Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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03/03/2008

< Interface tátil I: levitação magnética >


Uma explicação necessária: como logo perceberam os que esperavam a coluna seguinte da série referente a Vista e seu primeiro “pacote de serviços”, o Vista SP1, esta coluna a interrompe temporariamente. A interrupção se impõe porque não me agrada escrever sobre assuntos que não conheço e o próximo passo seria justamente descrever os efeitos da instalação do SP1 nesta máquina que vos fala. Ocorre que o Vista SP1 já foi liberado pela MS, porém não ainda no idioma português. E não é de bom alvitre instalar atualizações sobre um sistema com idiomas diferentes. Segundo a MS, a versão em português do SP1 deverá estar disponível muito breve. Assim que isto ocorrer e que ela for aqui instalada eu me comprometo a dar prosseguimento à série descrevendo o processo de instalação e seus efeitos no desempenho do micro. Até lá, no entanto, a vida prossegue e o mister de um colunista é escrever colunas. Então vamos adiante e falemos um pouco sobre a interface tátil...

Segundo o Houaiss o significado de “tátil” é: “1) relativo ou pertencente ao tato; 2) que serve ao sentido do tato; 3) perceptível pelo tato; 4) passível de se tatear ou tocar; tocável”. No que diz respeito a informática, uma interface tátil (em inglês, “haptic interface”) é uma forma de o usuário interagir com o computador através do sentido do tato. Ou, trocando em miúdos: uma interface sensível a características como textura superficial dos objetos, seu peso, irregularidades de sua forma e todas as demais que só são perceptíveis quando os tocamos.

Taí um negócio difícil de ser conseguido...

Pois não é que o pessoal da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, conseguiu?

Mais especificamente quem conseguiu foi a equipe do Instituto de Robótica da dita Universidade. Mais especificamente ainda, o professor e pesquisador Ralph Hollis.

Mas como ele teria conseguido semelhante façanha?

Bem, para entender precisamos antes fazer uma pequena incursão no mundo da física. E bem lá no fundo, em seus mais recônditos e misteriosos recantos. Mais particularmente no campo que discute as quatro interações fundamentais da natureza.

Não conhece? Nunca ouviu falar delas? Pois deveria. Estas quatro forças misteriosas representam hoje o “santo Graal” da ciência. As mentes mais brilhantes do planeta tentam incessantemente derivar uma equação que seja capaz de unificá-las, dedicando a isto seus mais ingentes esforços. E não sem razão: uma equação que reúna as quatro interações (ou forças) fundamentais explicando a relação entre elas seria nada menos que o “modelo padrão” (“standard model”), o modelo matemático do universo (garanto que não estou exagerando; se você não acredita, consulte os verbetes < http://en.wikipedia.org/wiki/Fundamental_interaction > Fundamental Interaction e < http://en.wikipedia.org/wiki/Standard_Model > Standard Model da Wikipedia).

Mas que forças são estas? Quais as quatro interações que atuam sobre as partículas atômicas, os constituintes básicos de nosso universo?

São elas:

  • a < http://en.wikipedia.org/wiki/Strong_interaction > “interação forte” (“strong interaction”), força de atração que mantém agregadas as partículas que formam o núcleo dos átomos;
  • a < http://en.wikipedia.org/wiki/Weak_interaction > “interação fraca” (weak interaction”), outra força de atração nuclear ligada a fenômenos radioativos cujo nome deriva do fato de ser dez trilhões de vezes mas fraca que a “interação forte”;
  •  a nossa boa e velha conhecida < http://en.wikipedia.org/wiki/Gravity > “gravitação” ou “gravidade”, que faz com que, como bem disse Isaac Newton, “a matéria atraia a matéria na razão direta das massas e na inversa do quadrado da distância”; e
  • o não menos conhecido eletromagnetismo, ou força eletromagnética < http://en.wikipedia.org/wiki/Electromagnetism >, responsável pela atração e repulsão entre partículas que possuem a propriedade denominada “carga elétrica” e que, por sua vez, é afetada pela presença ou movimentação destas partículas.

Estas quatro forças ou interações têm em comum a misteriosa propriedade de agirem à distância, manifestando sua presença através de “campos”. Os campos magnético e gravitacional são nossos velhos conhecidos. Já os campos através dos quais se manifestam as outras duas forças se situam nos domínios da mecânica quântica onde eu não me atreveria a pisar sem correr um apreciável risco de escrever uma montanha de asneiras, portanto melhor evitar incursões ao desconhecido. Humilde sapateiro que sou, não irei além das sandálias.

Felizmente, destas forças, a que nos interessa particularmente é a última, o eletromagnetismo, da qual temos algum conhecimento, o que nos permite arriscar um ou outro pitaco sobre ela. E nos interessa porque foi nela que se baseou o desenvolvimento da nossa interface tátil.

Então, vamos nessa.

Pegue um ímã. Qualquer um. Desses de geladeira, por exemplo. Aproxime-o da geladeira e note como ele a atrai (sim , eu sei, parece que é a geladeira que está atraindo o ímã, mas se você pensar um pouco verá que geladeiras só atraem glutões). Afaste-o um pouco da geladeira e sinta a força que tende a “puxá-lo” de sua mão em direção a ela.

Talvez você jamais tenha se dado ao trabalho de pensar como este fenômeno é misterioso. Afinal, por mais acostumados que estejamos com ele, não deixa de ser estranho o fato de uma força se manifestar à distância. Pois não há nada ligando o ímã à geladeira e no entanto pode-se sentir claramente que há uma força de atração entre eles. Esta força chama-se “atração magnética” e é uma das quatro forças vistas acima, todas elas com a misteriosa propriedade de se manifestarem à distância através de um “campo”. No nosso caso, o campo magnético. Mas há outra força, igualmente misteriosa, à qual estamos tão acostumados que nem mesmo nos damos conta de sua existência: a gravidade. Afinal, sempre achamos que os corpos caem porque caem, ora. Mas na verdade eles caem porque atraem a Terra e são atraídos por ela. E esta força de atração se manifesta através de outro “campo”, o campo gravitacional.

Mas voltemos ao nosso ímã. Afaste-o da geladeira e aproxime-o de outro ímã. Repare: dependendo de sua posição relativa, eles se atraem ou se repelem. Largue-os suficientemente próximos e eles cairão um nos braços do outro como amantes que há muito não se vêem (no sentido figurado, naturalmente). Ou seja: embora, dependendo da posição, eles se atraiam ou se repilam, acabam sempre juntos.

Por que jamais saltam um para longe do outro? Afinal, eles também se repelem...

Bem, vamos por partes. Ímãs são formados por partículas magnéticas elementares perfeitamente alinhadas, cada uma com dois “pólos”: o Norte e o Sul (se isto lhe parece familiar é porque é familiar mesmo: a Terra, com seus dois pólos, nada mais é que um imenso ímã). Pólos iguais se repelem, pólos diferentes se atraem. Parta um ímã exatamente ao meio e você NÃO separará seus pólos, obtendo um pólo Norte e outro Sul. Em vez disso terá dois ímãs, cada um com seus dois pólos.

Quando você aproxima os ímãs de tal forma que seus pólos opostos fiquem “um de frente para o outro”, a atração entre eles fará os ímãs se juntarem, exigindo alguma força para separá-los. Já se você aproximar os ímãs com dois pólos iguais frente a frente, eles não pularão um para longe do outro, como seria de esperar. Em vez disso, um pólo repelirá o outro mas atrairá seu oposto, de tal forma que os ímãs acabarão se virando e saltando um para o outro.

Imagine, porém, a seguinte situação: pegue dois ímãs com formatos semelhantes aos da Figura 1 (obtida no sítio do < http://www.fys.uio.no/super/ > laboratório de supercondutores da Universidade de Oslo, Noruega), verifique a posição de seus pólos, mantenha um deles sobre uma superfície qualquer e, vindo de cima, aproxime o outro lentamente de tal forma que seus pólos iguais (por exemplo, Norte e Norte) fiquem face a face. Os ímãs se repelirão, naturalmente. E, reza a física, se repelirão com uma força que aumenta na medida que os ímãs se aproximam.

Ora, mas a repulsão magnética não é a única força que age neste fenômeno. Todos os objetos envolvidos, inclusive naturalmente o ímã de cima, sofrem a ação de uma segunda força, a da gravidade, que se manifesta sob a forma de seu peso (sim, o peso é uma força; mais especificamente a força com a qual a Terra e o objeto se atraem). Portanto, variando a distância entre os ímãs, haverá um ponto no qual a força de repulsão entre eles tornar-se-á exatamente igual ao peso do ímã de cima. Quando isto ocorrer é de se esperar que o ímã de cima fique absolutamente imóvel, suspenso no espaço pela igualdade das duas forças que sobre ele são exercidas: a gravidade, que o puxa para baixo, e a repulsão magnética, que o empurra para cima, mais ou menos como mostrado na Figura 1. Este fenômeno chama-se “levitação magnética”, ou “magnetic levitation” em inglês, ou ainda mais simplificadamente “maglev”.

Figura 1: levitação magnética.

A Figura 2 (obtida no sítio Scitoys.com) mostra outro exemplo de levitação magnética no qual um pequeno ímã paira em pleno ar entre duas peças horizontais. Na verdade o sítio chega até a ensinar como você mesmo pode reproduzir a experiência em casa. Basta visitar a página < http://sci-toys.com/scitoys/scitoys/magnets/suspension.html > “A magnet in mid-air”, reunir o material necessário e seguir as instruções (apenas em inglês, infelizmente).

Figura 2: ímã levitando.

Não seria formidável se nós pudéssemos fazer um ímã levitar sobre o outro apenas empilhando-os? Infelizmente, em 1842 um cavalheiro chamado Samuel Earnshaw demonstrou cabalmente que a levitação eletromagnética direta é impossível. A demonstração ficou conhecida como < http://en.wikipedia.org/wiki/Earnshaw%27s_theorem > “Teorema de Earnshaw”, pode ser consultada na Wikipedia e é mencionada logo no início do verbete < http://en.wikipedia.org/wiki/Maglev > “Maglev” da mesma Wikipedia, no tópico “Stability”.

Como? Pirou, o Piropo? Descreve o fenômeno, mostra foto (e, se a foto não bastar para lhe convencer, veja < http://www.fys.uio.no/super/levitation/index.html > aqui alguns vídeos sobre o assunto) e depois vem com esse papo que “seu” Earnshaw demonstrou que ele é impossível?

Bem, na verdade não foi isso que ocorreu. O que Earnshaw demonstrou foi a impossibilidade da levitação magnética direta, ou seja, provou “que é impossível a levitação estável usando apenas campos magnéticos clássicos, estáticos e macroscópicos e que toda combinação de forças resultantes de qualquer combinação de campos gravitacionais, eletrostáticos e magnetostáticos resultam em uma posição relativa instável” (é por isso que quando justapomos dois ímãs com seus pólos iguais se tocando eles acabam se virando e se atraindo pelo lado oposto).

Mas há muito mais coisas entre o céu e a terra do magnetismo do que pode supor nossa vã filosofia. Inclusive diversas variações do magnetismo além do conhecido < http://en.wikipedia.org/wiki/Ferromagnetism > “ferromagnetismo” (ao qual todos estamos acostumados e que rege o comportamento de nossos ímãs de geladeira). Variações como o < http://en.wikipedia.org/wiki/Paramagnetism > “paramagnetismo” (que ocorre apenas sob a aplicação de um campo magnético externo) e, a que mais nos interessa, o < http://en.wikipedia.org/wiki/Diamagnetism > “diamagnetismo”.

O diamagnetismo também ocorre somente na presença de um campo magnético externo. Ele se manifesta sob a forma de uma leve repulsão entre um objeto e um campo magnético. Qualquer que seja o objeto.

Sim, pois ocorre que sendo o diamagnetismo uma força gerada pelos elétrons em equilíbrio nas moléculas das substâncias e estando estes elétrons presentes nos átomos de todas as substancias conhecidas, todas elas, exceto o gás Hélio, apresentam alguma resposta diamagnética (ou seja, alguma repulsão) a todo campo magnético. O que varia é a magnitude desta força. Que, nos bons diamagnetos, pode ser considerável.

Nas substâncias ferromagnéticas e paramagnéticas a repulsão diamagnética também se apresenta, mas sendo muito pequena se comparada à atração e repulsão magnéticas propriamente ditas, é praticamente imperceptível. Já as demais substâncias apresentam maior ou menor efeito diamagnético. E em algumas delas, conhecidas como “materiais diamagnéticos” (ou “diamagnetos”), o efeito é particularmente alto. A água é um bom diamagneto, assim como a maioria das substâncias orgânicas e o carbono. Veja, na Figura 3 (obtida na Wikipedia), uma pequena placa de carbono (mais especificamente, de grafite pirolítica) levitando acima de um ímã permanente natural.

Figura 3: placa de carbono levitando sobre ímã natural.

De todos os materiais, o que apresenta maior efeito diamagnético é o bismuto. O que explica a Figura 2: as duas peças entre as quais o pequeno ímã levita são de bismuto puro. Já a Figura 1 e o filme correspondente têm uma explicação diferente, porém semelhante. O objeto situado abaixo do ímã é constituído por um material “supercondutor”.

A supercondutividade é um fenômeno que afeta alguns materiais e se manifesta apenas em temperaturas extremamente baixas. Ela se caracteriza pela eliminação da resistividade do material e pela exclusão de qualquer campo magnético de seu interior. O que traz duas conseqüências extraordinárias: em temperaturas extremamente baixas um supercondutor apresenta resistência nula à passagem de uma corrente elétrica (por não apresentar resistividade) e torna-se um diamagneto perfeito (por não conter campo magnético). O que explica a flutuação aparentemente milagrosa do ímã da Figura 2 e a estranha “fumaça” que aparece no vídeo (trata-se de nitrogênio líquido, usado para baixar a temperatura, assumindo a forma gasosa). E, sim, o objeto que se situa abaixo do ímã flutuante mostrado na Figura 2 é um supercondutor. Veja < http://en.wikipedia.org/wiki/Superconductor > aqui mais detalhes sobre o fenômeno da supercondutividade e aprecie mais um vídeo com um exemplo de levitação magnética usando supercondutores.

Portanto a levitação magnética não é impossível. O que é impossível é a chamada “levitação magnética direta”. Mas, com o uso de supercondutores ou diamagnetos, a levitação é perfeitamente viável.

 E tanto é assim que já existem trens operando comercialmente baseados nela.

Não entendeu como pode? Fácil: o trem inteiro levita acima da sua plataforma de sustentação, reduzindo a zero o contato com qualquer superfície sólida, o que faz com que a única força que se oponha ao movimento seja a resistência do ar.

Figura 4: Transrapid Shangai Maglev.

Talvez o exemplo mais conhecido seja o “Transrapid Shangai Maglev”, o trem mostrado na Figura 4 que liga Shangai, na China, a seu aeroporto, através de uma linha de 30 km de extensão na qual atinge apenas a velocidade de 430 km/h (o “apenas” aí de cima não é gozação: segundo a Wikipedia, trens do tipo “maglev” podem atingir velocidades de 900 km/h, a velocidade de cruzeiro dos jatos comerciais modernos). Veja outras fotos do Transrapid Shangai e de outros trens “maglev” ilustrando o verbete < http://en.wikipedia.org/wiki/Maglev_train > “Maglev (transport)” da Wikipedia.

Portanto, não apenas nada há de misterioso na levitação magnética como também ela já vem sendo usada comercialmente.

Mas o que tudo isto tem a ver com nossa interface tátil?

Tudo a ver. Porque foi usando os princípios da levitação magnética que Ralph Hollis desenvolveu seu dispositivo de entrada usando este tipo de interface.

Como veremos na próxima coluna, naturalmente.

 

B. Piropo