Nas últimas cinco colunas temos nos dedicados a discutir portas lógicas e diagramas de circuitos digitais. Agora, que já temos material teórico suficiente, podemos nos aventurar a explorar alguns aspectos práticos do assunto que vimos discutindo, os circuitos internos de nossos computadores. Que, em sua imensa maioria, recaem em duas categorias: circuitos impressos e circuito integrados.
Para entendermos o que são precisaremos recuar até um tempo em que eles não existiam, a época das nossa velhas conhecidas válvulas, cujo funcionamento chegamos a descrever na oitava coluna desta série, “Válvulas e Transistores”. Mas não chegamos a mencionar os circuitos onde elas eram inseridas, os primeiros circuitos “eletrônicos” (sim, as válvulas deram origem à eletrônica). Como seriam estes circuitos?
Certamente bastante diferentes dos circuitos modernos. Veja, na Figura 1 (uma montagem de duas fotos obtidas na < http://www.schmarder.com/radios/tube/12at7-6ak6.htm > “Dave’s homemade rádios”), o aspecto de um típico rádio de válvulas dos anos quarenta (do século passado, naturalmente; o diagrama do circuito pode ser encontrado na mesma página do Dave Schmarder). Trata-se de um rádio de três válvulas mostrado sem a caixa. Note na parte superior da figura como, vista de cima, a montagem parece “limpa” no chassis metálico. Agora repare na parte de baixo, uma vista inferior do mesmo chassis: a montagem torna-se um emaranhado de fios que mais parece um ninho de ratos. Se vocês prometerem guardar segredo para que eu não venha a parecer um dinossauro da informática eu confesso que cheguei a montar uma trapizonga dessas no final dos anos sessenta. Acreditem: soldar aquele monte de fios sem fazer com que nenhuma ponta desencapada tocasse no chassis ou em outro condutor era tarefa que exigia uma perícia considerável.
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Figura 1: Chassis de rádio de três válvulas |
O problema é que, na prática, trabalhar com válvulas impunha a obrigação de usar esse chassis metálico, um trambolho. As válvulas eram grandes, tinham que ser encaixadas em “soquetes”, dissipavam muita energia e exigiam condutores mais grossos devido à intensidade de corrente que transportavam. Por isso era imprescindível trabalhar em uma base sólida fornecida pelo chassis.
Circuitos Impressos
Com o advento dos transistores, mudou tudo. Eles faziam o mesmo papel das válvulas, porém consumiam muito menos potência, exigiam condutores elétricos muito mais finos e seu tamanho e peso eram quase desprezíveis se comparados aos das válvulas. Com eles surgiram os “circuitos impressos”.
Um circuito impresso tem esse nome porque, em vez de usar fios e cabos para conduzir a eletricidade, emprega condutores metálicos que parecem desenhados (ou “impressos”) em uma lâmina de material isolante, como teflon ou fibra de vidro.
Seu emprego – e o uso dos transistores, naturalmente – revolucionou o campo dos circuitos eletrônicos. Os projetos passaram a assumir o aspecto do mostrado na Figura 2 que, aliás, corresponde a um circuito interessante e funcional: um dispositivo de segurança para latas de biscoitos, que faz soar um alarme sempre que a lata é aberta. Ele é um exemplo de um dos muitos circuitos eletrônicos disponíveis no sítio educacional britânico < http://www.doctronics.co.uk/ > “Doctronics Educational Publishing” e seu detalhamento, assim como as instruções para montagem, podem ser encontrados em < http://www.doctronics.co.uk/biscuit.htm > “Biscuit tin alarm” (isto é sério, o sítio existe e o circuito foi projetado para fins educacionais; para quem se interessa por montagens eletrônicas vale uma visita não somente por este como também pelos demais circuitos simples lá contidos).
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Figura 2: diagrama do circuito “Alarme de lata de biscoitos” |
O circuito inteiro é montado em uma lâmina retangular de material isolante. Tipicamente, como no circuito da Figura 2, na face superior, mostrada no alto da figura, ficam os componentes. Na face inferior, mostrada na parte de baixo da figura, fica o circuito propriamente dito, formado pelas listras negras (de cobre, que funcionam como condutores). Os pontos mais largos no corpo das listras e nas suas extremidades correspondem aos locais onde serão soldados os terminais metálicos dos componentes (nesta figura, como é comum ao se detalhar circuitos impressos para montagem, o “desenho” do circuito aparece como se fosse visto de cima, através da placa isolante, para ajudar a compreensão da interligação dos componentes; para que o circuito possa ser efetivamente implementado na placa a figura deve ser invertida, como se vista no espelho).
Os circuitos impressos comerciais são fabricados em série. Mas nada impede que você “fabrique” o da figura. Basta comprar a base, uma placa retangular de material isolante com uma das faces revestida por uma fina lâmina de cobre, desenhar cuidadosamente sobre ela o circuito mostrado na parte de baixo da figura, recobri-lo com um material inerte (eu já fiz muitos deles usando esmalte de unhas), remover cuidadosamente o material em excesso de tal forma que o revestimento permaneça apenas sobre os locais desenhados em preto e deixar a placa “de molho” em uma solução de cloreto férrico. O cloreto férrico é um material corrosivo que reage com o revestimento de cobre, dissolvendo-o. Como o material inerte protege o cobre no local onde foi aplicado, o resultado será uma placa de material isolante revestida de cobre apenas onde está o “desenho” do circuito. Para quem a examina, depois de removido o material inerte (com acetona comum, por exemplo) parece que o circuito foi impresso em cobre sobre a placa. Agora é só usar uma furadeira manual para fazer os pequenos furos nos locais onde os terminais dos componentes serão soldados, encaixar os componentes do lado oposto da placa fazendo seus terminais atravessarem os furos, soldar cada um deles nos pontos devidos do revestimento de cobre e remover o excesso com um alicate de corte. A montagem está feita. As placas-mãe e as placas controladoras de nossos computadores são circuitos impressos. E veja, na Figura 3 (obtida no sítio < http://www.datamath.org/Related/HewlettPackard/JPEG_HP35.htm > Datamath Calculator Museum) o circuito da calculadora HP-35, particularmente ilustrativo por ter condutores e componentes em ambas as faces da placa. Repare que ele usa diversos tipos de componentes eletrônicos, de resistores a capacitores, passando por bobinas e transistores. E também circuitos integrados, ou CIs, nosso próximo tópico.
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Figura 3: Circuito impresso com componentes |
Circuitos Integrados
Lembre que cada circuito tem um objetivo. O do rádio da Figura 1, por exemplo, é interligar os componentes de um dispositivo que capta radiação eletromagnética e a transforma em som audível. O da calculadora da Figura 3 é receber dados através de um teclado, efetuar cálculos com eles e exibir os resultados em um mostrador. Os circuitos lógicos não são diferentes. Tanto assim que já discutimos os objetivos de alguns deles, como os circuitos somadores, multiplexadores, decodificadores e flip-flops.
Circuitos lógicos são montados combinando-se portas lógicas. E portas lógicas são obtidas mediante a combinação de transistores, como bem sabem todos os que leram a décima coluna desta série, “Portas Lógicas”.
Já vimos que sempre é possível conceber um circuito eletrônico composto apenas por portas lógicas para implementar qualquer função lógica. Estes circuitos nada mais são que um conjunto de transistores convenientemente interligados. Nada impede que se monte um deles utilizando, por exemplo, uma placa de circuito impresso. O circuito funcionará perfeitamente desde que as conexões sejam feitas da forma adequada.
Mas com que se parece um transistor? Quais são suas dimensões?
Bem, há transistores de diversos tamanhos. Todos, porém, mesmo os maiores, aqueles capazes de manejar altas potências, podem ser considerados pequenos se comparados às suas irmãs mais velhas, as válvulas. Veja, na Figura 4 (obtida no sítio alemão < http://www.at-mix.de/transistor.htm > @t-mix), quatro transistores mostrados ao lado de uma escala graduada em centímetros.
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Figura 4: Transistores |
Os quatro transistores da figura diferem sobretudo no que toca ao “encapsulamento”, ou seu invólucro protetor. O da esquerda, o menor de todos, é um transistor de baixa potência que usa um encapsulamento plástico. Os dois do meio são transistores capazes de manejar uma potência média e por isso usam encapsulamento metálico. O maior é um transistor de alta potência que não somente usa encapsulamento metálico como é feito para ser aparafusado firmemente a uma placa também metálica cuja função é dissipar o calor gerado durante sua operação. Mas ainda assim seu tamanho pode ser considerado pequeno, com um núcleo cilíndrico cujo diâmetro mal chega a dois centímetros, enquanto o menor não passa de uns poucos milímetros.
O mais surpreendente, porém, é que quase todo o tamanho do transistor deve-se a seu encapsulamento. Porque os elementos ativos, ou seja, os pequenos pedaços de silício “dopados” com impurezas, são muitíssimo menores. Nos transistores mostrados na figura eles podem medir frações de milímetro.
Ora, se um circuito lógico nada mais é que a combinação de portas lógicas, cada uma delas constituída por um conjunto de transistores e se os elementos ativos dos transistores são tão minúsculos, não custou muito para que a indústria da eletrônica percebesse que seria mais fácil, mais conveniente, mais barato e, sobretudo, mais funcional fabricar os circuitos de tal forma que seus elementos fossem conectados diretamente no interior de um único encapsulamento. E assim foi feito.
Um circuito cujos componentes estão contidos (ou se integram) no mesmo encapsulamento recebe o nome de “circuito integrado”, ou CI.
Um circuito integrado é, portanto, um dispositivo formado pela combinação de portas lógicas (compostas por transistores) que implementam uma determinada função com o objetivo de cumprir uma tarefa específica. Há CIs capazes de executar todas as funções lógicas descritas nas colunas anteriores e muitas outras (circuitos contadores, somadores, multiplicadores, comparadores, etc.). Cada CI é capaz de executar a função para a qual foi concebido e apenas ela.
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Figura 5: diagrama esquemático de um CI |
Veja, na Figura 5 (obtida no sítio britânico < http://www.mysticmeg.co.uk/reference/encyclopaedia/hutchinson/m0030289.html > Tiscali) um esquema de um CI típico de encapsulamento plástico, tipo DIP (Dual Inline Package) de 18 terminais. Veja suas dimensões. São tão pequenos que também são conhecidos pelo nome de “chips” (em inglês, o nome que se dá a um pequeno pedaço ou “lasca” de madeira). Note que, apesar de suas pequenas dimensões, seu núcleo de silício, mostrado em azul no interior do encapsulamento é ainda menor. As dimensões do encapsulamento servem basicamente para garantir o espaçamento padrão entre os terminais (um décimo de polegada, pouco mais de dois e meio milímetros) necessário para que eles possam ser encaixados em um soquete ou diretamente nos furos de um circuito impresso e soldados aos condutores, como os mostrados na Figura 3.
Os CIs, como vimos, cumprem uma função determinada. Para que possam fazê-lo devem ser capazes de receber dados (entrada) e enviá-los de volta ao mundo exterior (saída). Sua comunicação com este mundo exterior é garantida pelos terminais metálicos que se conectam a condutores elétricos que compõem circuitos mais complexos em geral implementados em placas de circuito impresso (veja novamente a Figura 3).
Tanto os dados de entrada como os de saída são codificados sob a forma de valores numéricos expressos no sistema binário (grandezas digitalizadas) de tal maneira que a presença de uma tensão positiva em um terminal é interpretada como “1” e a ausência (tensão nula) como “0”. Os dados de entrada são introduzidos em um CI por meio de pulsos de tensões elétricas que chegam aos terminais de entrada através dos condutores a que estão ligados. Da mesma forma, os dados de saída são fornecidos por meio de pulsos de tensões elétricas aplicados aos terminais de saída e transportados para os demais componentes através do barramento.
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Figura 6: Circuito Integrado |
Há circuitos integrados de diversos tamanhos, tipos e funções, desde o mostrado na Figura 6 (uma imagem real de um CI similar ao do diagrama esquemático da Figura 5) que contém algumas dezenas de milhares de transistores até circuitos integrados extraordinariamente mais complexos e “inteligentes” (ou seja, capazes de cumprir múltiplas funções de acordo com comandos ou “instruções” a eles fornecidos).
Circuitos integrados como estes últimos podem ter uma quantidade imensa de transistores contidas em um encapsulamento relativamente pequeno.
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Figura 7: Itanium 2 da Intel |
Veja, na Figura 7, um desses “chips”. Trata-se do Itanium-2 de núcleo duplo, um CI cuja maior dimensão não excede a dez centímetros e que, não obstante, contém o quase inacreditável número de 1,7 bilhão de transistores.
Este tipo de CI é conhecido por microprocessador, unidade central de processamento ou UCP, o “coração” de nossos computadores.
Cuja arquitetura interna será o assunto da próxima coluna desta série.
B.
Piropo