< Coluna em Fórum PCs >
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13/07/2009
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< Nova Estrutura da Marca Intel II: Um pouco de história > |
No final da coluna anterior prometi revisar superficialmente a evolução dos nomes usados pela Intel para seus processadores ao longo do tempo. Então vamos nessa. Mas lembrando que, para não fugir demasiadamente do escopo desta série de colunas, além de ser superficial, a revisão se restringirá à evolução dos nomes deixando de lado a da tecnologia. Assim, quando necessário, me referirei a diferenças tecnológicas, mas evitarei descer a detalhes. Porém, quem estiver interessado nos detalhes funcionais dos processadores cujos nomes serão citados adiante, poderá honrar com sua visita o < http://www.bpiropo.com.br > Sítio do Piropo e, na seção Busca, entrar com dito nome na caixa de pesquisas. O que certamente retornará um razoável número de referências, algumas delas relativas a colunas escritas sobre cada um dos citados processadores na época de seu lançamento ou pouco depois (o Sítio do Piropo mantém disponível para os leitores todo o material produzido por este colunista que vos escreve desde os idos de 1991 e publicado nos diversos veículos de comunicação com que ele tem colaborado desde então). O primeiro microprocessador fabricado pela Intel foi o 4004, lançado em 1971. Foi concebido para equipar uma calculadora eletrônica, a Busicom. Recebeu este nome porque era o último membro de um conjunto de quatro CIs usados no circuito impresso da calculadora. O primeiro, 4001, era um CI tipo “memória ROM” que armazenava as rotinas de programação para efetuar os cálculos. O segundo, o 4002, era a memória RAM. O terceiro, o 4003, controlava a entrada e saída do dispositivo. Logo nada mais natural que o quarto, o processador propriamente dito, recebesse a designação de 4004. Presumivelmente o fato de ser um processador “de quatro bits”, ou seja, cuja largura dos registradores internos era de quatro bits, foi uma mera coincidência (alguns anos mais tarde, em 1974, a Intel acrescentou pequenos aperfeiçoamentos ao 4004 – entre os quais a capacidade de reconhecer interrupções – e batizou o novo modelo de 4040). O sucesso do 4004 foi tão grande que a Intel se convenceu que aquele negócio era promissor e alterou o projeto inicial aumentando a largura dos registradores para oito bits. E fez isso da forma mais simples possível: adaptando dois 4004 para funcionarem, justapostos, no mesmo encapsulamento (duas décadas depois ela repetiria a façanha no projeto do primeiro “Pentium”, que nada mais era que dois i486 justapostos no mesmo encapsulamento; mas falaremos nisso no devido tempo). Ora, sendo o novo processador formado por dois 4004, nada mais justo que fosse batizado de 8008.
O 8008, lançado em 1972, era muito limitado. Não obstante foi o primeiro processador a ser fabricado pela Intel com condições de equipar alguma coisa que merecesse (se é que merecia...) o nome de “computador pessoal”. Era uma geringonça chamada “Altair”, a ser montada pelo próprio usuário, cujo projeto foi publicado na histórica edição de janeiro de 1975 da revista “Popular Electronics”. Pouco passava de um brinquedo (o único dispositivo de saída era um conjunto de LEDs que piscava de acordo com a programação armazenada em uma memória RAM de 256 bytes – repito, por extenso, para não pensarem que foi erro de digitação: duzentos e cinquenta e seis bytes). Contudo, foi um sucesso. A partir de então a indústria acordou para o filão de ouro que se abria à sua frente e foram fabricados, no final dos anos setenta do século passado, os primeiros processadores que efetivamente foram usados em máquinas que, já então merecidamente, receberam o nome de “Computadores Pessoais”. Eram as velhas e pioneiras “máquinas de oito bits” (que, portanto, ostentavam posições internas de memória – ou registradores – com magníficos oito bits de largura). Já então a Intel não era a única a fabricar microprocessadores: a Motorola lançou seu 6502 que equipava o Apple I e a Zilog seu Z80 que equipou o TRS-80 (e, mais tarde, o MSX). Naturalmente a Intel também tinha seu processador de oito bits. Que, como derivou do 8008, foi batizado de 8080. Em 1977 a Intel aperfeiçoou o projeto do 8080 de forma que ele passasse a exigir um hardware de apoio (aquilo que hoje chamamos de “chipset”) mais simples e exigisse apenas uma alimentação de 5 volts (o 8080 exigia alimentação dupla, 5V e 12V). E, possivelmente se referindo à tensão de alimentação, batizou o bichinho de 8085. Até aqui os “nomes” obedeciam a uma sequência numérica um tanto disparatada mas com uma pitada de lógica: 4004 -> 4040 -> 8008 -> 8080 -> 8085. E então – mais precisamente em junho de 1978 – a Intel decidiu lançar seu primeiro microprocessador com registradores internos de 16 bits. Que, comparado aos antecessores, os deixava no chinelo. E como o modelo anterior era o 8085, este foi “batizado” de 8086. Um poderosíssimo (consideradas as proporções, naturalmente) microprocessador capaz de equipar um computador pessoal que veio a fazer história: o primeiro PC da IBM, funcionando a impensáveis 4,77 MHz (o 4004 funcionava com uma frequência de operação de 108 KHz enquanto a do 8080 era de 2 MHz). Para não contrariar os puristas e a bem da verdade, não foi exatamente o 8086 que equipou o IBM PC mas sua versão modificada, o 8088, cuja única diferença consistiu na redução do barramento de dados de 16 para 8 bits (o restante, inclusive largura dos registradores e conjunto de instruções, era rigorosamente igual; alguns anos depois a Intel apelou novamente para este recurso quando, após lançar o 80386, produziu uma versão simplificada, o 80386 SX, com um barramento de dados cuja largura foi reduzida à metade). As razões para o aparentemente paradoxal lançamento de uma versão mais simples depois de uma mais completa têm a ver com a disponibilidade de circuitos auxiliares no mercado de então, o que justificava o retrocesso. Mas o “nome” 8088 (pelo menos o “8” final), presumo eu, tem a ver com o fato de o barramento de dados ter sido reduzido a oito bits. Um segundo ponto que vale mencionar e que já deve ter chamado a atenção daqueles que sabem que o IBM PC foi lançado em agosto de 1981 é a discrepância entre esta data e a do lançamento do 8088, dois anos antes. É que naqueles dias ainda não havia uma indústria de computadores pessoais capaz de lançar um computador completo no mesmo dia em que seu processador era liberado para o mercado. E isto só pode ocorrer nos dias de hoje porque, durante a época de desenvolvimento e testes de um novo modelo de processador, a fabricante (seja a Intel, seja a AMD ou qualquer de seus concorrentes) não apenas publica as especificações como também fornece alguns chips ainda em versão pré-lançamento para os fabricantes de placas-mãe e circuitos auxiliares. O que permite que estes fabricantes desenvolvam seus projetos antes mesmo que o processador esteja no mercado, ensejando que processadores e computadores com eles equipados sejam lançados simultaneamente. Lá por volta de 1980 tudo era diferente. Tanto que a Intel lançou o 8088 em 1979 e o primeiro computador pessoal equipado com ele só foi comercializado pela IBM dois anos depois, intervalo necessário para desenvolver o projeto da placa-mãe e suas interligações nas instalações históricas de Boca Ratón. Tempos difíceis e pioneiros, aqueles. Porém, interessantes.
Entramos assim na era do 8086. Que, do ponto de vista da indústria dos computadores pessoais da “linha PC” pode ser considerado o ponto de partida. Porque foi o IBM PC com seu 8088/8086 que deu origem à indústria dos computadores como a conhecemos hoje. E cujas vendas explosivas motivaram a Intel a, rapidamente, desenvolver um novo processador bastante mais poderoso, concebido para satisfazer as exigências de um mercado que, embora incipiente, era ávido por maiores recursos e capacidade de processamento. E foi assim que surgiu o primeiro processador a suportar multitarefa, memória virtual e o chamado “modo protegido”. Seu nome? Bem, parece que a Intel o considerou o segundo membro da “família x86” que nasceu com o 8086. E incluiu um numeral “2” no meio da designação, escolhendo para ele o “nome” 80286 quando o lançou em fevereiro de 1982. A IBM – e, nesta altura dos acontecimentos, toda a indústria de “clones” que naqueles dias orbitava em torno dela – logo tomou ciência do novo processador e, dois anos depois, em 1984, equipou com ele o segundo membro da família PC, o AT 286, o primeiro micro pessoal a ser fornecido de fábrica com um disco rígido (de 20 MB de capacidade; de novo, por extenso: vinte megabytes; que davam e sobravam...). O 80286 era muitíssimo mais rápido que seu irmão mais velho, o 8086, não somente porque seu modelo inicial já rodava em 6 MHZ (houve modelos sucessivos de até 25 MHZ) como também porque lia a memória muito mais rapidamente. Mas tinha algumas limitações – dentre as quais a mais grave para o mercado da época era que, a despeito de sua capacidade de multitarefa, quando se tratava de programas DOS somente admitia rodar um por vez. E na época as empresas já haviam investido uma grana preta em programas DOS. Portanto a Intel se apressou a lançar em 1985 o que ela considerou o terceiro membro da família “x86”. Que, por isso mesmo, recebeu o nome de 80386 e podia, entre outras coisas, funcionar no chamado “modo 8086 virtual” no qual admitia rodar até 256 programas DOS ao mesmo tempo. Mas sua grande inovação em termos de arquitetura não era esta, mas sim a largura do barramento de endereços, que pela primeira vez conseguia, com seus 32 bits, acesso direto a um universo de até 4 GB de memória RAM, acabando assim com o velho e desajeitado modo de endereçamento por “segmento/deslocamento” (novamente: a quem tiver interesse nos detalhes técnicos e no significado destes termos, sugiro uma consulta á < http://www.bpiropo.com.br/pesquisa.htm > Seção “Pesquisar” do Sítio do Piropo). Uma inovação tão formidável que somente agora está sendo ultrapassada pelos chips “de 64 bits” que usam a chamada arquitetura iA64. Quando os primeiros micros equipados com o 80386 vieram à luz, nos idos de 1987, os microprocessadores já haviam se popularizado o suficiente para que o “nome” 80386 fosse tratado com mais, digamos, intimidade, pelos usuários. E perdeu o “80” inicial, passando a ser conhecido apenas por “386” (que, em português, se pronuncia “três-oito-meia”). Pior: na época os concorrentes (AMD e Cyrix, principalmente) passaram a fabricar chips inteiramente compatíveis com os da Intel, que recebiam o mesmo “nome”. E, para diferenciar os fabricantes, o mercado passou a acrescentar o “i” de “Intel” no início do “nome” dos produtos da Intel. Data de então a designação “i386” (os da AMD eram conhecidos como “Am386”). Assim começou a incorporação do prefixo “i” aos números que designavam os chips da Intel – que está retornando agora com o i7. Até o velho 80286 passou a ser conhecido como “i286”. Até então cada novo modelo de processador da Intel correspondia a uma mudança significativa na arquitetura com alterações que implicavam, entre outras coisas, uma expansão do conjunto de instruções para permitir usufruir as novas características. Foi somente em 1989, com o lançamento da quarta geração da família x86, que ela prestou a devida atenção à otimização dos circuitos. E decidiu inovar. O novo processador, como era de esperar, recebeu a designação de i486. Do ponto de vista de processamento, não era muito diferente do i386: o conjunto de instruções era praticamente o mesmo e as características funcionais não eram muito distintas. Mas no que toca ao desempenho, que diferença... Esta imensa diferença deveu-se a todo um conjunto de fatores, a começar pela otimização do processo de fabricação: o i486 foi o primeiro chip a adotar a camada de silício de 1 nm de espessura. Além disso o i486 incorporava, no mesmo encapsulamento do microprocessador, um processador auxiliar dedicado exclusivamente a cálculos matemáticos, o chamado “coprocessador matemático”. E foi pioneiro na adoção de um “cache interno” digno do nome com seus 8 KB. Mas, do ponto de vista da arquitetura, a grande novidade mesmo foi a adoção do processamento em “linha de montagem” (ou “pipeline”), no qual diferentes instruções podem ser executadas simultaneamente no interior do processador, desde que em estágios diferentes de processamento (de novo, não dá para entrar em detalhes, mas o processamento em “linha de montagem” é a chave do desempenho dos processadores modernos). Considerando-se a época do lançamento o i486 foi, talvez, o mais formidável processador lançado pela Intel. Tanto assim que, embora pouca gente saiba disso, continuou a ser fabricado pela Intel para uso em sistemas embarcados (“embedded”) até o ano de 2007. Uma vida útil de quase vinte anos, inédita em uma indústria em que a maioria dos componentes atinge a obsolescência em dois ou três anos. Mas em que ponto estávamos, mesmo? Ah, sim, nos albores da “era PC”. Antes dela a Intel havia lançado os 4004, 4040, 8008, 8080 e 8086. Este último foi o primeiro usado na chamada “linha PC” e por isso é considerado o primeiro membro daquilo que passou a ser conhecido por “família x86” que até então englobava os 8086, 86286, i386 e i486. Que designação esperar para a próxima geração? Quem respondeu “i586” acertou e errou. Acertou por que, de fato, era esta a designação esperada. E errou porque não foi esta a designação adotada e o i586 jamais foi fabricado (com esta designação, naturalmente). Expliquemos. Falávamos dos idos de 1991. Naqueles tempos a Intel vinha trabalhando no desenvolvimento de seu novo microprocessador, o primeiro a adotar a chamada arquitetura multiescalar (ou superescalar), na qual um processador contém em seu único núcleo mais de uma “linha de montagem” (“pipeline”) funcionando paralelamente. Seria a quinta geração da família x86 e, portanto, todos esperavam (inclusive eu, que então já havia me metido a escrever sobre computadores) o lançamento do “i586”. Acontece que, na época, a concorrência era encarniçada. Os demais fabricantes de processadores, sempre na esteira da Intel, lançavam seus chips no mercado e usavam a mesma designação. Os primeiros chips da concorrência de mesma designação que os da Intel eram compatíveis pino a pino. Isso quer dizer que se podia remover um i386 da Intel de uma placa-mãe e encaixar no mesmo soquete um Am386 da AMD obtendo-se o mesmo resultado (quando não se obtinha um melhor: o Am386 DX40 de 40MHz da AMD foi o mais rápido dos processadores que usaram a designação “386”). Mas de repente a coisa começou a “bagunçar”. Um Cy486, da Cyrix, por exemplo, pouco tinha a ver com um i486 da Intel exceto o nome. E isso não era bom para a Intel, para a indústria e, sobretudo, para os usuários. Foi então que a Intel recorreu aos tribunais para tentar impedir que as mesmas designações que usava para seus microprocessadores fossem usadas pela concorrência. E perdeu a causa. Parece injusto, pois não? Afinal, ao adotar a mesma designação, a concorrência estava claramente copiando a nomenclatura dos chips da Intel. O que era verdade, como admitiu o juiz responsável pela causa. O que ele não admitiu, no entanto, é que a Intel registrasse números como marca. Explicando melhor: a justiça americana, em suas diversas instâncias, considerou que designações como “386” e “486” eram na verdade aquilo que se poderia chamar de “número da peça” (“part number”) e não podia ser considerado uma “marca”. Logo, não podia ser registrado como tal. E temos conversado. Nesta altura dos acontecimentos ficou claro que, caso lançasse seu i586, a Intel não poderia contestar o lançamento de processadores com a mesma designação por parte da concorrência (e, de fato, a Cyrix chegou a lançar seu Cy586 apenas para aproveitar a onda). E foi obrigada a adotar nomes (de verdade, não mais números) para seus processadores. Foi assim que começou a era Pentium. E é assim que acaba a coluna de hoje. Que, a bem da verdade, deveria ser bem mais curta e se resumir ao essencial. Mas esse tipo de assunto me remete à saudosa dupla Alvarenga e Ranchinho, da qual os mais jovens jamais ouviram falar mas que marcou época há meio século – não como dupla caipira, mas como humoristas de primeira grandeza. A dupla, em seu programa (de rádio, naturalmente, que televisão ainda não havia), contava “causos”, comentava os acontecimentos da época e de vez em quando cantava uma moda de viola (das antigas, quer dizer, das boas). E, quando esticavam muito o papo, um deles dizia: -“Êh, cumpadre, nóis garra na cunversa e sisquece de cantar...” E tome de moda de viola. Pois algo parecido acontece comigo quando começo a escrever sobre os tempos pioneiros, a era do byte lascado que eu tive o privilégio de testemunhar: o papo estica e não dá vontade de parar. Só espero que não esteja ficando demasiadamente longo a ponto de cansar vocês, leitores. E que, ao ler estas mal traçadas, vocês sintam o mesmo prazer que sinto eu a escrevê-las. Então, até a próxima coluna, quando veremos porque os nomes começaram a proliferar como coelhos. . B. Piropo |