longo dos séculos nós organizamos nossas vidas usando a Lua e suas fases como referência: quando caçar, quando colher e assim por diante. Por isso existem tantos calendários lunares. Acha estranho? Então pense: há quanto tempo o homem passou a usar a iluminação pública? E a iluminação artificial, mesmo no interior de suas habitações – ou cavernas - com luz de velas, tochas e similares? Desde quanto dominamos o fogo? E como era antes? (lembre: falamos aqui do período de algumas dezenas de milhares de anos em que nossa espécie se formou e evoluiu até tornar-se este estranho animal que somos hoje, não do número comparativamente pequeno das ridiculamente poucas centenas de anos em que se formou aquilo que chamamos de “civilização”).
E por mais difícil que seja, para nós, seres humanos, que hoje dificilmente conseguimos sobreviver sem energia elétrica para movimentar nossos brinquedos (você agora mesmo está olhando para um deles) e iluminar nossas noites, houve tempo em que não era assim. Naqueles dias toda a humanidade dependia apenas da luz da Lua para enxergar à noite.
Não parece verdade? Pois, quem sabe, olhando para a Figura 4 fique mais fácil de acreditar. Ela é uma foto obtida no blog de um cavalheiro vietnamita cujo nome não sei (está grafado em ideogramas) mas cujo endereço está < http://my.opera.com/mikelxuanneo/blog/ > aqui a seu dispor (e onde você poderá encontrar mais algumas fotos belíssimas e alguns comentários intrigantes – estes em inglês, naturalmente).
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Figura 4: Foto - Lua cheia |
Repare na foto.
Em uma noite assim, quem precisa de luz elétrica?
Até a próxima coluna.
B. Piropo
B.
Piropo