< Coluna em Fórum PCs >
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19/06/2006
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< Usabilidade II: Como aferir? > |
Usabilidade é uma palavra nova. Na verdade, é uma palavra inexistente em português. Como a maioria das palavras “inventadas”, ela é fruto da preguiça ou ignorância (desconhecimento de como traduzir o original). Foi macaqueada do inglês, como “printar”, “estartar”, “bootar” e tantas outras que “enfeitam” o jargão da informática e (ainda) não consta dos bons dicionários como o Houaiss e Aurélio. Mas já está na < http://pt.wikipedia.org/wiki/Usabilidade > versão em português da Wikipedia, segundo a qual “é um termo usado para definir a facilidade com que as pessoas podem empregar uma ferramenta ou objeto a fim de realizar uma tarefa específica” (em português, o equivalente a isto seria “facilidade de uso”, mas esta é uma expressão demasiadamente longa, dá mais trabalho de usar e a maior parte dos “ténicos” que criam o jargão da informática acha mais fácil empregar “usabilidade” mesmo). E, no mesmo tópico, especificamente sobre computadores, diz ainda a edição portuguesa da Wikipedia: “Na Interação Humano-computador e na Ciência da Computação, usabilidade normalmente se refere a (original sem crase, estou apenas citando) simplicidade e facilidade com que uma interface, um programa de computador ou um website (de novo, apenas citando...) pode ser utilizado”. O termo, portanto, é espúrio mas perfeitamente definido. E nem por isso bem compreendido. A primeira vez que ouvi falar dele, confesso, senti um certo ar de, digamos, refrescância (como se sabe, “refrescância” é uma palavra inventada nos meios publicitários para substituir o termo “frescura” após este último haver adquirido um significado pouco lisonjeiro). Afinal, pensava eu, um programa é um programa, seus menus e a forma pela qual o usuário deve interagir com ele foram concebidos pelo programador, quem quiser usá-lo que se dê ao trabalho de aprender e quem não gostar que não use. Um conceito que, hoje percebo, é no mínimo paleolítico (isso para não ofender a mim mesmo empregando a classificação de “estúpido”, bem mais adequada, admito; mas, se envelhecer traz alguma coisa de bom, é justamente o fato de nos permitir reformular conceitos à medida que os fatos são melhor avaliados). Com o tempo evoluíram tanto a informática quanto meus conceitos sobre as coisas e programas e hoje percebo a usabilidade como um atributo essencial de programas e sistemas operacionais (como de resto de qualquer outra ferramenta concebida pelo engenho humano). Mas, para lá chegar, tanto a informática quanto eu tivemos que percorrer um longo caminho. Que passou pelos laboratórios de usabilidade da IBM em Boca Raton. Boca Raton é uma pequena cidade da costa Leste da Flórida, EUA, que abrigou na segunda metade do século passado um complexo de escritórios e fábricas da IBM. Ali foram montadas algumas das mais conhecidas máquinas de grande porte da então líder absoluta do mercado da informática, inclusive a legendária System/360 e toda a Series/1. No início dos anos 80, em um dos prédios deste complexo, Don Estridge e sua equipe desenvolveram uma pequena máquina que fez história: o PC da IBM, lançado em agosto de 1982 e que deu origem à “linha PC”. No final dos anos 80 as fábricas da IBM em Boca Raton deram lugar a escritórios e laboratórios onde foram desenvolvidos alguns produtos da linha de software da empresa, entre os quais o sistema operacional OS/2 e o programa de reconhecimento de voz ViaVoice. Em 1996 a IBM encerrou suas atividades no local e vendeu o complexo que hoje é ocupado pelo T-REX Management Consortium. Mas as instalações não perderam seu valor histórico: uma busca por “birthplace of the IBM PC” leva ao < http://virtualglobetrotting.com/map/15141/ > Virtual Globetrotting e exibe a localização e descrição do prédio. Cuja foto (obtida no verbete Boca Raton da Wikipedia em inglês) é mostrada abaixo.
Pois bem: lá pelos idos de 1994 participei de um evento da IBM para a imprensa internacional sobre o OS/2 em Boca Raton. E, para demonstrar como a interface com o usuário do novo sistema operacional havia sido desenvolvida, os organizadores do evento levaram o grupo de participantes aos laboratórios de usabilidade da empresa. Que, por acaso, ocupavam exatamente o mesmo prédio em que trabalhou a equipe de Estridge. Um sítio histórico. Fiz algumas fotos do local, mas foram devoradas pelo tempo ou consumidas pela implacável lei universal da perversidade da matéria, também conhecida por “lei da aporrinhação máxima”, que faz com que as coisas desapareçam quando mais se precisa delas (não, naquela época infelizmente ainda não havia câmaras digitais, por isso não tenho cópias das fotos em meus discos rígidos). Mas posso ilustrar o assunto com uma foto de um outro laboratório de usabilidade, o da Sun, obtida no sítio < http://www.sun.com/usability/ > Sun Usability Labs and Services. Que serve perfeitamente já que os laboratórios em questão eram bastante semelhantes.
Repare na foto. São dois ambientes separados por um vidro. No fundo, por detrás do vidro, vê-se uma pessoa usando um computador em uma sala semelhante a um escritório comum. Em primeiro plano mais três pessoas, uma delas tomando notas, acompanham interessadíssimas o que se desenrola na sala tanto através do vidro quanto em um conjunto de quatro monitores. O vidro, naturalmente, só possibilita visão em um sentido, permitindo que a pessoa da sala ao fundo se sinta isolada, como se estivesse sozinha trabalhando em seu escritório. Qualquer eventual comunicação entre ela e a equipe de observadores será feita através de telefones (na verdade o ideal é não haver qualquer tipo de comunicação). Os monitores que estão sendo observados mostram a própria tela do micro operado pela pessoa e três diferentes enquadramentos dela, obtidos por câmaras discretamente localizadas no interior do “escritório”. Além da análise dos observadores, todos os gestos da pessoa, as teclas eventualmente acionadas, os movimentos do mouse e o conteúdo de seu monitor estão sendo gravados, além de eventuais sons por ela produzidos. Os laboratórios que visitei não eram muito diferentes. Neles havia diversas “salas”, algumas simulando escritórios, outras simulando o ambiente doméstico. No interior de cada uma, um usuário e seu micro. Do outro lado do vidro, uma equipe de observadores. Os usuários (remunerados) eram recrutados na comunidade vizinha entre grupos específicos, classificados de acordo com seu conhecimento de computadores: usuários domésticos e corporativos, principiantes ou experimentados. Todos eles estavam tentando executar uma tarefa solicitada pelos analistas. As tarefas envolviam atividades comuns com o micro, como “crie e grave um arquivo de texto”, “encontre um arquivo no disco rígido” e coisas que tais, algumas bastante complexas. Cada passo, cada tentativa infrutífera, era registrado, cronometrado, analisado e gravado. Depois, o usuário preenchia um relatório e era interrogado por especialistas sobre as dificuldades ou facilidades encontradas para realizar a tarefa solicitada. E tudo isto era submetido à apreciação de uma equipe multidisciplinar que além de programadores incluía psicólogos, fisiologistas e diversos outros profissionais especializados. Para que possamos avaliar efetivamente a eficácia deste procedimento precisamos conhecer um pouco mais sobre “usabilidade”. Uma boa fonte é o sítio < http://www.usabilityfirst.com/ > Usability First, ao qual sugiro uma visita. Mas, para facilitar, aqui vai um resumo dos pontos essenciais nele abordados. Segundo o tópico “Introduction to Usability”, usabilidade tem a ver com a relação entre as ferramentas e seus usuários. Uma ferramenta eficaz é aquela que permite aos usuários alcançar seus objetivos da melhor forma possível, um conceito que se aplica igualmente a computadores, sítios da Internet e qualquer tipo de programa: para que funcionem, seus usuários devem poder usá-los de forma eficaz. Ainda segundo o mesmo tópico a usabilidade depende de diversos fatores, incluindo a forma como a funcionalidade da ferramenta atende às necessidades dos usuários, como o “caminho” através do aplicativo facilita a execução das tarefas e como a “resposta” do aplicativo atende às expectativas do usuário. O tópico menciona ainda um ponto que evidencia a importância dos laboratórios de usabilidade: pode-se aprender a conceber melhores interfaces estudando os princípios e regras de desenvolvimento e projeto, mas nem mesmo o desenvolvedor mais criterioso e intuitivo pode desprezar as informações obtidas diretamente dos usuários. Em outras palavras: por mais genial que seja o desenvolvedor, nada substitui a observação da reação dos usuários. O artigo arrola ainda um conjunto de qualidades que colaboram para aumentar a usabilidade de um sistema além da facilidade de usá-lo: facilidade de aprender a usá-lo, facilidade de lembrar-se de como usá-lo, tolerância a erros cometidos pelo usuário e (um conceito puramente subjetivo) ser “agradável” de usar (voltaremos a estes itens mais adiante). Prosseguindo, o artigo sublinha a importância da usabilidade tanto do ponto de vista do usuário, para o qual pode significar a diferença entre realizar ou não sua tarefa de forma precisa e se sentir realizado ou frustrado, quanto do ponto de vista do desenvolvedor, para o qual pode significar a diferença entre um sistema bem sucedido ou um fracasso. Sem esquecer o ponto de vista do administrador, para quem um sistema de baixo nível de usabilidade pode fazer com que, com ele, a produtividade de sua equipe de trabalho seja menor do que sem ele. Em resumo: a parca usabilidade pode exigir maior dispêndio de tempo e esforço e influir decisivamente no sucesso ou fracasso do sistema. Porque, sempre que lhes for dada a possibilidade de escolher, os usuários preferirão sistemas mais amigáveis. Por fim, antes de informar como se pode aprender mais sobre usabilidade oferecendo um atalho para uma < http://www.usabilityfirst.com/intro/courses.txl > lista de cursos de usabilidade e descrever alguns de seus campos de aplicação (com destaque para a interação entre o homem e o computador), o artigo discute como atingir um nível adequado de usabilidade destacando que o princípio fundamental para maximizá-la é empregar um “projeto iterativo” que vai se refinando paulatinamente através de avaliações sucessivas desde seus estágios iniciais, permitindo que as opiniões dos usuários e clientes sejam a ele incorporadas. E acrescenta que o método preferido para assegurar uma boa usabilidade é solicitar a usuários reais que testem o sistema e forneçam suas opiniões. Testes estes que, naturalmente, devem ser realizados em laboratórios de usabilidade durante toda a fase de desenvolvimento do sistema. Antes de voltar ao laboratório de usabilidade, algumas observações interessantes. O tema “usabilidade” vem adquirindo cada vez mais importância. E como um de seus campos de aplicação mais relevante é justamente o desenvolvimento de sítios da Internet, nela se pode encontrar uma imensa quantidade de informações à respeito (a grande maioria em inglês, infelizmente). Para quem estiver particularmente interessado no tema, aqui vão alguns exemplos: < http://dkc.jhu.edu/~teal/usability_resources.html > “Human-Computer Interaction and Usability Resources on the Web”, com atalhos para dezenas de sítios contendo informações preciosas sobre o assunto; < http://www.stcsig.org/usability/index.html > “Usability & User Experience Community”, que além de conter diversos artigos sobre o tema, inclui uma seção extremamente didática, “Topics in Usability”; uma excelente < http://hci.cs.concordia.ca/www/lab/faq_usability.html > lista de respostas a perguntas freqüentes sobre o assunto no sítio do Human Centered Software Engineering Group; e, finalmente mas definitivamente não menos importante, o excelente manual ( em formato PDF) < http://www.usability.gov/pdfs/ > Research-Based Web Design & Usability Guidelines, produzido pelo US Department of Health and Human Services, um guia ilustrado especificamente sobre a incorporação de conceitos de usabilidade no desenvolvimento de sítios da Internet. Mas, voltando ao laboratório: como a coisa funciona? Pense um pouco: como é que você aprendeu a usar seus programas? Instalou conforme as instruções, leu todo o manual e somente então começou a trabalhar? Será que existe alguém que aja assim? Onde? Eu sei, sempre existem os maníacos que lêem manuais, mas somos tão poucos que definitivamente não fazemos diferença (sim, sou um deles, afinal de onde vocês imaginam que saem tantas Dicas?). O que a maioria dos usuários faz mesmo após instalar é usar o programa imediatamente. E aprender a usar através do próprio uso. Principalmente se rodam Windows, onde existe uma padronização razoável de recursos e atributos distribuídos nos mesmos conjuntos de menus – ou em conjuntos notavelmente semelhantes. Então, voltemos às qualidades que uma interface de boa usabilidade deve possuir: facilidade de uso, de aprendizado, de memorização, tolerância a erros e dar prazer em usar. É sobre estes cinco pilares que se apóia a usabilidade. Daí a importância do laboratório. Primeiro, o usuário é instruído a executar uma tarefa sem que lhe seja dada qualquer instrução sobre como fazê-lo. Em seguida é observado enquanto tenta cumprir sua missão. Os “caminhos” que tenta percorrer para atingir seus objetivos são anotados e analisados. Conseguiu um resultado positivo com facilidade? Por que clicou aqui e não ali? Por que escolheu este e não aquele menu? Os erros cometidos durante as tentativas são igualmente sopesados. Algum deles resultou em prejuízo, como remoção de um arquivo ou desperdício de parte do trabalho já realizado? (se positivo, a interface peca por não ser “tolerante a erros”). Depois, são observadas as respostas do usuário a um questionário padrão e comparadas com as obtidas de outros usuários (sim, os resultados dos testes de usabilidade são obtidos a partir de métodos estatísticos e para que se tenha uma amostra representativa é necessária a participação de um número significativo de usuários com diferentes graus de experiência). E finalmente os usuários são entrevistados pela equipe de analistas. Achou a interface fácil de operar? Quais foram as maiores dificuldades que encontrou? No caso de haver cometido algum engano ou adotado uma seqüência equivocada de ações, o que acredita que o levou a cometer o erro? Teria alguma sugestão para melhorar a interface? Acha que algo deve ser alterado? E, finalmente: a experiência de interagir com o programa foi prazerosa ou se constituiu em uma obrigação desagradável? O conjunto dos dados é analisado por especialistas que levam em conta não apenas o comportamento de cada usuário durante a sessão de laboratório como também sua experiência anterior (por exemplo: usuários que estão habituados a usar certos programas em suas atividades diárias tendem a adotar os mesmos procedimentos que já conhecem do “outro” programa e isso deve ser considerado). E se o mesmo erro foi cometido por um grande número de usuários, não importa quanto o procedimento exigido pela interface pareça correto: claramente ele está induzindo a erro e precisa ser mudado. Isto feito, são implementadas as alterações que a equipe de analistas achou convenientes e todo o processo é reiniciado (é isso que caracteriza um “processo iterativo”: os resultados são obtidos por iterações sucessivas, ou seja, as alterações são implementadas, sua funcionalidade é testada através da resposta dos usuários e com base nisto novas alterações são implementadas e testadas, assim prosseguindo até chegar-se a um produto final bem acabado). Um ponto importante a considerar – e que vai ser bastante realçado nas próximas colunas desta série, quando analisarmos as novas interfaces de Vista e Office 2007 desde o ponto de vista da usabilidade – é a facilidade de aprendizado. Uma característica que os americanos estão começando a chamar de “discoverability” (o que provavelmente em breve levará um bando de beócios a discorrer sobre “descobribilidade”, estuprando nosso idioma que tem o elegante termo “intuitivo” para designar “aquilo que é fácil de descobrir como se faz”). Em outras palavras: é imprescindível que uma boa interface seja intuitiva. E a razão é simples. Em recente artigo sobre a nova interface do Office 2007, Ou seja: não importando se isto se deve à baixa “descobribilidade” da velha interface ou ao fato dela não ser suficientemente intuitiva, a MS decidiu fazer alterações substanciais. E fez. Na próxima coluna (sem discutir se o produto é melhor ou pior que seus concorrentes ou se a Microsoft é a fada ou a bruxa do mercado da informática) vamos examinar algumas dessas alterações estritamente do ponto de vista da usabilidade da futura interface. E verificar se ela será ou não mais intuitiva que a atual. Até lá. B. Piropo |