Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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21/09/2009

< Assim a HP volta para a garagem... >


O Intel Developer Forum (IDF) de San Francisco, CA, EUA, é um evento levado a termo anualmente pela Intel para discutir os rumos da indústria de processadores e seus planos para os anos vindouros. O deste ano, ainda em andamento, reuniu cerca de quatro mil participantes incluindo não apenas desenvolvedores como também membros da indústria e da imprensa de todo o mundo. Há hoje por aqui literalmente centenas de jornalistas dos principais veículos da imprensa especializada dos cinco continentes. A sala de imprensa, onde cabem pelo menos dois campos de basquete, mais parece uma babel. Um evento que oferece uma oportunidade excepcional para efetuar lançamentos de produtos.

O IDF é patrocinado pela Intel, naturalmente. Mas há indústrias que colaboram. Entre elas, o evento deste ano conta com a HP na categoria de “Gold Sponsor”. E um Gold Sponsor tem seus privilégios. Dentre eles o de convocar a imprensa presente ao evento para anunciar o lançamento de um novo produto. E foi justamente isso que a HP fez: convidou, com uma antecedência de semanas e solicitando confirmação, os membros da imprensa inscritos no IDF 2009 para um café da manhã no dia de abertura do evento. A minha presença foi confirmada há pelo menos três semanas e eu lá estava, ansioso. Pois, dadas as circunstâncias, esperava-se, naturalmente, um anúncio retumbante.

Mas lançamento de que? Considerando se tratar da HP, esperava-se algo na categoria de “hardware”. Provavelmente nos ramos “impressoras”, “multifuncionais” ou “computadores”. Dificilmente alguém esperaria alguma novidade no campo do “software”, exceto talvez aqueles que se referissem aos programas que acompanham os produtos HP e cuja função se limita a facilitar e complementar seu uso, como utilitários para captura e gerenciamento de imagens, auxiliares de impressão e coisas que tais.

Pois não foi nada disso. Tratava-se do “SkyRoom”, um software comercial da HP que nada tem a ver com seu hardware. E que foi “lançado” (vocês logo entenderão as aspas) com toda a pompa e circunstância por Jeffrey D. Wood, diretor da Global Business Unit de Workstations da HP em uma concorrida coletiva de imprensa dirigida aos jornalistas que compareceram ao IDF e tiveram a pachorra de acordar as sete da matina para comparecer ao lançamento realizado durante um café da manhã servido no dia 22 de setembro de 2009.

Não é pouca coisa...

Figura 1: Jeff Wood, da HP, no lançamento do SkyRoom.

Mas o que faz este produto, tão especial a ponto de merecer tal destaque?

Bem, segundo a nota distribuída no lançamento, o software – que roda em Windows XP, Vista ou Seven – serve para promover videoconferências com até quatro participantes usando a Internet como meio de comunicação. Ainda segundo Mr. Wood (e a nota), tratando-se de um lançamento oficial, a partir daquele momento o produto estaria disponível no sítio da HP para compra por US$ 149 a licença individual. E posso estar enganado, mas tive a nítida impressão (confirmada por outros jornalistas que também estiveram presentes ao lançamento) que também foi dito que no mesmo sítio se poderia transferir (“baixar”) uma cópia de teste (“trial”) com validade de noventa dias para que se pudesse conhecer o produto antes de comprá-lo.

Basicamente, é isso aí.

Em resumo: a HP promoveu um retumbante lançamento de um produto que será vendido a um preço definitivamente não desprezível para fazer, essencialmente, a mesma coisa que outros programas oferecidos pela concorrência fazem de graça: teleconferência usando a Internet como suporte.

Parece pegadinha, pois não?

Parece mesmo. Tanto que foi justamente esse o ponto inicial de minha conversa com Gladys Alegre-Kimura, a jovem Gerente de Produto da HP para o SkyRoom. Com base em que fatores a HP presume que as pessoas estariam dispostas a pagar (caro...) por algo que podem obter graciosamente em outras fontes?

A resposta, segundo ela, se resume a uma palavra: qualidade.

Segundo Gladys, a tecnologia usada para desenvolver o produto garante que, mesmo com uma conexão de Internet não muito rápida (segundo a HP, a taxa mínima exigida para uma teleconferência com dois participantes é de 400 Kb/s), a qualidade da transmissão rivalizaria com a obtida nas chamadas “salas de telepresença” usadas pelas grandes corporações com custos muitíssimo mais elevados.

Isto porque, conforme a nota distribuída à imprensa, o programa foi desenvolvido usando intensivamente o processamento paralelo proporcionado pelos novos processadores multinucleares (um Core 2 Duo de 2,33GHz é o mínimo exigido para rodar o programa). Até o mecanismo de vídeo (“video engine”) faz uso da tecnologia denominada “multithread” que permite a execução simultânea e independente de diferentes rotinas. Além disso, e ainda segundo a nota, os algoritmos de transmissão de vídeo foram desenvolvidos de tal forma que o tráfego de informações entre as máquinas se resume apenas aos trechos da tela que foram modificados. Por exemplo: quando a transmissão envolve apenas uma conversa entre os participantes, nem o fundo do quadro nem as partes do rosto e corpo que não se movimentaram com a fala serão transmitidos, já que não foram alterados. Também o algoritmo de compressão de dados – cujo desenvolvimento no HP Labs, o laboratório de pesquisas da empresa, levou três anos de pesquisas – é um dos mais eficientes atualmente disponíveis. Tanto que, ainda segundo a HP, alguns de seus elementos foram usados pela NASA para enviar à Terra imagens obtidas no planeta Marte.

Veja na Figura 2 (obtida no sítio da HP) uma situação típica de apresentação e discussão de trabalho via teleconferência usando o SkyRoom. Do lado direito da tela as imagens dos dois participantes e, do lado esquerdo, a janela que mostra uma instância do programa de animações Flash, da Adobe, com sua linha do tempo, painéis e imagem da animação. Esta imagem é dinâmica, ou seja, ela é exibida em ambos os micros em tempo real. O que permite que o desenvolvedor faça alterações na animação baseado em comentários do usuário remoto e teste o resultado, que é assistido por ambos, tudo isto em tempo real (mas não permite que o usuário remoto tenha controle sobre o programa que está sendo executado na máquina local, ou seja, ele pode dar palpites mas não pode “meter a mão na massa” atuando diretamente sobre o programa).

Figura 2: O SkyRoom em ação.

Basicamente o SkyRoom é isso. Como se vê, do ponto de vista de recursos, definitivamente não é um produto revolucionário. É um programa gerenciador de teleconferências sem nada de excepcional.

E a qualidade seria mesmo assim tão superior a ponto de justificar tanta confiança da HP em seu sucesso comercial com um preço tão salgado?

Bem, minha opinião é baseada no que vi. E eu apenas assisti a demonstração exibida durante o lançamento do produto e participei de uma teleconferência no estande da HP montado na feira de produtos do IDF2009. O resultado, de fato, impressiona bem. A imagem é nítida, sem saltos nem pausas, o som é claro e pode-se manter uma conversação como se os participantes estivessem em frente um do outro. Quando se compartilha a Área de Trabalho e se promove uma transmissão de vídeo, a qualidade da imagem é muito boa. Portanto, e com base nisso, em termos de qualidade não há mesmo o que reclamar.

Por outro lado, não se pode ignorar que, em ambas as ocasiões, as demonstrações foram feitas em um sistema montado pela própria HP, provavelmente otimizado usando uma conexão internet rapidíssima e em equipamento da melhor qualidade. Será que no micro da casa do usuário a qualidade seria a mesma?

Afinal, não é nada não é nada, para promover uma simples teleconferência com dois participantes será preciso desembolsar quase trezentos dólares americanos (o custo de duas licenças, uma para cada máquina), sem contar o equipamento de som e vídeo (que, se o usuário não tiver, a HP oferece por módicos US$ 119 por máquina, vejam vocês...)

Bem, pelo menos, segundo eu entendi, o produto estaria disponível gratuitamente para testes. Para elucidar a dúvida e ter certeza que o produto não fará feio em nossa máquina bastaria baixar uma cópia de teste de validade limitada e experimentar, pois não?

Pois não.

Não mesmo.

Clique e amplie...

Figura 3: Página do SkyRoom na Internet capturada em 24/09/09
às 11 h (horário Brasília).

A Figura 3 mostra a página onde, segundo a nota distribuída à imprensa pela própria HP, < www.hp.com/go/hpskyroom > o SkyRoom poderia ser comprado por US$ 149 a licença individual. A imagem foi capturada da própria página oficial da HP no dia 24/09/2009 às 11:00h horário de Brasília (sete da matina em San Francisco, vejam vocês o sacrifício que um pobre colunista tem que fazer para mantê-los informados), portanto dois dias depois do “lançamento” oficial realizado diretor da Global Business Unit de Workstations da HP.

Veja que consta como preço mínimo (“starting at”) a quantia de US$ 720 por cinco licenças. Nas duas primeiras opções, que correspondem à compra de licenças individuais, há apenas um atalho (“link”) para “buiyng options”, que eu imaginei que levasse à página de onde poderia ser baixada a versão de teste. Ledo engano: leva a uma página onde consta que “The product you selected is not available in HP's online store” (o produto que você selecionou não está disponível na loja virtual da HP).

A versão de teste? Não está nem estará disponível. Pelo menos para o público em geral e jamais via Internet. Segundo a nota da HP ela somente virá pré-instalada em alguns micros da linha HP. Ou seja, será mais um daqueles muitos softwares que tomam espaço no disco rígido de um micro novo, onde são instalados pelo fabricante sem pedir licença ao usuário e que na maior parte das vezes só servem para isso mesmo: ocupar espaço em disco e dar trabalho para removê-los, pois são todos uma arapuca com validade limitada e que, caso se pretenda realmente usar, haverá que pagar uma licença. Em minha opinião isso não passa de um meio duvidoso de “empurrar” programas para os incautos e a primeira coisa que faço quando compro um micro portátil novo (os de mesa eu mesmo monto e portanto o disco rígido vem isento de porcarias) é removê-los todos. O que a HP de fato oferece (pelo menos segundo a nota, a mesma que diz que o produto estaria disponível desde 22/09) é o produto instalado (e, neste caso, sem prazo de validade) em quatro modelos de seus micros de mesa, as estações de trabalho HP Z800, Z600, Z400 e xw4600. E isto é tudo.

Em suma: o produto lançado ainda não está disponível e a versão de teste jamais estará, exceto se vier pré-instalada em alguns poucos modelos de micros da HP.

E o que  tem a HP a dizer sobre isso?

Bem, voltei ao estande da HP para saber o que estava acontecendo. Informaram-me que eu receberia uma nota de um PR (relações públicas) da empresa sobre o assunto. De fato, ontem, recebi uma mensagem assinada por Amy Reardon, pela HP, informando entre outras coisas que:

“The HP SkyRoom software is indeed supposed to be available online… I have learned that there is a problem with the website and it is only allowing 5+ user license purchases of HP SkyRoom, and it is not allowing the purchase of a single license for $149. HP is definitely selling the single user version for $149, but the website has a technical problem at the moment, and HP’s web team is working urgently to fix it. This should be resolved shortly” (O programa HP SkyRoom de fato deveria estar disponível online. Eu soube que houve um problema no sítio da HP que apenas está permitindo a compra de cinco ou mais licenças do HP SkyRoom e não permite comprar uma única licença por US$ 149. HP está definitivamente vendendo a versão individual por US$ 149, mas no momento o sítio apresenta um problema técnico e a equipe da HP na Internet está trabalhando urgentemente para resolvê-lo. Isto deve ser resolvido rapidamente).

Problema técnico? No sítio da HP? Um problema que não permite incluir duas opções de compra em uma tabela que, de resto, já está pronta? Pelo pouco que entendo de programação para Internet, um desenvolvedor medíocre resolve um negócio desses em cinco minutos com o pé nas costas. E até o momento em que estas mal traçadas estão sendo redigidas, o “problema técnico” ainda não foi resolvido. Estranho, nénão?

Sobre a versão de teste, prossegue Amy Reardon:

 “The only try-and-buy offer for HP SkyRoom software will be available on upcoming select premium business desktops and notebooks from HP. These will feature a 90-day trial, after which the HP SkyRoom software will expire, and the customer has the option to purchase HP SkyRoom for $149” (as únicas ofertas de versões de teste estarão disponíveis em alguns modelos “premium” de micros de mesa e portáteis da HP. Elas poderão ser usadas por 90 dias, depois dos quais o HP SkyRoom perderá a validade e o usuário terá a opção de adquiri-lo por US$ 149).

Quer dizer: se você gastar uma nota preta comprando um micro da HP e ele vier com a versão de teste instalada, caso pretenda continuar a usá-la terá o duvidoso privilégio de pagar o mesmo preço que qualquer outro freguês pela licença. O fato de já ser cliente da empresa e ter comprado um micro de sua fabricação não lhe dará direito nem a um mísero desconto.

Sabe < http://www.hp.com/hpinfo/abouthp/histnfacts/garage/ > aquela garagem onde nasceu a HP? Consta que a empresa a mantém preservada como local histórico.

É bom que preservem mesmo. Porque se continuar vendendo tinta de impressora mais caro que perfume francês e anunciando o lançamento de produtos sem pô-los no mercado, vai acabar voltando para ela...

 

B. Piropo