Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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10/08/2009

< Nova Estrutura da Marca Intel VI: Enfim a Core >


Na coluna anterior fizemos uma rápida revisão dos membros da família de processadores Intel que adotaram a arquitetura Netburst, os Pentium 4, Xeon (o modelo lançado em 2001 usando a revisão ou subarquitetura denominada Foster, comercializado até 2006), o Pentium D (um modelo de dois núcleos, ambos adotando a revisão Prescott da arquitetura Netburst), e o Celeron D (um modelo revisto e piorado do Pentium 4 com cache menor para micros de mesa de baixo custo). Todos estes modelos compartilharam o mercado com os Pentium M e Celeron M, baseados em revisões atualizadas da arquitetura P6, mais antiga porém menos devoradora de potência, para uso nos computadores móveis.

Apesar da aparente confusão, e como diria o cavalheiro caindo do vigésimo andar ao passar pelo terceiro, até aqui tudo bem. Quem queria um processador para equipar um poderoso servidor, comprava um Xeon. Quem queria equipar um micro de mesa também poderoso, ficava com o Pentium 4. Mais poderoso? Então leve um Pentium D ou Extreme (uma designação do membro mais rápido da família). Mais barato? Pois fique com o Celeron D. E para os portáteis havia os Pentium M, mais caros, e os Celeron M, para os bolsos menos cheios, porém com menor capacidade de processamento – estes dois últimos aderindo aos padrões da plataforma Centrino (para quem não lembra o que é “plataforma” ou sua diferença em relação a “arquitetura”, sugiro uma visita á primeira coluna desta série). Como se vê, não obstante a convivência de diferentes arquiteturas no mercado, as marcas mantinham um mínimo de coerência que permitia ao usuário se orientar.

Então veio o conceito “core” e mudou tudo.

Mas o que é “core”? Uma arquitetura ou um modelo? Ou seria uma marca?

Bem, Bem, antes de tudo, a partir de 2006 “core” foi uma palavra de ordem que foi usada para batizar uma plataforma, tornar-se marca e desdobrar-se em modelos. Destrinchemos.
O vocábulo, que em inglês significa “centro”, “coração” e, naquilo que no diz respeito, “núcleo”, começou a ser empregado para designar uma arquitetura, esta sim desenvolvida desde o início para comportar microprocessadores de múltiplos núcleos capazes de se comunicar, funcionar harmonicamente e compartilhar recursos. Um conceito prenhe daquilo que se chama “apelo de mercado”. Então veio a “tchurma do marquetíngue” e melou tudo. O resultado é que, além da arquitetura Core, existe uma família de processadores Intel que usa a marca Core mas que não é baseada na arquitetura Core (a linha Intel Core derivada do Pentium M que adotava a revisão Yonah da arquitetura P6), existem processadores de um único núcleo que também adotam a marca Core mas não a arquitetura Core (o Core Solo, que na verdade é um desses últimos, porém com um núcleo desabilitado) e existem processadores de dois núcleos da Intel também chamados de “dual core” que não usam a marca nem a arquitetura Core (por exemplo o Pentium D).

Ficou confuso?

Pudera...

Eu mesmo tive que reescrever o parágrafo acima pelo menos cinco vezes e até agora tenho que lê-lo devagar para conseguir entendê-lo...

Mas vamos tentar pôr um mínimo de ordem nesse caos. Começando pelas razões que levaram a ele.

Lá pelos idos de 2005 a Intel encarava um dilema sério. A concorrente AMD, com seus processadores rápidos e de baixo consumo de potência, começava a abocanhar fatias cada vez mais significativas do mercado. A então mais recente arquitetura Intel, a Netburst, graças à sua voracidade energética justamente em uma época em que os micros portáteis que já representavam quase metade do mercado exigiam baixo consumo, não chegou a ser um fiasco mas passou perto. A ponto de forçar a Intel, pela primeira vez em sua história, a ressuscitar uma arquitetura velha de dez anos, a P6, para aperfeiçoá-la (revisão Yonah) e usá-la em seus novos processadores para micros portáteis.

E, pior: o simples aumento da frequência de operação, a forma pela qual até então a Intel vinha enfrentando o incessante anseio do mercado por maior capacidade de processamento, dava sinais de haver chegado ao limite.

Explicando: até então, toda a vez que se precisava de maior rapidez de processamento, recorria-se à força bruta, ou seja, ao aumento da frequência de operação (número de ciclos por unidade de tempo do relógio interno do processador). Ocorre que quanto mais se aumenta esta frequência, maior o consumo de energia, o que implica maior dissipação de calor. Resumindo: “rodar” mais depressa esquenta mais. Problema que, nos tempos de antanho (ou na era do 386, quando a frequência de operação girava em torno dos 30MHz a 40 MHz) foi solucionado com um dissipador de calor passivo (uma peça metálica com aletas acoplada ao encapsulamento do processador). Depois, com os 486 (que chegavam aos 120 MHz), foi necessário transformá-lo em ativo instalando uma ventoinha sobre ele (o que a Intel fez relutantemente). E, finalmente, nos dias de hoje, chegamos aos monumentais sistemas de arrefecimento encarapitados sobre o processador (há quem os use refrigerados a água e, nos casos extremos de “overclocking”, a nitrogênio líquido), a maior peça existente no interior de um micro de mesa (não lhe parece irônico que nos tempos de hoje, a miniaturização dos componentes e periféricos chegou a tal nível que o maior objeto que se encontra no interior do gabinete de um computador de mesa é um acessório absolutamente secundário, o dissipador de calor – ou “cooler” – da UCP?).

Mas esta não foi a única forma de tentar minimizar o aumento da temperatura. Duas outras providências poderiam ser – e foram – tomadas. Como, além de ser diretamente proporcional à frequência de operação, a dissipação de potência também o é da tensão e da resistência elétrica do meio em que a corrente se propaga – ou seja, do interior do próprio processador – a Intel vem reduzindo ambas estas grandezas ao longo do tempo. Assim, enquanto um 8086 era alimentado com uma tensão de 5 Volts e gravado sobre uma camada de silício de 3 micra de espessura, o mais rápido dos Pentium 4 (o Extreme Edition) usava uma tensão de alimentação quase cinco vezes menor (1,2V) e uma camada de silício 33 vezes mais fina (0,09 micron ou 90 nanômetros). Não obstante, enquanto o humilde 8086 consumia no máximo 1,28 Watts, o Pentium Extreme Edition chegava a consumir (e dissipar o calor correspondente a) 130 Watts. Um aumento superior a duas ordens de grandeza...

O problema é que tanto um quanto outro recurso (reduzir tensão e afinar a camada de silício) estavam próximos de seu limite, ambos por razões insuperáveis (uma tensão muito abaixo do patamar de 1 Volt não conseguiria vencer a resistência interna dos componentes do microprocessador e uma espessura muito inferior aos 35 nm, o limite atual, acabará esbarrando no tamanho físico de algumas moléculas). Acredita-se que 4 GHz seria o limite superior extremo da frequência de operação de um processador funcionando em condições operacionais normais (ou seja, sem “overclocking”). E o Pentium 4 operava a 3,8 GHz.

Portanto algo havia que mudar. E a mudança teria que ser radical.

Pois muito bem. Talvez você lembre os problemas de matemática do primeiro grau do tipo: “se, só com seu sorriso, uma Mariana Ximenes consegue destroçar mil corações masculinos em quatro segundos, quantas Mariana Ximenes serão necessárias para destroçar um milhão de corações masculinos em dois segundos?” (os enunciados dos problemas que você resolveu no primeiro grau poderiam, talvez, ser um pouco diferentes, mas você pegou o espírito da coisa, pois não?).

A idéia é simples: se não se pode acelerar a tarefa aumentando a rapidez com que ela é desempenhada por um elemento, pode-se tentar fazê-lo aumentando o número de elementos nela empenhados. Pois essa é a ideia básica dos processadores multinucleares. E foi para materializá-la que a Intel concebeu a arquitetura Core: se não dava para fazer com que um único núcleo cumprisse sua missão de processar dados mais depressa, então agreguemos mais núcleos e dividamos a missão entre eles (os processadores comerciais hoje com maior número de núcleos disponíveis no mercado são os “Quad”, de quatro núcleos, mas espera-se chegar a 16 e até mesmo 32 no futuro próximo).

É claro que se poderia fazer algo semelhante sem aumentar o número de núcleos de um processador. Bastaria aumentar o número de processadores em uma placa-mãe. O que, efetivamente, funciona (sistemas assim existem e são denominados multiprocessados). Mas do ponto de vista econômico, não seria tão eficiente. Se bem que foi algo muito parecido com isso que a Intel fez nos seus primeiros processadores de núcleo duplo, como o Pentium D e, mais tarde, na primeira geração da marca (atenção: da marca, não da arquitetura) Core, os pioneiros Core Duo. Os Pentium D eram, como já vimos na coluna anterior, processadores com dois núcleos independentes no interior de um mesmo encapsulamento, ambos usando a revisão Prescott da arquitetura Netburst. E os Core Duo eram basicamente a mesma coisa, porém com núcleos que usavam a revisão Yonah da arquitetura P6, a mesma adotada nos Pentium M.

Pois foi assim que nasceu a arquitetura Core (que, quando ainda na fase de projeto, era conhecida por iNGMA ou “Intel Next-Generation Micro-Architecture”) nos idos de 2006.
Talvez a palavra “nasceu” tenha sido mal empregada. Melhor seria, quem sabe, “derivou”. Pois, desde os tempos do 8086 usado no pioneiro PC, toda arquitetura Intel se baseia na anterior e agrega novas funções. Portanto, são transições. A diferença fundamental na transição que originou a Core foi o fato de, ao contrário de todas as suas antecessoras, ela não ter sido baseada na imediatamente anterior. Isto porque a Netburst, com sua longuíssima linha de montagem (“pipeline”) era tão voraz por potência que definitivamente não se adaptaria aos novos tempos dos micros portáteis e suas baterias e da tendência mundial para racionalizar o consumo de energia. Por isso a Intel desenvolveu a Core como um aperfeiçoamento da revisão Yonah de sua velha arquitetura P6, que vinha se mostrando mais bem comportada no que toca ao gerenciamento de energia na série “M” (dos Pentium e Celeron) graças à sua linha de montagem menos extensa (com efeito, os primeiros membros da arquitetura Core tinham uma “pipeline” de apenas 14 estágios, menos da metade dos 31 dos últimos exemplares da Netburst).
As mudanças que tornaram a Core uma nova arquitetura (e não apenas mais uma revisão da P6) tinham principalmente a ver com a interação de núcleos em um mesmo processador, além de um gerenciamento mais eficaz de energia (foi com a Core que a Intel passou a enfatizar o conceito de “performance per Watt” ou “desempenho por unidade de consumo de potência”). Isto foi conseguido com recursos como a fusão de macro-operações (combinação de duas instruções x86 em uma única micro-op), aumento do número de estágios de potência (“steppings”), adoção da tecnologia “Execute Disable Bit” para aumentar a segurança e uso intensivo da virtualização (se alguns destes conceitos lhe parecem demasiadamente esotéricos, não se preocupe, simplesmente os ignore; são importantes, mas não naquilo que nos diz respeito). Tudo isso, naturalmente, aliado à redução da camada de silício para 65 nm e, depois, quase inacreditáveis 45 nm (quer ter uma idéia do que isso representa? Dê uma olhada na coluna “Lei de Moore: até quando? - II O rápido e o pequeno”).

Pois bem: como eu comentei acima, esse negócio de “mais de um núcleo” tem um apelo mercadológico e tanto. E, é forçoso admitir, implica um enorme avanço. Fatos que, naturalmente, não escaparam do pessoal encarregado do marquetíngue dos produtos Intel. Que, muito naturalmente, resolveu se aproveitar disso e dar a maior ênfase possível ao conceito de “núcleo”, ou “core”. O problema foi a forma que eles encontraram para fazer isso, cujo resultado foi uma cangancha danada. Mas a intenção – como soe acontecer em casos similares – foi das melhores.

Começaram por banir a marca Pentium (e olhe que há empresas dispostas a investir milhões somente para conseguir algo parecido com o conceito de que ela gozava no mercado): dali para frente, a marca dos processadores da Intel seria Core. Inclusive os primeiros lançados depois desta decisão que, como vimos, sequer usavam a arquitetura Core (como toda a linha Core Duo, por exemplo; a marca Core só passou a usar a arquitetura de mesmo nome com o lançamento dos Core 2).
Então, no início de 2006 começou a contradança. Vamos ver se conseguimos acompanhá-la (e desde já peço desculpas se perder um ou outro passo, que ela foi mais complicada que dançar um tango inteiro em cima de um único ladrilho) seguindo os lançamentos dos processadores da Intel desde então, muitos dos quais ainda estão no mercado.

Figura 1: Pentium D e Extreme Edition

Em janeiro de 2006 foi lançado o Pentium D. Que, apesar de não usar a marca Core nem adotar a arquitetura Core, entrou na dança porque tinha dois núcleos – como vimos na coluna anterior e por isso a Intel o classificou como “dual core”. Sua versão com maior capacidade de processamento veio a chamar-se Pentium Extreme Edition.

Figura 2: Core Duo e Solo

Em fevereiro de 2006 veio o primeiro membro da marca Core, o Core Duo. Que, como vimos, apesar de usar a nova marca, não adotava a nova arquitetura Core, mas a extensão Yonah da arquitetura P6. Variações deste modelo, ainda com a mesma arquitetura, foram fabricadas até agosto de 2006. Em seguida, também em fevereiro de 2006, a Intel lançou o Core Solo. Que nada mais era que um Core Duo com um dos núcleos desabilitado para batalhar no mercado de baixo custo. Que, portanto, também usava a marca mas não a arquitetura Core.

Figura 3: Core 2 Duo

Em julho de 2006, finalmente, entrou em cena o primeiro lídimo (o Xandó vai gostar desta) representante da arquitetura Core: o Core 2 Duo que, para micros de mesa, adotava a revisão Conroe da arquitetura Core e para portáteis adotava a revisão Merom da mesma arquitetura. Ambos, portanto, usavam a marca Core, adotavam a arquitetura Core – se bem que em revisões diferentes – e se distinguiam principalmente pelo consumo de energia e pelo fato de o destinado a micros de mesa aderir à plataforma Centrino.

Figura 4: A linha Core 2

Daí para frente toda a linha Core 2 passou a adotar a arquitetura Core (eventualmente com extensões diversas, como Allendale, Wolfdale, para micros de mesa com dois núcleos, e Kentsfield e Yorkfield com quatro, e Penryn para portáteis com dois núcleos). E surgiram os Core 2 Quad, Core 2 Extreme e até um Celeron M baseado na extensão Merom. E um inesperado Core 2 Solo (o que fez aumentar ainda mais a confusão), mais um microprocessador de um único núcleo (que na verdade tinha dois, um dos quais desabilitados) adotando as revisões Merom ou Penryn para uso em portáteis.

Figura 5: Os Xeon com arquitetura Core

Como a linha para servidores não poderia ser esquecida e nem o nome Xeon abandonado, foram igualmente lançados os Xeon Dual-Core e Quad-Core (respectivamente com dois e quatro núcleos), em distintas extensões da arquitetura Core.

Figura 6: O “novo Pentium” com arquitetura Core

E seriam apenas estes os microprocessadores da Intel a adotar a arquitetura Core (os mais recentes, como veremos adiante, adotam sua sucessora, a arquitetura Nehalem) caso, em junho de 2007, a Intel não tivesse se dado conta da bobagem que fez ao abandonar a marca Pentium, cujo conceito adquirido em longos e penosos anos de sucessos e fracassos ainda fazia com que fosse muito procurada pelos usuários. E, para não jogar fora tamanho capital (uma marca conceituada vale milhões) a Intel resolveu ressuscitá-la e lançou um modelo de Pentium baseado na arquitetura Core, o Pentium Dual-Core, com dois núcleos usando a extensão Allendale (mais tarde, em agosto de 2008, o mesmo chip passou a usar a extensão Wolfdale, ainda da arquitetura Core, para micros de mesa e a Penryn para portáteis).

Neste ponto a mistura de numerais (“2”) com substantivos (“solo”, “duo”, “quad”), de marcas (Core, Pentium, Xeon, Celeron) e plataformas (Centrino, VPro, ViiV) criou tamanha mixórdia na cabeça dos usuários que se pode afirmar sem medo que a Intel conseguiu alcançar um raro estágio em suas relações com o mercado: o da confusão generalizada em que ninguém entendia mais nada.

Foi então, com o advento dos primeiros exemplares aderentes à sua nova arquitetura, denominada Nehalem, que ela resolveu botar ordem no caos.

Como?

Bem, esse será justamente o assunto da próxima coluna.

 

B. Piropo