Sítio do Piropo

B. Piropo

< Coluna em Fórum PCs >
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25/05/2005

< Tecido condutor: I – Um pano muito especial >


Nas palestras que costumo fazer sobre tecnologia, quando perguntado sobre o futuro do computador, respondo que certamente nas próximas décadas ele desaparecerá. E, diante do espanto da platéia, esclareço que o verbo “desaparecer” não significa necessariamente “deixar de existir”. Na verdade, segundo o Houaiss, sua primeira acepção é “deixar de estar visível, de estar à vista, perder-se dos olhos, sumir”. E acrescento que futuramente, embora não visível, o computador estará em todos os lugares, inclusive nos menos esperados. Como nossas roupas...

Eu não tenho dúvidas que isso certamente ocorrerá. Mas tenho consciência de que, para que de fato ocorra, alguns obstáculos tecnológicos ainda deverão ser transpostos.

A nanotecnologia, assunto que temos abordado seguidamente, certamente colaborará para transpor um dos maiores: criar microprocessadores suficientemente pequenos para que, embora integrados à maioria dos utensílios, fiquem fora de nossas vistas. E, considerando a vertiginosa evolução da nonotecnologia, não tenho dúvidas que esse será o menos importante dos obstáculos.

Mas haverá outros. Por exemplo: para integrar microprocessadores às nossas roupas, como resolver o problema de sua conexão elétrica com os periféricos e demais componentes? Fios e cabos metálicos dificilmente serão a solução. Então, fazer o que?

Bem, ao que parece esse problema acaba de ser resolvido pela Eleksen, em < http://www.eleksen.com/ >, uma empresa britânica que acaba de lançar comercialmente no mercado um tecido condutor de eletricidade. E, o mais importante: faz isso sem o emprego de qualquer material metálico, seja como condutor, seja como contato. O produto chama-se ElekTex.

Veja o que é o ElekTex no texto abaixo, uma tradução livre obtida no sítio do fabricante, em
< http://www.eleksen.com/index.asp?mainsection=2&pageID=195 >:

“ElekTex é um sensor de toque altamente sensível constituído por um laminado de camadas de tecido com espessura de apenas 0,6 mm. O sensor pode ser customizado para atender a qualquer aplicação e produzido em quaisquer dimensões, desde o tamanho de um selo postal até o de uma colcha para cama.

“Em termos simples, o sensor pode detectar o ponto em que está sendo pressionado e, dentro de certos limites, a intensidade da pressão aplicada. Ele consegue isso efetuando medidas nos eixos dos X, Y e Z através do sensor de tecido usando eletrônica e software simples. Isso significa que a saída analógica do sensor pode ser usada para reconhecer contato, movimento e gestos. Para as funções mais básicas, o sensor ElekTex pode ser usado como um simples interruptor de tecido flexível.

Mas, antes de prosseguir, para podermos entender como funciona o ElekTex, vamos ver o que significa essa história de “eixos X, Y e Z” e “coordenada relativa a um eixo” (se você já sabe do que se trata, tem noções de geometria analítica e conhece o suficiente sobre sistemas de coordenadas cartesianas, pule este pedaço sem constrangimento e vá diretamente para o texto imediatamente depois da Figura 3).

Imagine um tabuleiro de xadrez. Ele tem oito colunas e oito linhas. Imagine ainda que o tabuleiro seja limitado embaixo e à esquerda por dois eixos. Chame o eixo de baixo de “eixo dos X” e o eixo da esquerda de “eixo dos Y”. Agora, vamos numerar os eixos. O ponto de cruzamento dos eixos recebe o número 0 (zero) em ambos os eixos. E cada ponto que os eixos forem cortados pelas retas que separam duas colunas (ou duas linhas) receberá um número começando em 1 (um) e crescendo, para a direita no eixo dos X e para cima no eixo dos Y. O resultado será parecido com o mostrado na Figura 1.

Figura 1: Eixos coordenados

Em um esquema assim podemos dizer que os eixos X e Y estão ordenados um em relação ao outro (ou seja, um número no eixo dos X mede a distância de um ponto ao eixo dos Y e vice-versa), portanto são “coordenados”. Por isso diz-se que eles formam um “sistema de eixos coordenados”.

O “macete” para entender um sistema de eixos coordenados é não pensar   nos quadrados brancos e pretos que formam o tabuleiro mas sim em seus “cantos”, ou seja, no cruzamento das linhas que os limitam, que correspondem aos números colocados no ponto onde essas mesmas linhas tocam os eixos. Repare na posição dos círculos vermelho e azul sobre o tabuleiro. O círculo vermelho fica exatamente no cruzamento da linha que sai do eixo dos X no ponto 6 com a linha que sai do eixo dos Y no ponto 4. Então dizemos que sua “coordenada X” é igual a 6 e sua “coordenada Y” é igual a 4. Como é padrão mencionar sempre a coordenada X em primeiro lugar, podemos simplesmente dizer que suas coordenadas são (6 ; 4). Da mesma forma, as coordenadas X e Y do círculo azul são, respectivamente, 2 e 7, ou (2 ; 7).

É claro que você pode estender os eixos dos X e dos Y indefinidamente e criar um “tabuleiro” infinito. E, mais ainda, pode estendê-los para a esquerda (o eixo dos X) e para baixo (o eixo dos Y), fazendo com que as coordenadas aí situadas assumam valores negativos. Nesse caso teríamos um “sistema de eixos coordenados” que cobre todo um plano, infinito em todas as direções. E, conhecida a origem dos eixos (o ponto de coordenada zero, ou cruzamento dos eixos) e suas direções, podemos localizar qualquer ponto situado neste plano exclusivamente através de suas coordenadas. Veja um esquema desses na Figura 2 que mostra o sistema de eixos, alguns pontos e suas coordenadas.

Figura 2: Coordenadas Cartesianas

Essas coordenadas denominam-se “coordenadas cartesianas” em homenagem ao gênio que as idealizou no século XVII, o filósofo e matemático francês René Descartes, cujo nome em latim (idioma em que suas obras eram escritas) era Cartesius, formulador das bases da geometria analítica e reverenciado como o pai da filosofia moderna. Decartes foi um dos pensadores mais importantes e influentes da história da humanidade. Sua frase “cogito ergo sum” (“penso, logo, existo”) é a jóia suprema do raciocínio lógico.

O sistema de coordenadas acima descrito é bidimensional, ou seja, admite apenas duas dimensões e serve para localizar pontos situados em um mesmo plano. Mas nada impede de agregar a ele um terceiro eixo, o “eixo dos Z”, perpendicular ao plano formado pelos eixos dos X e dos Y e passando por sua intercessão. Um sistema assim, do qual se conhece a origem (ponto de coordenada zero, ou intercessão dos três eixos) e direção dos eixos, pode ser usado para determinar a posição de qualquer ponto no espaço tridimensional. Veja, na figura 3, uma superfície complexa exibida em um sistema de coordenadas cartesianas tridimensionais.

Figura 3: Coordenadas Cartesianas Tridimensionais

Agora que temos uma idéia do que são coordenadas X e Y, vamos ver como o ElekTex funciona como sensor de toque. Para isso examinemos a Figura 4. Ela representa esquematicamente a forma pela qual o dispositivo consegue determinar as coordenadas do ponto em que o tecido foi pressionado.

Figura 4: Esquema do tecido ElekTex

A Figura 4 mostra esquematicamente as três camadas funcionais do ElekTex (no esquema elas estão separadas, porém no tecido são justapostas, formando um “sanduíche”; o produto comercial, além dessas três camadas, contém mais duas, externas, de tecido protetor). As camadas superior e inferior, formadas por fibras condutoras de eletricidade, recebem uma diferença de potencial elétrico (tensão) aplicada nos condutores assinalados em branco. Elas são separadas uma da outra por uma camada intermediária (representada na cor cinza), que apenas conduz eletricidade quando comprimida.

Ao se aplicar uma pressão ao tecido (por exemplo, premindo-o com o dedo), esta pressão se propaga pelas três camadas. A camada intermediária conduz eletricidade no ponto onde é pressionada e, apenas neste ponto, fecha o circuito entre as camadas superior e inferior. Como a tensão aplicada é conhecida, assim como a resistência das fibras condutoras, a queda de tensão ao longo destas fibras pode ser usada para determinar precisamente as coordenadas do ponto que foi pressionado em relação ao sistema de eixos coordenados mostrado no canto inferior esquerdo da figura. Para isso basta enviar os sinais a um microprocessador, que faz parte do dispositivo, dotado de um software residente capaz de efetuar os cálculos necessários.

O ElekTex pode então ser usado como um dispositivo de entrada sensível ao toque (ou “sensor de toque”), semelhante às telas tipo “touch screen”, em que o ponto onde o dedo toca a tela (no caso, o tecido) pode ser precisamente determinado.

Na descrição de seu produto, a Eleksen afirma que são efetuadas medidas “nos eixos X, Y e Z”, o que pode dar a impressão que usa um sistema de coordenadas geométricas tridimensional. Mas isso não é verdade. O que a Eleksen chama de “eixo dos Z” é na verdade a avaliação da pressão aplicada, que pode ser determinada grosseiramente pela queda de tensão da corrente que atravessa a camada intermediária. Portanto o que o sistema efetivamente é capaz de determinar é o par de coordenadas X e Y (portanto, a localização do ponto que sofreu o toque) e a pressão aplicada.

À primeira vista o dispositivo não parece ser exatamente revolucionário. Afinal, ele é muito parecido com o material usado naqueles antigos (e detestáveis) teclados de membrana, também chamados de “teclado chiclete”, uma superfície macia sensível ao toque. Mas o ElekTex tem algumas características notáveis.

Para começar, ele consiste exclusivamente de tecido. Até mesmo as conexões são feitas usando apenas cabos de fibra condutora.

Além disso, ele é incrivelmente durável e resistente, podendo continuar funcionando depois de ser amassado, dobrado, perfurado, lavado e passado. Pode se integrar a qualquer   tipo de montagem, seja por costura, colagem ou grampeamento a qualquer material. O tecido é lavável e, caso necessário, pode ser tornado à prova de água.

O sensor não exige muita força para atuar e responde instantaneamente aos toques. É muito sensível e preciso, podendo ter a resposta ajustada em função da aplicação.

O aspecto do ElekTex é o de um tecido semi-translúcido extremamente maleável, podendo se ajustar à curvatura de qualquer superfície. É leve, permeável e resiste a perfurações. Veja uma amostra (foto obtida no sítio da Eleksen) na Figura 5.

Figura 5: Esquema do tecido ElekTex

Não há dúvida que se trata de um material único. E não está em fase de pesquisas: é um produto industrial que já está sendo comercializado.

Na próxima coluna veremos algumas de suas surpreendentes utilizações.

B. Piropo