< Coluna em Fórum PCs >
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24/11/2008
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< Nicola Tesla II: Visões de um gênio > |
Nicola Tesla nasceu à meia noite de 10 de julho de 1856 na pequena cidade de Smiljan, província de Lika do então Império Austro-Húngaro (que mais tarde foi incorporada à Iugoslávia e hoje faz parte da Croácia). Reza a lenda que seu nascimento se deu precisamente à meia noite, durante uma violenta tempestade elétrica. Nicola foi o quarto dos cinco filhos do casal Ana e Milutin, um sacerdote da Igreja Ortodoxa. Sempre se destacou por sua mente brilhante e seus dotes incomuns. Tinha uma imaginação notável e uma inteligência espacial fenomenal. Terminou em apenas três anos o curso elementar (que, então, costumava durar quatro anos). Aos dezoito anos era fluente em seis idiomas: tcheco, inglês, francês, húngaro, italiano e alemão, além do latim, que lia sem dificuldade. Nessa ocasião mudou-se para Graz, Áustria, para estudar engenharia na Escola Politécnica local. Não terminou os estudos: abandonou a escola no terceiro ano. Mais tarde, por insistência do pai, voltou aos bancos escolares da Universidade Charles Ferdinand, em Praga, hoje capital da republica Tcheca, mas lá permaneceu apenas mais um ano, deixando a escola após a morte do pai. Apesar de não se destacar nos estudos, Tesla tinha memória fotográfica e chegou a memorizar livros inteiros. Tinha uma mente extraordinariamente intuitiva e uma imaginação vívida. Não costumava usar desenhos ou esquemas: os projetos saíam diretamente de sua boca para a bancada, onde ele ditava as dimensões das peças aos artesãos que as fabricavam. Mais tarde, explicando este dom, diria Tesla: “Antes de fazer um esboço em papel, a idéia completa já funcionava mentalmente. Em minha mente eu alterava detalhes construtivos, fazia melhorias, e até mesmo operava o dispositivo. Sem sequer haver desenhado um esboço eu fornecia as medidas de todas as partes aos artesãos e, quando fabricadas, estas partes se encaixavam tão bem como se eu tivesse efetivamente desenvolvido os desenhos de fabricação. Não fazia diferença alguma fazer a máquina funcionar em minha cabeça ou na bancada da oficina. As invenções que eu concebi desta forma, sempre vieram a funcionar. Em trinta anos, não houve uma única exceção. Meu primeiro motor elétrico, a lâmpada a vácuo sem fio, minha turbina e muitos outros dispositivos, todos eles foram desenvolvidos exatamente desta forma” (“Before I put a sketch on paper, the whole idea is worked out mentally. In my mind I change the construction, make improvements, and even operate the device. Without ever having drawn a sketch I can give the measurements of all parts to workmen, and when completed all these parts will fit, just as certainly as though I had made the actual drawings. It is immaterial to me whether I run my machine in my mind or test it in my shop. The inventions I have conceived in this way have always worked. In thirty years there has not been a single exception. My first electric motor, the vacuum wireless light, my turbine engine and many other devices have all been developed in exactly this way”). Em 1880 mudou-se para Budapest, Hungria, e conseguiu um emprego na companhia telefônica local (que na época transmitia apenas por telégrafo com fio), onde passou a se interessar pela eletricidade. Um ano depois foi nomeado eletricista chefe da companhia e foi responsável pela implementação do primeiro sistema telefônico da Hungria. Foi durante este período que começaram seus inventos. O primeiro, para o qual requereu patente ainda na Europa, foi um repetidor/amplificador para sinais telefônicos. Na segunda metade do século dezenove os meios científicos europeus efervesciam. Foi a época em que a humanidade tomou conhecimento que aquele estranho fenômeno chamado eletricidade, cuja manifestação mais evidente eram os apavorantes raios, poderia ser “domesticada” e usada para facilitar a vida das pessoas. Em 1871 o cientista belga Zénobe Gramme inventou um meio prático de gerar eletricidade: seu dínamo, ou “Anel de Gramme”, ou ainda “Máquina de Gramme”. Embora outros inventores, como Anyos Jedlik, Michael Faraday e Hippolyte Pixii já tivessem apresentados seus próprios inventos de dispositivos geradores de corrente elétrica baseados no princípio do eletromagnetismo, o Dínamo de Gramme foi o primeiro a ter uma aplicação prática, ou seja, a poder ser usado comercialmente como gerador de corrente contínua. Veja, na Figura 1, uma foto e um desenho de um destes engenhos usado para demonstrações por seu inventor (ambas obtidas na Wikipedia), notando que eles mostram lados opostos do aparelho.
Aquele trambolho em forma de uma letra grega ômega maiúscula (Ω) que aparece na parte superior é um imã permanente. Repare que embaixo, entre os dois pólos do imã, aparece uma peça redonda. Esta peça gira quando se movimenta a manivela. Note (aparece melhor no desenho que na foto) que a parte externa desta peça parece “zebrada” (listras cinza escuro sobre um fundo cinza claro). Estas “listras” são a parte aparente de bobinas. Cada uma delas é formada por um fio de cobre que dá diversas voltas em torno de um núcleo de ferro de formato circular que aparece por baixo das bobinas (as listras cinza-claro). Tudo isto gira quando se gira a manivela.
Repare agora na figura 2 (adaptada de um original da Wikipedia) onde aparece apenas uma destas bobinas girando entre os dois pólos do imã (o núcleo de ferro em torno da qual a bobina está enrolada também gira). O que acontece quando as espirais de fio de cobre que formam a bobina passam em frente a um dos pólos do imã permanente? Ora, o efeito é equivalente a fazer um campo magnético se mover (ou variar sua intensidade, o que dá no mesmo) ao longo da bobina. E, como sabemos todos desde que Oersted descobriu a interação entre os campos elétrico e magnético, isso induz uma corrente elétrica na bobina. É claro que a corrente ocorre apenas durante os poucos instantes em que a bobina passa exatamente em frente a um dos pólos. E, se nenhuma providência for tomada, ao completar o giro e passar em frente ao pólo oposto, a corrente será gerada no sentido inverso. Por isso, como se pode reparar na figura, cada extremidade da bobina está ligada a uma placa metálica curva que gira com o conjunto. E cada uma destas placas, ao girar, estabelece contato elétrico com uma das duas “escovas” (peças metálicas ou, preferivelmente, de qualquer outro material condutor que provoque menos desgaste nas peças em que encosta) ligadas a condutores elétricos. Como, a cada giro, as escovas fazem contato com a extremidade oposta do fio que forma a bobina, o resultado serão pulsos de corrente que percorrerão os condutores elétricos sempre no mesmo sentido, como mostrado pelas setas. É claro que com uma única bobina o resultado seriam pulsos sucessivos de corrente de pequena tensão, como mostrado na parte superior esquerda da figura 3, assinalada com o número 1 (este e todos os demais esquemas que formam a figura 3 foram obtidos na Wikipedia). Mas nada impede que se enrole uma segunda bobina na parte diametralmente oposta do núcleo circular e que se a ligue aos mesmos contatos metálicos, como mostrado na parte inferior esquerda da figura 3, assinalada com o número 2. Agora, enquanto uma bobina passa em frente a um pólo do imã, a outra passa em frente ao pólo oposto. E, devido à forma como estão ligadas aos contatos metálicos (veja figura), formam-se os mesmos dois pulsos, mas com o dobro da tensão, já que as correntes geradas por cada bobina se somam. Mas esta configuração ainda apresenta um inconveniente grave: a tensão varia aos pulsos, desde zero até o máximo gerado pelas duas bobinas. Para que se tenha um gerador de corrente contínua funcional é preciso que a tensão seja constante ou, pelo menos, apresente variações pequenas, isto é, seja “amortecida”.
É claro que se pode “amortecer” esta variação de tensão aumentando o número de pares de bobinas. Veja, na parte superior direita da Figura 3 (assinalada com o número 3), o que ocorre quando se usam quatro bobinas ligadas aos pares. E note, finalmente, como a variação de tensão ainda é mais amortecida quando se usam seis pares de bobinas como mostrado na parte inferior direita da figura 3 assinalada com o número 4. Agora, volte a examinar a Figura 2 e perceba, contando as bobinas, que Gramme usou dezesseis delas (combinadas em oito pares) no dínamo mostrado no desenho. O que resulta na geração de uma corrente contínua com variação de tensão muito pequena. A idéia de Gramme é interessante. E mais interessante ainda se tornou quando, por acidente, em uma demonstração de seu artefato feita em Vienna, Áustria, em 1873, um dos operários, por engano, ligou os terminais de uma de suas máquinas aos de outra. O que causou um efeito inesperado: para surpresa do inventor, quando movimentou uma das máquinas para gerar energia, descobriu que a outra, a ela ligada, também girava sem que ninguém acionasse sua manivela. De onde o inventor concluiu que, girando sua manivela, a máquina de Gramme funcionava como gerador de corrente contínua, ou seja, transformava energia mecânica em elétrica. Mas, aplicando-se a ela energia elétrica sob a forma de corrente contínua, a mesma máquina funcionava como motor elétrico, ou seja, transformava energia elétrica em mecânica. Não vou me dar ao trabalho de explicar a razão pela qual isto ocorre. Deixarei a tarefa por conta de vocês, leitores. Mas não custa fornecer uma pista: como se sabe, quando se faz variar um campo magnético nas proximidades da bobina, induz-se uma corrente elétrica nesta bobina. Por outro lado, sabe-se também que fazer uma corrente elétrica atravessar uma bobina gera um campo magnético em torno dela. Portanto... Afinal, é justamente nisso que se baseia o eletromagnetismo... A alma inquieta de Tesla jamais lhe deu paz. Por algumas ocasiões em sua vida teve que interromper a atividade devido ao que seus biógrafos chamaram de “nervous breakdown”, expressão que pode ser traduzida como “esgotamento nervoso” ou “crise nervosa” mas que, dado o caráter incipiente das ciências médicas da época especialmente no que toca às doenças nervosas, poderia ser qualquer coisa, desde um mero “pití” até um profundo acesso de depressão. Mas seja lá qual fosse a razão, Tesla tinha “visões”. Segundo a Wikipedia, Tesla “sofria de uma peculiar aflição que fazia com que ofuscantes raios luminosos disparassem diante de seus olhos, freqüentemente acompanhados de alucinações. Muitas das vezes as visões eram ligadas a uma palavra ou idéia com a qual ele casualmente se deparava; apenas por ouvir o nome de um item ele involuntariamente era levado a vê-lo mentalmente em detalhes realistas” (“He suffered a peculiar affliction in which blinding flashes of light would appear before his eyes, often accompanied by hallucinations. Much of the time the visions were linked to a word or idea he might have come across; just by hearing the name of an item, he would involuntarily envision it in realistic detail”). Parece loucura, mas não é. Trata-se de um fenômeno desconhecido na época mas que hoje a ciência neurológica atribui o nome de < http://en.wikipedia.org/wiki/Synesthesia > “sinestesia”, de acordo com o qual certas pessoas conseguem estimular uma seqüência de idéias cognitivas a partir do estímulo de uma segunda experiência cognitiva ou sensorial. No início dos anos 80 do século dezenove Tesla levava sua vida em Budapest trabalhando na companhia telefônica local. Alguns anos antes, durante sua breve estada na Escola Politécnica, seus estudos de engenharia eletromecânica o levaram a conhecer o Dínamo de Gramme. Na ocasião comentou com o mestre que lhe apresentava o dispositivo que, mediante algumas modificações, seria possível eliminar os comutadores (aquelas peças metálicas giratórias que fazem contato com as “escovas”). Comentário que divertiu bastante o acadêmico já que, segundo ele mesmo replicou, “isso corresponderia à criação do moto-perpétuo”. A idéia, como todas as outras que eram apresentadas a Tesla, mergulhou no fundo de sua consciência e lá ficou dormente por um bom tempo. Certa feita, em 1882, aos vinte e seis anos, enquanto passeava com um amigo em um parque de Belgrado, Tesla subitamente parou. Interrompeu a meio sua caminhada e a frase que proferia ficou suspensa no ar, enquanto dava sinais evidentes de ansiedade. Seu amigo ofereceu-se para ajudá-lo a caminhar até um banco e sentar-se até que sua mente se aquietasse, mas Tesla recusou-se e permaneceu em pé até o momento em que, finalmente, pegou um graveto e desenhou um esboço na areia. Aquele esboço alterou completamente o rumo da sociedade moderna. Mas de que se tratava? Bem, como sói dizer o admirável Luis Fernando Veríssimo sobre sua magnífica personagem, a ravissante Dora Avante, “deixemos que ele mesmo nos conte” (o trecho seguinte, traduzido livremente por mim, foi extraído da página < http://www.pbs.org/tesla/ll/ll_early.html > “Tesla´s Early Years” do excelente sítio do sistema de TV pública americano – PBS e corresponde ao relato do próprio Tesla sobre o que ocorreu naquele final de tarde). “Uma tarde, da qual jamais me esquecerei, eu estava desfrutando uma caminhada com um amigo no parque da cidade recitando poesia. Naquela idade eu sabia livros inteiros de cor, palavra por palavra. Um destes livros era o ‘Fausto’, de Goethe. O sol estava se pondo e isto me fez lembrar de uma passagem gloriosa: ‘O brilho se vai; terminado é o dia de labuta; / Ele vai distante, explorando novos campos da vida / Ah, (pena) que eu não tenho asas para me elevar do solo / e seguir, seguir, sua trilha sublime’. Assim que eu pronunciei estas palavras inspiradoras a idéia surgiu como um raio e em um instante a verdade foi revelada. Eu desenhei na areia com uma vareta o [mesmo] diagrama que seis anos depois, apresentaria em minha palestra diante do Instituto Americano de Engenheiros Elétricos”. (“One afternoon, which is ever present in my recollection, I was enjoying a walk with my friend in the city park and reciting poetry. At that age I knew entire books by heart, word for word. One of these was Goethe's Faust. The sun was just setting and reminded me of a glorious passage: ‘The glow retreats, done is the day of toil; / It yonder hastes, new fields of life exploring; / Ah, that no wing can lift me from the soil / Upon its track to follow, follow soaring!’. As I uttered these inspiring words the idea came like a flash of lightning and in an instant the truth was revealed. I drew with a stick on the sand the diagram shown six years later in my address before the American Institute of Electrical Engineers”). Assim nasceu a teoria do campo magnético giratório que serviu de base à tecnologia que permitiu fabricar o motor de indução, um invento que iria mudar o mundo. B. Piropo |