Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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05/01/2009

< Nicola Tesla V: Vencendo a guerra >


Terminamos a coluna anterior afirmando que a guerra das correntes foi vencida pela dupla Tesla / Westinghouse e prometendo relatar como isto teria ocorrido. Mas desde já posso afirmar: não foi fácil.

No que toca ao uso doméstico e industrial de eletricidade, desde cedo se tornou claro que a raiz do problema não estava na fonte (geração) nem no consumo (lâmpadas, motores e demais artefatos elétricos). O problema estava justamente entre estes dois extremos: na transmissão, ou seja, no meio usado para transferir a eletricidade gerada na usina até os locais onde ela seria consumida. Problema que Tesla se propunha a resolver (e resolveu...) com seu sistema de transmissão de Corrente Alternada (CA) polifásica a longas distâncias.

Gerar eletricidade em CA ou CC é igualmente fácil (ou igualmente difícil, dependendo do ponto de vista...). Usá-la, também. Mas, para transportar, a coisa é diferente. Vejamos porque, apelando para um exemplo extremamente simplificado para que a diferença possa ser mais facilmente compreendida.

Se você lembra da animação que ilustra a geração e transporte de eletricidade em CC na coluna anterior sabe que, em uma cidade, o sistema de distribuição de eletricidade em corrente contínua lembra bastante o de distribuição de água e coleta de esgotos, onde a água parte de um ponto de elevado potencial hidráulico (ponto alto, ou reservatório de distribuição) e percorre toda a tubulação até ser despejada em um ponto de menor potencial hidráulico (ponto baixo, geralmente um rio). No sistema de distribuição em CC ocorre algo muito parecido: cada elétron que deixa o pólo positivo do gerador (ponto de maior potencial elétrico) percorre todo o circuito até ser recolhido pelo pólo negativo (ponto de menor potencial elétrico). Ou seja: em um sistema assim, os elétrons precisam vencer duas vezes a resistência dos condutores ao longo de todo o trajeto desde a geração até o consumo. O que não somente exige condutores de grande diâmetro (para reduzir a resistência) como implica severa perda de energia, já que grande parte do potencial elétrico é dissipado exclusivamente para vencer as resistências ao longo do trajeto. Uma perda de energia que inviabilizava o transporte até locais distantes mais de duas milhas (pouco mais de 3 km) da usina geradora.

[Para os especialistas, uma tradução livre de um trecho do trabalho de Vujic e Schaeffer sobre o tema, cujo original pode ser encontrado na íntegra no formato PDF < http://www.nuc.berkeley.edu/dept/Courses/E-24/E-24Projects/Llanda1.pdf > no sítio da Universidade da Califórnia/Berkeley dedicado a Engenharia Nuclear: “As usinas geradoras de Edison foram uma sensação pública desde a primeira, a estação central de Nova Iorque inaugurada em 1881. Mas o sistema de corrente contínua de Edison não fornecia qualquer método prático para variar a tensão. Em virtude disso a transmissão de energia era muito ineficiente. A eletricidade era gerada, transmitida e usada em uma tensão próxima dos 100 Volts. Portanto, um cliente que precisasse de 4.000 kW necessitaria de fios empregando uma grande quantidade de cobre, suficiente para conduzir uma corrente de 40.000 Ampéres. Para compensar as perdas na transmissão e a grande quantidade de cobre, Edison precisou construir usinas geradoras distantes apenas alguns quarteirões umas das outras”]

Agora pense no sistema de distribuição em CA, também ilustrado por uma animação na coluna anterior . Nele, em virtude da alternância entre tensões nos dois pólos do gerador, os elétrons continuam se movimentando no interior dos condutores elétricos, mas já não necessitam de percorrer todo o circuito. Percorrem apenas um pequeno trecho, em constante movimento de vai-vem, “empurrados” de um lado pela tensão elevada de um pólo e “puxados” do outro pela tensão reduzida (ou negativa) do pólo oposto, alternando o sentido do movimento na medida que se alternam as tensões nos dois pólos (o que, como todos já perceberam, justifica o nome de “corrente alternada”).

Este contínuo vai-vem ao longo do condutor também implica, naturalmente, alguma dissipação (perda) de energia para vencer a resistência dos condutores. Mas, percorrendo um trecho muito menor, a perda é igualmente reduzida. O que permite o uso de condutores mais esbeltos e, após as devidas conversões de tensão (que, ao contrário da CC, podiam ser feitas com grande facilidade em CA usando os chamados “transformadores”), usar tensões elevadas para transmitir energia com pequenas perdas por distâncias praticamente ilimitadas (da ordem de milhares de quilômetros), reduzindo-as a níveis seguros para uso doméstico e comercial nas “estações abaixadoras” situadas nas proximidades dos locais de consumo.

É claro que tudo isto era sabido nos idos de 1880. Não obstante, a distribuição em CC predominava por razões tanto técnicas quanto financeiras.

As razões financeiras eram óbvias: as pessoas e empresas envolvidas com a geração de CC e fabricação de motores e demais dispositivos que usavam este tipo de corrente, mesmo sabendo o quão pouco eficiente eram quando comparados aos equivalentes em CA, não queriam nem ouvir falar em uma mudança que tornaria praticamente inútil todo seu acervo. E os poderosos financistas que controlavam o mercado de distribuição em CC, onde haviam investido pesadamente, por sua vez estavam ainda menos interessados. Tanto por uns quanto pelos outros, a mudança de CC para CA era encarada como uma ameaça, não como uma melhoria. O que explicava (mas não justificava) os antiéticos métodos persuasórios adotados por Edison e seus seguidores para convencer o público dos perigos da CA.

Já as razões técnicas deviam-se basicamente ao fato de ninguém ter ainda “inventado” uma forma confiável de produzir motores e equipamentos acionados por CA. E, tendo em vista que a distribuição era feita em CC, os poucos equipamentos existentes que usavam CA necessitavam de osciladores (ou “comutadores”) para transformar CC em CA, que na época eram trambolhos cheios de peças móveis que sofriam desgastes devido à vibração e superaquecimento. O que justificava o predomínio da distribuição em CC.

Ora, como este tipo de distribuição exige que os elétrons percorram inteiramente o circuito desde a geração até o consumo, e sendo estes circuitos formados por condutores necessariamente de grande diâmetro, havia regiões em Nova Iorque onde a quantidade de condutores esticados sobre as ruas encobria a luz do sol (veja comentário de edge aposto na coluna anterior; eu já havia lido algo de mesmo teor, mas consultei tanto material sobre a vida e obra de Tesla que agora não consigo encontrar a fonte da citação original).

É claro que o sistema de transmissão de CA polifásica proposto por Tesla resolvia tudo isto: como a energia seria gerada em CA, transmitida em CA e usada em CA, não somente não haveria necessidade de conversão como também era possível construir linhas de transmissão a longas distâncias (evitando a geração a cada 3 km) de forma muito mais eficaz e barata. Ainda na década de 1880, Tesla e Westinghouse propuseram o padrão de frequência da CA de 60 Hz (ou oscilações por segundo) um valor que, segundo eles, seria uma solução de compromisso entre o aparente “piscar” de lâmpadas alimentadas com frequência muito menor que esta e o retardo de fase em frequências muito altas. E a proposta se mostrou tão satisfatória que 60 Hz é a frequência usada até hoje na maioria dos países do mundo, inclusive o Brasil.

Em suma: o sistema de geração, transmissão e distribuição de eletricidade em CA era nitidamente superior tanto do ponto de vista técnico quanto do econômico.

O difícil era provar isto.

A oportunidade veio com a Feira Mundial de Chicago, realizada em 1883 para comemorar o quarto centenário da chegada de Colombo à América (e que por isso ganhou o nome de "World's Columbian Exposition”). Ela tornou-se um evento histórico mais pela oportunidade que deu a Tesla para demonstrar a eficácia de suas teorias que pela comemoração do centenário propriamente dito. Vejamos como isto foi possível.

A Feira Mundial de Chicago (“Chicago World's Fair” ou “Columbian Exposition”) foi um evento de grande porte que atraiu milhões de visitantes, o primeiro evento mundial a utilizar eletricidade em larga escala (veja Figura 1, obtida na Wikipedia). E para decidir quem haveria de fornecê-la, a Comissão Organizadora recorreu a um processo licitatório.

Figura 1: vista panorâmica da Feira Mundial
de Chicago e seus pavilhões.

Concorreram duas empresas. A General Electric Company, empresa então recém formada e capitaneada por Morgan e Edison, e a Westinghouse Company, de Tesla e Westinghouse. A proposta da GE mencionava valores da ordem de um milhão de dólares americanos (atenção: estamos falando de 1880, quando um milhão de US$ era uma grana pretíssima), dos quais a maior parte serviria para custear o cobre dos condutores de largo calibre exigido pelo uso da CC. A proposta da Westinghouse, que adotava o uso da CA, reduziu este valor à metade exclusivamente devido à economia alcançada pelo menor consumo de cobre.

Para os que tinham alguma dúvida quanto ao caráter (ou falta dele) de Edison, uma informação suplementar: ele ficou tão furioso com o fato de haver perdido a licitação que, através de uma ordem judicial, proibiu que suas lâmpadas incandescentes, das quais detinha a patente, fossem usadas na Feira Mundial de Chicago. O que forçou Tesla a, em menos de três meses, conceber, patentear e fabricar um novo modelo de lâmpada. E ele assim o fez. Criou um modelo mais eficiente que a lâmpada de Edison, do qual cerca de duzentas mil unidades foram fabricadas e instaladas nos pavilhões da Feira Mundial no curtíssimo período de que dispunha.

E foi assim que no final da tarde de primeiro de maio de 1893 o apertar de um botão pelo Presidente Americano Stephen Grover Cleveland fez com que quase duzentas mil lâmpadas incandescentes se acendessem simultaneamente iluminando o conjunto de prédios em estilo neoclássico construídos para a Feira.

Mas não era só isto. Por toda a feira brilhavam ainda lâmpadas fluorescentes – também inventadas e patenteadas por Tesla – que homenageavam famosos artistas e cientistas, como Faraday, Maxwell e Henry, desenhando seus nomes em pura luz. Os terrenos da exposição passaram a ser conhecidos como a “Cidade da Luz”, alimentada por doze geradores de CA de mil HP cada, instalados na “Sala de Máquinas”. Onde, além de demonstrar o funcionamento de seu sistema polifásico de geração e transmissão de eletricidade, Tesla fazia demonstrações para os 27 milhões de visitantes da Feira ilustrando o princípio do campo magnético giratório e exibindo seu motor de indução.

Tesla construiu máquinas curiosas especialmente para a exposição, como um dispositivo que, apenas através do uso de campos magnéticos, fazia com que um objeto metálico em forma de ovo se mantivesse ereto, batizando a coisa de “ovo de Colombo” (lembre: a feira comemorava o quarto centenário da chegada de Colombo à América). E, em pé, diante de uma audiência aparvalhada, deixou dois milhões de Volts atravessarem seu corpo, acendendo uma lâmpada fluorescente que ele mantinha nas mãos e criando em torno dele um halo luminoso que despertava ao mesmo tempo espanto, respeito e medo.

Figura 2: Nicola Tesla demonstrando sua “lâmpada sem fio”.

Segundo o < http://en.wikipedia.org/wiki/Nikola_Tesla > verbete Nikola Tesla da Wikipedia: “Um observador anotou: dentro do salão havia duas placas de borracha maciça revestidas com uma camada de estanho. Elas se situavam cerca de quatro metros e meio afastadas uma da outra e funcionavam como terminais de condutores que partiam de transformadores. Quando a corrente elétrica era acionada, lâmpadas a vácuo ou bulbos [NT: lâmpadas fluorescentes], que não estavam ligadas a quaisquer fios, mas simplesmente apoiadas em uma mesa entre as placas suspensas, ou que poderiam ser empunhadas em qualquer ponto do salão, acendiam. Estas eram as mesmas experiências e os mesmos aparatos exibidos pelo Sr. Tesla em Londres cerca de dois anos antes, onde eles geraram grande espanto e admiração” [An observer noted:     Within the room was suspended two hard-rubber plates covered with tin foil. These were about fifteen feet apart, and served as terminals of the wires leading from the transformers. When the current was turned on, the vacuum bulbs or tubes, which had no wires connected to them, but lay on a table between the suspended plates, or which might be held in the hand in almost any part of the room, were made luminous. These were the same experiments and the same apparatus shown by Mr. Tesla in London about two years ago, where they produced so much wonder and astonishment.]

Foi assim que Nicola Tesla ganhou a “Guerra das correntes”. O sucesso obtido durante a Feira Mundial de Chicago foi indiscutível e serviu para demonstrar a maior eficiência e economia da geração e distribuição de CA se comparada à CC. Uma demonstração tão convincente que garantiu à Westinghouse Company a concessão da Niagara Falls Commission para projetar e construir o sistema de geração de energia das cataratas do Niágara, uma usina geradora em corrente alternada concebida e projetada por Tesla que empregava dispositivos geradores de 5.000 HP (os maiores até então construídos) para alimentar a cidade de Buffalo, situada a quase quarenta quilômetros de distância – tarefa impossível usando corrente contínua.

Cinco anos mais tarde, ainda de acordo com projeto de Tesla, a usina de Niágara Falls abrigava dez geradores que abasteciam as cidades de Nova Iorque e Chicago.

Ainda hoje, nas proximidades da usina original das cataratas do Niágara, se pode encontrar uma das poucas homenagens remanescentes entre as prestadas a este gênio indiscutível: uma estátua de Nicola Tesla (veja Figura 3).

Figura 3: Estátua de Nicola Tesla em Niágara.

A Feira Mundial de Chicago e o contrato pioneiro para alimentar Buffalo com eletricidade em CA foram marcos históricos fundamentais na carreira de Tesla. Tanto assim que, ainda na década de 1890, Nicola Tesla já era considerado um dos mais famosos e respeitados cidadãos do mundo.

Então como foi possível que uma personalidade de tamanha envergadura fosse praticamente esquecida em menos de um século?

Bom, isso veremos semana que vem...

 

 

B. Piropo