< Coluna em Fórum PCs >
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19/03/2007
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Um número muito especial IX: > |
Vamos, afinal, nos encaminhando – se bem que a passos de tartaruga – para o final da série “Um número muito especial” que trata do número Fi, da Razão Áurea e de suas manifestações nos locais mais inesperados. Daqui para frente discutiremos estas manifestações na natureza. Antes, porém, algumas explicações necessárias. Explicação necessária 1: Já lá se vão quase dois meses que foi postada a oitava coluna desta série, “Fi e as artes”. Interromper uma série que estava sendo acompanhada por cerca de cinco mil pacientíssimos leitores para retomá-la quase dois meses depois seria uma imperdoável falta de respeito a esses leitores não tivesse eu uma justificativa de peso. Felizmente (aliás, infelizmente) tenho uma de mais de noventa quilos (os meus), que como sabem aqueles que leram a coluna “O cacto e a pélvis”, levaram-me ao chão com inaceitável violência e me mantiveram deitado desde então. E, como é de conhecimento geral, pelo menos no que toca a meu ofício, trabalhar na cama limita bastante as potencialidades do indivíduo (embora não seja esta a opinião Sua Excelência o ilustre deputado Clodovil Hernandes, notadamente no que diz respeito às mulheres, exceto as feias). Portanto, junto com a explicação, ficam aqui minhas desculpas pelo longo interregno na publicação da série. Explicação necessária 2 (aos meus 58 leitores, aqueles que postaram comentários à coluna anterior onde relato o infausto acontecimento que me trouxe ao leito): transcorridas quatro semanas do acidente (palavra que uso por uma mera questão de autocomiseração em substituição ao termo correto e mais apropriado ao ocorrido, “basbaquice” mesmo), informo que sigo em recuperação acelerada. Já posso me sentar (afirmação que em outras circunstâncias poderia parecer constrangedora, mas no caso de fratura múltipla da pélvis não somente é compreensível como altamente alvissareira) e recupero aos poucos a agradável sensação de desfrutar daqueles imensos prazeres aos quais só se dá valor quando se é privado deles, como dormir de lado e sentar-me para lavar o rosto e dar conta de outras atividades que também são desempenhadas no banheiro. Quanto aos comentários (muitos deles comoventes) lamentando o ocorrido e desejando-me pronta recuperação: muito, mas muito obrigado mesmo. Foram eles e os de mesmo teor que recebi dos alunos das turmas que fui obrigado a abandonar neste semestre que aceleraram – e continuam acelerando – minha recuperação. Se se pode aferir o valor de um colunista pelo de seus leitores, valho muito. E valho por vocês, não por mim. Explicação necessária 3 (e última, prometo): ninguém escreve uma série tão longa sobre um tema, qualquer que seja ele, se não for movido por profundo interesse. E, confesso, as peripécias de Mestre Fibonacci e sua seqüência, o número Fi e sua relação com a Razão Áurea, as manifestações desta relação harmônica nos locais mais inesperados, tudo isto me fascinou. Cada uma das colunas anteriores, acreditem, foi fruto de longas pesquisas não apenas na Internet como também nos velhos livros guardados em minhas estantes e acumulados durante anos a fio durante os quais meu esporte predileto sempre foi a leitura. Agora, preso ao leito ainda que temporariamente, minha mobilidade e capacidade de efetuar pesquisas adicionais ficaram bastante prejudicadas. Por isto, daqui para frente, vou centrar as pesquisas no extraordinário sítio do Prof. Ron Knott sobre o número de Fibonacci, particularmente as duas páginas “Fibonacci Numbers and Nature” < http://www.mcs.surrey.ac.uk/Personal/R.Knott/Fibonacci/fibnat.html > I e < http://www..surrey.ac.uk/Personal/R.Knott/Fibonacci/fibnat2.html > II. Recorrerei a outras, na medida do possível, mas o roteiro básico será o proposto no Sítio do Prof. Knott. Isto posto, chega de desculpas e mãos à obra. Na segunda coluna desta série, “Criando Coelhos”, discutimos a solução do problema proposto por Fibonacci, uma fictícia criação de coelhos e sua árvore genealógica. E vimos que o número de coelhos geração após geração obedecia exatamente à Seqüência de Fibonacci, na qual cada elemento é igual à soma dos dois anteriores. Ora, ocorre que a criação de coelhos de Fibonacci é um problema eminentemente teórico já que obedece a condições rigidamente estabelecidas e pouco realistas, que dificilmente se configurariam na natureza: cada casal de coelho atingiria a maturidade sexual em exatamente dois meses após os quais geraria sempre um casal de descendentes a cada mês. Em suma: um problema de natureza matemática, não biológica. O que não quer dizer que na natureza não possamos encontrar um exemplo de árvore genealógica que obedeça à seqüência de Fibonacci. E o encontraremos entre as abelhas. Abelhas são seres extraordinários. Seu comportamento, a estrutura social das colméias, a rígida distribuição de tarefas entre seus membros, tudo isso daria para escrever um livro (e vários já foram efetivamente escritos). Mas aqui estamos interessados em um aspecto particular desta espécie de insetos: sua proliferação. As abelhas, coitadas, têm uma vida sexual bastante limitada. A imensa maioria das fêmeas de uma colméia jamais cruzam com um macho já que, devido ao efeito da segregação de feromônios pela abelha rainha, nenhuma delas é sexualmente ativa. São as operárias, que dividem entre si as tarefas de administração, organização, defesa contra inimigos naturais e logística da colméia. Nada fazem além de trabalhar. Já os machos, também conhecidos como zangões, não trabalham. Sua única função é a reprodução: fecundar a abelha rainha. Esta é a única das fêmeas de uma colméia que se mantém sexualmente ativa. Seu tamanho é quase o dobro do das operárias e vive de três a seis anos. Dito assim parece que os zangões levam uma vida invejável, o tipo de vida que todo o macho pediu a Deus (sim, eu sei, o ponto de vista é um tanto machista, mas esperem um pouco até ver no que isto vai dar). Mas não é bem assim. Tão logo se torna sexualmente madura, a abelha rainha, o exemplar mais saudável da colméia, se digna a realizar uma cerimônia chamada “vôo nupcial”. Sai da colméia seguida por um séqüito formado por todos os zangões adultos sexualmente maduros, ávidos pela oportunidade de fecundá-la, e voa para o alto, sempre para o alto, cada vez mais alto, obrigando os zangões a um esforço hercúleo no afã de alcançá-la. Esta é a maneira que a natureza encontrou para selecionar os mais aptos, os mais saudáveis, os mais fortes dentre os zangões: no intento de alcançar a rainha, morrem centenas deles devido ao esforço despendido durante o vôo nupcial. Somente alguns a alcançam, aqueles mais resistentes, portanto capazes de gerar a prole mais saudável. A eles (tantos quantos a alcançarem, geralmente de seis a oito) a rainha concede a graça de seus favores conjugais e permite o acasalamento em pleno vôo. O que não lhes é de grande valia já que todos morrem logo após de fecundar a rainha pois seus órgãos genitais serão arrancados e permanecerão presos ao corpo da rainha . Como se vê a vida dos zangões não é nada mole: vivem apenas para fecundar a rainha e todos eles, inclusive os poucos que o conseguem, perderão a vida na tentativa (esta história de horror não é invenção minha, vejam vocês mesmos em < http://www.saudeanimal.com.br/abelha1.htm > “Saúde animal”). Após o vôo nupcial a rainha jamais deixará a colméia novamente. Ela terá acumulado em sua “espermoteca” uma quantidade de sêmen de zangões suficiente para, ao longo de sua vida, fecundar milhares de ovos dos quais nascerão apenas fêmeas. Algumas delas, pouquíssimas, serão alimentadas por uma substância conhecida por “geléia real” e se tornarão novas rainhas. Como em uma colméia só pode haver uma rainha, assim que estas outras atingirem a idade adulta são expulsas juntamente com seu séqüito de algumas centenas de abelhas, um enxame que sai em busca de um local propício para construir nova colméia. As demais fêmeas nascidas dos ovos fecundados serão abelhas operárias que jamais produzirão ovos. Os zangões nascem de ovos da abelha rainha não fecundados. Este é apenas um dos aspectos curiosos da vida das abelhas. E dele se pode colher uma interessante conclusão: cada fêmea operária nascida de um ovo fecundado tem dois ascendentes, um macho (o zangão) e uma fêmea (a abelha rainha). Já os zangões, nascidos de ovos não fecundados, têm apenas um ascendente: sua mãe, a própria abelha rainha. Isso faz com que a “árvore genealógica” de um zangão (ou seja, o conjunto de seus ascendentes, dos ascendentes de seus ascendentes e assim por diante) assuma um aspecto bastante peculiar. Senão vejamos. Não tendo sido fruto de um ovo fecundado, o zangão não tem pai. Tem apenas um ascendente direto, a abelha rainha que o gerou, sua mãe. Esta, sendo fêmea e portanto fruto de um óvulo fecundado, tem dois ascendentes, pai e mãe. Seu pai, por sua vez, sendo macho, também tem apenas uma ascendente, enquanto sua mãe tem dois. O zangão se vê então na inusitada situação de ter apenas três avós: duas fêmeas e um macho. Repita este raciocínio membro a membro para cada ascendente do zangão e terá a estranha e assimétrica árvore genealógica mostrada na Figura 1 até a sétima geração de ascendentes (na qual se usa o símbolo convencional para “macho” e “fêmea”; o símbolo que representa um macho é aquele que está na primeira geração, o zangão, e o que representa a fêmea na segunda, sua – dele, naturalmente – mãe).
Agora repare nos números de ascendentes em cada geração. Não lhe parecem familiares? Pois são mesmo: formam uma seqüência de Fibonacci. E note que desta vez não se tratou de um exercício de aritmética como o proposto pelo próprio Fibonacci no caso dos coelhos, onde condições estritas o tornavam pouco provável de ocorrer na natureza. No caso do exemplo acima, trata-se de um fenômeno absolutamente natural. Ou seja: um exemplo real de ocorrência da Seqüência de Fibonacci na natureza. E poderemos encontrar mais um, ainda no reino das abelhas. Veja lá: considerada a desimportância relativa dos zangões para a colméia (afinal, não trabalham e servem para cumprir uma única função apenas uma vez ao longo de sua vida), é de se esperar que o número de abelhas fêmeas em uma colméia seja maior que o de machos. De fato assim é. O interessante é que a relação entre o número de fêmeas e o de machos em qualquer colméia é sempre a mesma. Se você se der ao trabalho de contá-los e dividir o número de fêmeas pelo de machos, chegará sempre ao mesmo valor (ou a um número muito próximo dele). E aposto que você já adivinhou qual é esse valor. Isso mesmo: 1, 618... O nosso velho conhecido número Fi... (essa informação é curiosa e difícil de ser comprovada, mas eu a encontrei em diversas fontes – alem, é claro, do livro “O Código Da Vinci” de Dan Brown; você mesmo pode consultar uma delas em < http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2004/09/fibonacci_e_o_p.html > “FIBONACCI E O PHI”). E já que falamos em animais estranhos, lembremos de mais um, o náutilus. Náutilus é um animal marinho, mais especificamente um cefalópode, o que o torna um parente, embora distante, do polvo. Ele é praticamente um fóssil vivo, uma espécie (formada por seis subespécies) que se mantém quase inalterada por milênios. E tem ainda a peculiaridade de ser o único cefalópode a apresentar uma concha externa (sim, o polvo também tem uma espécie de concha, porém interna). Como todos os cefalópodes, o náutilus se movimenta usando o mesmo princípio dos aviões a jato: sorve a água e a projeta em alta velocidade através do “hoponoma”, uma estrutura em forma de funil invertido que ele pode apontar para qualquer direção. O princípio físico da conservação da quantidade de movimento (conhecido popularmente por “lei da ação e reação”) provoca o deslocamento do corpo do animal como reação à quantidade de movimento gerada pelo jato de água. Se você tem dúvidas sobre o fato de que o náutilus é aquilo que se pode classificar como “bicho esquisito” dê uma olhada na Figura 2, obtida no sítio da Universidade de Bristol, onde ele aparece de corpo inteiro.
O náutilus é um predador. Não é um bicho pequeno: é do tamanho de uma mão espalmada (seu diâmetro atinge a cerca de 20 cm). Alimenta-se projetando seus tentáculos externos para frente formando um “cone de busca” enquanto se desloca para frente. O que conseguir capturar, geralmente crustáceos e pequenos peixes, é repassado para os tentáculos internos que introduzem o alimento no trato digestivo do animal. Repare na concha do náutilus. Bonita, não? Na verdade é muito mais que isso: é uma obra prima de engenharia náutica. Ela é formada por uma série de compartimentos estanques, cheios de gás. É este artifício que dota o bicho de sua enorme leveza e facilidade de deslocamento, concedendo-lhe certa flutuabilidade. Estas câmaras são separadas por septos e vão se formando à medida que o animal cresce. Seu corpo ocupa apenas a câmara externa. Para crescer, ele gera um novo septo que forma uma nova câmara imediatamente atrás da ocupada por seu corpo, que passa para a da frente. Assim as câmaras vão se formando sucessivamente ao longo da vida do animal. Todas as câmaras são unidas por um fino canal, o “sifúnculo”, que passa pelo centro dos septos e permite ao náutilus controlar sua flutuabilidade. Mas a característica mais interessante da concha do náutilus ainda não foi mencionada. E pode ser claramente percebida na belíssima Figura 3, obtida na página da < http://www.lba.com/ > LBA. Percebeu?
Pois se não percebeu, para ajudar a esclarecer aqui vai mais uma figura, obtida na página < http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2004/09/fibonacci_e_o_p.html > “Fibonacci e o Phi” onde a coisa fica evidente. Sim, a concha do náutilus se desenvolve obedecendo rigidamente à lei da formação da Espiral de Fibonacci que discutimos na sétima coluna desta série. Não foi à toa que Julio Verne escolheu seu nome para batizar o submarino do capitão Nemo...
Estes são apenas alguns exemplos da ocorrência do número Fi, da Seqüência de Fibonacci e da Razão Áurea no reino animal. Exemplos adicionais podem ser encontrados em “The Golden Section in Nature”, nas páginas < http://goldennumber.net/nature.htm > “Animals 1” e < http://goldennumber.net/nature2.htm > “Animals 2”. Na próxima coluna desta série examinaremos um tema muito mais rico: as manifestações de Fi no reino vegetal. Até lá. B. Piropo |