Como sabem os que acompanham essas colunas, na anterior examinamos a lista de cinco dos dez agraciados com a subida honraria de receber o Ig Nobel Prize 2009 e deixamos para esta o exame da relação dos cinco remanescentes. Para os de memória (muito) curta – e, sobretudo para os que não leram a coluna anterior e não estão dispostos a perder tempo com aquelas bobagens – convém lembrar que o prêmio é outorgado principalmente a cientistas e pesquisadores (portanto, a gente séria) que se destacaram por realizar pesquisas que “primeiro fazem as pessoas rirem, depois pensarem”. Que a escolha dos agalardoados é feita por uma comissão designada especialmente para este fim pela entidade que instituiu a premiação, a “Improbable Research”. E que a entrega é feita em concorridíssima cerimônia no Sander´s Theatre da Universidade de Harvard onde comparecem ou os agraciados ou um representante por eles enviado especialmente para isso. E, respondendo à dúvida do Phiron expressa em comentário à coluna anterior onde diz que gostaria de saber como os agraciados se sentem ao receberem o prêmio: sentem-se muito bem, obrigado. E para comprovar basta uma consulta às páginas que relatam as cerimônias de entrega, < http://improbable.com/ig/past-highlights.html > “Previous Years' Highlights”, onde se pode observar as fotos de alguns agraciados recebendo seus prêmios com garbo, alegria e incontido orgulho.
Aliás, deve-se salientar que quase sempre os agraciados comparecem pessoalmente para receber o laurel. Por exemplo: na cerimônia de entrega do Ig Nobel 2009, sete dos dez prêmios foram passados diretamente às mãos de pelo menos um dos pesquisadores, que representava seus colegas (muitos dos prêmios são conquistados por grupos de pesquisadores ou por instituições inteiras), o que pode ser verificado < http://improbable.com/ig/winners/ > na lista original dos ganhadores do ano passado. Que comparecem à cerimônia, recebem seu prêmio cercados de toda a pompa e circunstância e encaram a premiação, se não como subida honra, pelo menos com intenso bom humor. Que, segundo meu juízo, deve ser um ingrediente indispensável a toda atividade humana, incluindo pesquisas científicas e trabalhos acadêmicos e excluindo apenas atividades como guerra, tortura, atentados terroristas e deformidades congêneres.
E, antes que o entusiasmo com que o resultado de algumas pesquisas merecedoras do prêmio Ig Nobel vêm sendo discutidos na seção de comentários à coluna anterior leve seus participantes às vias de fato literárias, convém lembrar que o prêmio é concedido porque o tema da pesquisa é considerado bizarro – sendo “bizarro” um adjetivo bastante suave para classificar o espírito do prêmio. E, já que falamos em adjetivos, por mais que eu dê tratos à imaginação, não consigo encontrar um para classificar discussões sérias sobre resultados de pesquisas bizarras. Por favor, senhores, moderem o entusiasmo ou correm o risco de serem agraciados por um prêmio de natureza semelhante.
O que, por sinal, não seria má idéia.
Que tal instituir, aqui mesmo no FPCs, um prêmio para agraciar o autor do comentário, digamos, mais estúrdio às colunas aqui publicadas? Não somente às minhas, naturalmente, mas a todas (se bem que as minhas parecem ter uma qualidade qualquer que atrai este tipo de comentário). Sugiro: primeiro, uma consulta ao dicionário para descobrir o significado de “estúrdio”; depois, aos que cumprirem a primeira etapa exitosamente e estiverem de acordo, sugestões para o nome com o qual batizaremos o prêmio (tem que ser algo pelo menos tão imaginativo e criativo como “Ig Nobel” e “Darwin”, mas seria de bom tom evitar nomes de políticos, senadores, compradores de panetones e demais detentores de cargos públicos, inclusive presidentes da república daqui ou d’alhures, particularmente de países de língua espanhola situados a noroeste do Brasil e cujo nome não devo declinar porque há um leitor que não gosta que eu o faça mas que começa com “Ch” e termina com “avez” e que seria um candidato imbatível a patrocinar o prêmio depois de sua declaração pública sugerindo que o terremoto que recentemente assolou o Haiti foi o resultado do teste de uma arma secreta americana de destruição em massa); e finalmente, acordados em relação ao nome da honraria, a nomeação dos demais membros de uma comissão julgadora – da qual, definitivamente, não posso deixar de não fazer parte – presidida pelo Paulo Couto e secretariada pelo Flávio Xandó, para escolher um conjunto de, digamos, vinte finalistas, comentários pré-selecionados que seriam democraticamente expostos à execração, digo, ao escrutínio de todos os membros do Fórum que, então, votariam livremente naquele que, a seu juízo, fosse o mais esquipático (para poupar outra corrida ao dicionário: “esquipático” é sinônimo de “estúrdio”). O vencedor seria agraciado com o prêmio.
Mas deixemos de parlapatices e vamos ao que interessa: o restante da lista de agraciados com o Ig Nobel 2009.
O Ig Nobel de Medicina 2009 recompensou, merecidamente, o trabalho de toda uma vida. Foi outorgado a Donald Unger, de Thousand Oaks, Califórnia, EUA, pela publicação dos resultados de sua pesquisa intitulada "Does Knuckle Cracking Lead to Arthritis of the Fingers?" (“Estalar os dedos das mãos provoca artrite?”), que pode ser consultada na íntegra < http://www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/86510619/PDFSTART?CRETRY=1&SRETRY=0 > aqui. O texto abaixo foi transcrito ipsis literis da introdução do referido trabalho:
“During the author’s childhood, various renowned authorities (his mother, several aunts, and, later, his mother-in law [personal communication]) informed him that cracking his knuckles would lead to arthritis of the fingers. To test the accuracy of this hypothesis, the following study was undertaken”.
Cuja tradução resulta em:
“Durante a infância do autor, várias autoridades de renome (sua mãe, tias diversas, e, mais tarde, sua sogra [comunicação pessoal]) asseguraram-lhe que estalar seus dedos levaria a artrite dos dedos. O presente estudo foi realizado para testar a veracidade desta hipótese".
O estudo do Dr. Unger (seria ele aparentado com nosso ex-ministro do futuro? Pelo teor da pesquisa, parece...) foi levado a cabo durante meio século de exaustivas e acuradas pesquisas. Segundo seu relato, durante este período o pesquisador estalou regularmente todos os dedos de sua mão esquerda duas vezes ao dia, jamais estalando intencionalmente os da direita. Ao final do período da pesquisa (meio século!) o cientista havia estalado 36.500 vezes (dados da pesquisa) os dedos de uma das mãos enquanto os da outra “eram estalados rara e espontaneamente”. E, ao efetuar a comparação de suas duas mãos em busca de sinais de artrite concluiu que “não havia artrite em nenhuma das mãos nem qualquer diferença aparente entre elas”.
Dr. Unger compareceu pessoalmente para receber seu prêmio e o fez com ambas as mãos, nenhuma delas apresentando qualquer sinal de artrite.
Nada consta a respeito nos anais da Improbable Research, mas presumo que tenha rolado alguma discussão durante a atribuição do prêmio outorgado ao Dr. Unger e aquele angariado pela trio de cientistas Katherine K. Whitcome (Universidade de Cincinnati, Ohio, EUA), Daniel E. Lieberman (Universidade de Harvard, Cambridge, MA, EUA) e Liza J. Shapiro (Universidade do Texas, Austin, EUA; o que leva a uma interrogação adicional: como pesquisadores de instituições situadas tão longe uma da outra foram capazes de se unir para pesquisar assunto tão estapafúrdio). Isto porque ambos os temas poderiam ser incluídos no campo da Medicina e, neste caso, a disputa seria realmente acirrada. Mas a douta comissão houve por bem classificar a pesquisa de Whitcome et. al. no campo da física, dirimindo assim qualquer dúvida e concedendo os louros a quem os merece de fato e de direito. Desta forma o Ig Nobel de Física 2009, entregue pessoalmente a dois de seus laureados (Drs. Whitcome e Lieberman) foi ganho com indiscutível merecimento pela pesquisa intitulada “Fetal Load and the Evolution of Lumbar Lordosis in Bipedal Hominins” (A carga fetal e a evolução de lordose lombar em bípedes humanos), cujo resumo pode ser consultado < http://www.nature.com/nature/journal/v450/n7172/abs/nature06342.html > aqui que, em essência, apresentou uma comprovação analítica justificando física e cabalmente um fato que, pensando bem, é realmente intrigante: por que as mulheres grávidas não tombam para a frente?
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Figura 1: entrega do Ig Nobel de Saúde Pública |
Ainda na área das ciências naturais, mais especificamente no campo da Saúde Pública, há que destacar o merecido laurel concedido ao trio de inventores Elena N. Bodnar, Raphael C. Lee e Sandra Marijan, de Chicago, Illinois, EUA, por seu invento patenteado sob nr #7255627 no escritório de patentes daquele país, denominado “Garment Device Convertible to One or More Facemasks” (Peça de vestuário conversível em uma ou mais máscaras faciais). O prêmio foi recebido diretamente por uma das agraciadas, Elena Bodnar, que aparece na foto da Figura 1 (foto de Alexey Eliseev obtida no sítio da Improbable Research e tirada durante a cerimônia de entrega do prêmio) orgulhosamente exibindo sua invenção, ladeada por dois cavalheiros que demonstram o uso alternativo da peça de vestuário. Trata-se de um sutiã que, em caso de emergência, pode ser rapidamente convertido em um par de máscaras contra gases, segundo os inventores, “uma para ser usada pela pessoa que veste a peça, outra para seu acompanhante”.
Um exame acurado da foto parece revelar que além da peça de vestuário que tem nas mãos, a Dra. Bodnar parece envergar outra, similar, por baixo de sua elegante blusa de veludo.
Chegamos enfim aos dois últimos lauréis de nossa lista.
O penúltimo, particularmente, o Ig Nobel da Paz, me levou a cogitar sobre que abstrusas razões levam um respeitável cientista – neste caso particular, cinco respeitáveis cientistas – a dedicar tanto tempo e energia, sem falar nas inevitáveis dores de cabeça, para pesquisar um tema tão despropositado. O que estaria passando pela cabeça do indivíduo quando teve a idéia de efetuar sua pesquisa? Que argumentos usou para convencer seus parceiros a dela participarem? E, sobretudo, onde teria conseguido voluntários para os inevitáveis testes?
Tudo isso me veio à mente quando tomei conhecimento que os agalardoados com o Prêmio Ig Nobel da Paz, uma equipe formada pelos doutores Stephan Bolliger, Steffen Ross, Lars Oesterhelweg, Michael Thali e Beat Kneubuehl, todos da Universidade de Berna, Suiça, mereceram o prêmio em virtude do trabalho publicado no Journal of Forensic and Legal Medicine, vol. 16, no. 3, de Abril 2009, denominado “Are Full or Empty Beer Bottles Sturdier and Does Their Fracture-Threshold Suffice to Break the Human Skull?” cujo resumo pode ser consultado < CLIQUE AQUI > aqui.
O trabalho, como indica o título, resolve uma importante questão. Como se sabe, garrafas de cerveja (mais especificamente “standard half-litre beer bottles” – garrafas comuns de cerveja de meio litro) são frequentemente usadas como armas em brigas de bar, geralmente visando a cabeça dos adversários. E, como sabiamente afirmam os pesquisadores na justificativa do trabalho, “quando as garrafas quebram, podem produzir cortes; entretanto, quando não quebram, podem gerar fortes contusões”. Em suma – e este foi efetivamente o alvo da pesquisa: na contingência de ser atingido na cabeça por uma garrafa de cerveja, seria preferível para a vítima que a mesma estivesse cheia ou vazia? E, em ambas as circunstâncias, teriam os golpes, se desfechados com a devida força, energia suficiente para fraturar o crânio do indivíduo submetido à pesquisa, digo, da vítima?
Dr. Stephan, um competente patologista, concluiu que sim: tanto garrafas cheias como vazias possuem rigidez suficiente para provocar uma fratura no crânio. Porém concluiu igualmente que, se lhe for dado escolher a garrafa com que virá a ser golpeada, deve a vítima – surpreendentemente – dar preferência à garrafa cheia, visto que esta, provavelmente em virtude da pressão do gás em seu interior, quebra-se mais facilmente, infringindo portanto ferimentos menores. Para ser exato, garrafas vazias exigem uma energia de impacto de 40 Joules para se quebrarem quando atingem uma cabeça humana, enquanto garrafas cheias quebram-se quando submetidas a uma energia de impacto de apenas 30 Joules.
Portanto, se um dia você for ameaçado por um celerado que tenha nas mãos uma garrafa de cerveja, procure verificar se ela está cheia ou vazia. Se estiver vazia, peça licença ao agressor e ofereça educadamente a troca por uma cheia. Não somente, caso ele insista em levar adiante seu intento, os ferimentos serão menores como também, quem sabe, de posse de uma garrafa cheia (sobretudo se bem gelada) ele desista do embate e se dedique a saborear o conteúdo da garrafa?
A meu ver a única falha da pesquisa consiste no fato dela não haver avaliado qual seria a maior probabilidade: a de ser usada uma garrafa cheia ou vazia como arma em uma briga de bar. Tenho caco migo uma teoria pessoal que indica ser mais provável que o agressor se utilize justamente da arma mais perigosa, ou seja, da garrafa vazia. E a razão é simples: enquanto as garrafas de cerveja permanecem cheias, raramente os ânimos se acirram a ponto de se estabelecer uma dissensão. É justamente depois que algumas delas são esvaziadas e seu conteúdo irriga os espíritos dos contendores que a probabilidade de eclodir uma disputa aumenta. Mas fica aqui a sugestão para uma futura pesquisa, que desde já posso garantir vir a ser uma séria candidata na disputa do Ig Nobel 2010.
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Figura 2: Entrega do Ig Nobel de Química |
Finalmente, o último dos laureados. Para ser exato, os três últimos, Drs. Javier Morales, Miguel Apátiga (que aparecem na Figura 2, obtida também no sítio da Improbable Research, respectivamente de paletó claro e paletó escuro enquanto recebiam seu laurel) e Victor M. Castaño, da Universidade Nacional Autônoma do México. E aqui cabe bem o adjetivo “último”, posto que como logo veremos tenho sérias objeções à concessão do prêmio. Trata-se do Ig Nobel de Química.
O trabalho que lhes garantiu a duvidosa honraria e que pode ser consultado na íntegra, em formato PDF, < http://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/0806/0806.1485.pdf > “Growth of Diamond Films from Tequila”, explica como obter, empregando a técnica PLI-CDV (Injeção Pulsante de Líquido – Deposição de Vapor Químico) em silício e aço inoxidável 304 à temperatura de 850 graus Centígrados, uma película de cristais esféricos de diamante usando Tequilla como precursor.
O trabalho em si, a meu ver, tem seu mérito. Afinal, os pesquisadores conseguiram gerar uma película de diamante, o que não se pode considerar uma façanha desprezível. Mas ainda assim tomo a liberdade de levantar sérias objeções, objeções estas que serão perfeitamente compreensíveis para qualquer um que tenha visitado o território Mexicano ou provado, nele ou fora dele, o líquido usado pelos laureados como precursor de sua reação.
Isso é lá uso que se dê a uma boa Tequilla? Desperdiçá-la para fazer diamantes?
Francamente...
B.
Piropo