< Coluna em Fórum PCs >
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13/06/2005
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< Mudança de Rumo > |
Vocês já devem ter visto pela foto que enfeia essa coluna que não sou propriamente um menino. Muito pelo contrário: sou idoso. E não me refiro a um estado de espírito, mas a critérios quantitativos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, idoso é quem tem mais de sessenta anos. Segundo o Metrô do Rio de Janeiro, um pouco mais rigoroso já que se trata de grana (idoso não paga), o limiar é um pouco mais alto: sessenta e cinco. Pois me enquadro em ambos. Agora, volte lá para a página de abertura do FórumPCs e repare nos retratos dos demais colunistas. Tirante o Ramalho, que fica assim meio de banda para esconder os cabelos grisalhos, todo o resto pode ser enquadrado em uma das categorias que vão de garotão a jovem (não se deixe enganar pelos cabelos do Laércio, que em vez de embranquecer, azularam: também ele é jovem). Todos, quiçá incluindo o próprio Ramalho, têm idade para ser meus filhos. E aposto que a maioria é, realmente, mais jovem que meu filho. Como explicar, no meio de tantos jovens, a presença desse coroa escrevendo sobre informática? Será que ele trabalhou com computadores a válvula e viveu a era do byte lascado? Não. Meu primeiro computador foi comprado na segunda metade dos anos oitenta, portanto há menos de vinte anos (sim, eu sei que para a maioria de vocês vinte anos é uma eternidade, mas não se esqueçam que sou idoso e para mim, com diz o belo tango argentino, “ veinte años no es nada”). Tem muita gente aqui no Fórum com mais experiência do que eu nas lides com computadores pessoais. Então, como explicar? Vou tentar. Sou um engenheiro civil, formado em 1963, especializado em obras hidráulicas, que se dedicou ao tratamento de efluentes líquidos orgânicos (quer dizer: esgotos, para os íntimos), disciplina que até hoje leciono. Entrei na Universidade no final da década de cinqüenta, portanto há meio século. Naquela época não se estudava informática exceto em cursos altamente especializados pela simples razão que quase não havia computadores e os que havia eram as chamadas máquinas de grande porte, ou “mainframes”. Computadores pessoais, então, eram um sonho. Quer ter uma idéia? Então aprecie a foto abaixo, que me foi enviada pelo amigo Eduardo Lamarca. Não é um computador, é apenas um modelo, uma concepção futurística criada em 1954. Se eu simplesmente escrever aqui o que eles imaginavam que essa trapizonga viria a ser, provavelmente você não acreditaria. Por isso mantive a legenda da foto, que vou tentar traduzir abaixo.
Diz a legenda, escrita há 51 anos: “Cientistas da RAND Corporation criaram esse modelo para ilustrar como seria um 'computador doméstico' no ano 2004. Entretanto a tecnologia necessária não será economicamente viável para a residência média. Os cientistas também admitem que, para funcionar, este computador vai necessitar de tecnologia que ainda não foi inventada, mas espera-se que nos próximos 50 anos o progresso científico resolva tais problemas. Com uma interface similar à do teletipo e usando linguagem FORTRAN, esse computador será fácil de operar”. Traduzindo em miúdos: essa era a concepção que se fazia de como viria a ser um computador pessoal em 2004. Eu não sei quais seriam as capacidades de processamento e memória imaginadas para esse trambolho, mas garanto que haveriam de ser menores que as de meu relógio de pulso, que também usa um processador. Olhando para a foto que exibe a concepção que se fazia de um computador pessoal poucos anos antes de eu entrar para a Universidade fica fácil entender porque naquela época não se estudava informática nas Escolas de engenharia (eu já conhecia essa foto e já a examinei detidamente; nela, o que mais me intriga são aqueles dois enormes volantes concêntricos que ficam atrás do braço esquerdo do cavalheiro, possivelmente o pimpão usuário do “macrocomputador doméstico”; para que diabos os cientistas imaginaram que aquelas coisas serviriam?). Ao me formar em 1963, eu sabia tudo o que precisava saber sobre engenharia civil e suas aplicações em obras hidráulicas e saneamento. Mas não tinha a menor idéia do que fosse um byte. É claro que isso não me impediu de trabalhar. E muito menos de ser um bom profissional (como se vê, a modéstia não está incluída no rol de minhas qualidades). Vinte e cinco anos depois eu já tinha me firmado profissionalmente, já havia publicado diversos trabalhos técnicos, militava na minha área de especialização, era professor universitário e consultor autônomo. Minhas atividades principais eram operar e projetar instalações de tratamento de efluentes líquidos domésticos e industriais na qualidade de engenheiro de processo. Foi então que eu comecei a perceber que alguma coisa estava mudando no meu campo de trabalho. Primeiro, começaram a aparecer nas reuniões de discussão de projetos uns jovens introvertidos, quase todos de óculos e barba crescida ou por fazer. Ficavam quietos quase todo o tempo. Só se manifestavam quando o assunto envolvia cálculos. Muitas vezes quando, durante as discussões de um projeto, alguém propunha uma ou outra alteração no dimensionamento e eu retrucava que aquilo exigiria uma ou duas semanas apenas para recalcular todo o processo, um daqueles garotos levantava o braço timidamente e, quando lhe davam atenção, dizia tranqüilamente: “não precisa de todo esse tempo não senhor, amanhã mesmo os cálculos ficam prontos”. E, para minha surpresa e indignação, na reunião da manhã seguinte eles traziam a solução em um maço de folhas recém saídas de uma impressora matricial. Quem eram aqueles caras que estavam invadindo minha praia? Que mágica eles usavam para fazer em uma noite os cálculos que eu, especialista calejado, levaria mais de uma semana para completar? Os caras eram, naturalmente, os “computer guys”, ou garotos do computador. E a mágica chamava-se “planilha eletrônica”. Naquela altura dos acontecimentos eu podia não estar atualizado, mas burro nunca fui (não falei que não sou modesto?). Portanto não me custou concluir que se eu não começasse a me entender com aquela máquina que despontava como equipamento profissional indispensável, teria que abandonar a engenharia. E foi assim que eu fui levado a comprar meu primeiro computador. Um micro de oito bits da linha MSX que, devido à falta de aplicativos profissionais, foi logo sucedido por um reluzente PC. Na verdade um XT com CPU 8086 que rodava DOS 3.2 Mas como usar aquela coisa? Cursos, quase não havia. Como o Laércio ainda era menino, para fazer meu primeiro curso de montagem tive que tirar férias e ir para São Paulo. Livros, poucos e ruins. Caderno de informática, nem pensar. Havia a coluna da Cora Rónai, então no Jornal do Brasil, que eu esperava ansiosamente para ler toda segunda-feira. E mais nada. Não vou me alongar muito no assunto, mesmo porque não faz sentido reclamar do passado. Mas a coisa era mais ou menos assim: a máquina era complicada, pouca gente entendia dela, quem entendia não queria ensinar e quem queria ensinar não sabia como. Eu comecei decorando comandos do DOS, que anotava cuidadosamente em um caderno e usava como se fossem palavras mágicas, cabalísticas, capazes de efetuar o aparente milagre de fazer aquela maldita máquina funcionar mais ou menos como eu esperava que ela funcionasse – o que nem sempre acontecia. Lembro até hoje do terror que senti ao receber minha primeira mensagem de “erro fatal”. Deus do céu, pensei eu, quem ou o que será que eu acabo de matar? Levei algum tempo para descobrir que, na informática, o termo “fatal” é menos dramático que na vida real. Em suma: tive que aprender sozinho. E comi o pão que o diabo amassou. Mas como nunca fui de recuar diante de problemas, enquanto aprendia tomei duas decisões. A primeira: iria, custasse o que custasse, descobrir como aquela coisa funcionava. A segunda: quando o fizesse, faria também todo o possível para compartilhar esse conhecimento com quem quer que precisasse dele, para evitar que passassem os maus bocados que passei tentando aprender com quem não sabia ou não queria ensinar, usando palavras complicadas para posar de especialista e esconder a própria ignorância. Eu, pelo contrário, quando adquirisse algum conhecimento, tentaria explicá-lo da forma mais clara e simples que conseguisse, desmistificando uma coisa que na verdade é fácil e só parece complicada porque não se encontra quem a exponha de forma compreensível. A primeira decisão jamais consegui cumprir. Mas continuo tentando e, nessa faina, acabei aprendendo alguma coisa. À segunda tenho me dedicado há quase quinze anos, escrevendo colunas em jornais e revistas, dando palestras, ensinando em universidades, fazendo programas de rádio e TV. E escrevendo esta coluna, naturalmente. Mas porque toda essa explicação? Bem, é que até aqui esta coluna tem abordado sempre a tecnologia de ponta. Um assunto que interessa a um bocado de gente e tem despertado um número razoável de comentários. Mas acontece que uma parcela significativa dos freqüentadores desse Fórum é formada por gente que, por mais que se interesse pelos aspectos inovadores da tecnologia que indicam como as máquinas serão dentro de alguns anos, gostaria mesmo é de entender como sua máquina é hoje. Como ela funciona? O que tem dentro dela? Que diabos, exatamente, é esse negócio de “processar dados”? O que é um microprocessador? Ora, tenho lecionado arquitetura de computadores há quase dez anos. E se tem uma coisa que eu acabei descobrindo é explicar esse tipo de coisa. Então, pretendo passar a fazer isso aqui. A partir da próxima coluna, vamos começar do começo, explicando o que são dados e informações e em que consiste, em linhas gerais, a atividade que se convencionou chamar de “processamento de dados”. E vamos seguir passo a passo, explicando quais são os principais componentes de um computador, suas estruturas internas, da memória à CPU, passando pelo barramento e dispositivos de Entrada e Saída. Pouco a pouco iremos formar uma idéia (espero) clara e sólida dos conceitos básicos. E, dentro de algum tempo, teremos um panorama bastante elucidador sobre como funciona um computador. Um dia, quem sabe, esse conjunto de colunas será revisto e se consubstanciará em um livro. Para isso, conto com a colaboração ativa de vocês, através de comentários e discussões. Que certamente enriquecerão o assunto e serão a semente de uma obra construída em conjunto por vocês e por mim. Em suma: estou anunciando uma mudança de rumos. E espero a contribuição de vocês para saber o que acham desta decisão. B. Piropo |