< Coluna em Fórum PCs >
|
||
09/05/2005
|
<
Laser de Silício: V > |
Encerramos a última coluna com a promessa de discutir as aplicações do laser de silício. Pois vamos tentar cumpri-la. Evidentemente as primeiras aplicações práticas visarão substituir os caros e delicados dispositivos óticos utilizados atualmente na transmissão de dados. Em seu lugar serão usados componentes de fins similares empregando a fotônica do silício. O que já bastaria para justificar as pesquisas. E a razão é simples: usar silício como meio ótico permite integrar nos mesmos circuitos eletrônicos, fabricados com a mesma tecnologia de fabricação, dispositivos óticos e semicondutores comuns.
O primeiro exemplo seria o modulador ótico de silício, ou modulador Raman, cujo esquema é mostrado na Figura 1. Este dispositivo não é uma aplicação do laser de silício mas um simples modulador de sinais que se aproveita do efeito Raman. Sua função é receber um feixe luminoso e “modulá-lo”, ou seja, fazer com que sua intensidade varie de tal forma que ele possa ser usado para transportar dados digitalizados (um fluxo de valores codificados que podem ser interpretados como conjuntos de algarismos do sistema binário, ou de base dois, que consistem exclusivamente nos dígitos “zero” e “um”). Ele é baseado em um capacitor tipo MOS (Metal Oxide Semiconductor) incorporado a um filete ótico de silício com regiões “dopadas” do tipo “P” e tipo “N” ao qual é aplicado um feixe de luz através de uma fibra ótica. As cargas acumuladas no capacitor pelo efeito da aplicação sucessiva das tensões elétricas que representam os valores “zero” e “um” do fluxo de dados induzem rápidas mudanças no índice de refração do silício devido ao efeito conhecido por dispersão livre de portadores de plasma (“free carrier plasma dispersion effect”), fazendo a intensidade do feixe de luz variar de acordo. O resultado é o aparecimento na saída do dispositivo de um feixe de luz pulsante que transporta os dados. Em 2004 a Intel demonstrou um modulador ótico de silício capaz de operar em 2,5 GHz. Os moduladores óticos convencionais, que empregam outros materiais, conseguem atingir freqüências muito maiores mas sua integração (acoplamento) com os circuitos eletrônicos é complexa. Se a Intel for bem sucedida na fabricação industrial de moduladores óticos de silício, poderá integrar a fase da modulação ótica diretamente nos circuitos integrados fabricados com a tecnologia atual.
A viabilização da fabricação industrial dos moduladores óticos de silício permitirá seu uso nos amplificadores óticos de silício (“Silicon Optical Amplifier”, ou SiOA), estes sim uma aplicação prática dos lasers de silício. Sua função e “reforçar” um sinal. Seu funcionamento se baseia no acoplamento de dois feixes luminosos (ou dois fluxos de fótons), fazendo-os percorrer o mesmo filete de silício. O primeiro é um raio laser comum, a fonte dos fótons (“bomba” de energia) que, injetados no silício, provocarão a dispersão devida ao efeito Raman (as propriedades deste primeiro feixe determinarão os comprimentos de onda que podem ser amplificados). O segundo feixe é formado por pulsos luminosos que transportam os dados a serem amplificados (ou seja, um feixe luminoso modulado, talvez por um modulador ótico de silício). Na medida que este segundo feixe atravessa o filete de silício, recebe energia transferida para ele do primeiro feixe através do efeito Raman. Como resultado, emergirá do lado oposto muito mais brilhante, ou seja, amplificado. Amplificadores óticos são usualmente empregados para reforçar sinais que perderam potência (por dissipação de energia no meio) após trafegarem por longas distâncias. A vantagem de fabricar uma destas unidades em silício é que, por ser extremamente compacta e por usarem a mesma matéria prima e processo de fabricação, podem ser integradas diretamente a outros componentes fotônicos também de silício, com uma “bomba de energia” conectada diretamente ao componente. Como todo componente ótico (como, por exemplo, os moduladores óticos de silício) introduz perdas de energia, um amplificador fotônico pode ser empregado para compensar essas perdas. O resultado será um dispositivo fotônico de silício capaz de modular dados sem perdas, extremamente compacto, e integrado a outros dispositivos eletrônicos também de silício.
O resultado pode ser um transmissor multicanal como o mostrado na Figura 3. Ele se aproveita do fato de que o efeito Raman pode ser usado para gerar lasers de silício de diferentes comprimentos de onda (cores) a partir de uma única fonte de laser que funcionaria como “bomba de energia” variando o comprimento do meio usado para gerar o raio laser Raman. Um raio laser gerado por uma fonte convencional externa atravessaria um divisor formado por filtros do próprio silício onde seria subdividido em outros raios, cada um deles encaminhado a um laser de silício de diferente comprimento. Cada laser de silício gerará raio de diferente comprimento de onda (cor). Cada um desses raios seria encaminhado a um modulador de sinais como o exibido na Figura 1 onde receberia seu fluxo de dados através da variação de tensões elétricas. O resultado seria um conjunto de raios lasers de diferentes comprimentos de onda (cores diferentes), cada um transportando um diferente fluxo de dados. Esses raios atravessariam um multiplexador que os faria convergir para uma única fibra ótica, que os transportaria até o destino. Como os raios são de cores diferentes, eles não se misturam nem interferem uns com os outros ao serem transportados pela fibra. Para receber os dados, basta dirigir a fibra ótica para um dispositivo demultiplexador, que separe os raios por suas diferentes cores de forma semelhante ao que faz um prisma de cristal (ou às gotículas de água suspensas na atmosfera que geram o arco-íris).
A combinação desses componentes permitirá fabricar circuitos “transceptores” óticos (transmissores/receptores) de dados inteiramente em silício, como o mostrado na Figura 4. Na parte inferior esquerda da figura vê-se, em cor laranja, um circuito integrado emissor fabricado usando a eletrônica convencional. Suas tensões de saída são moduladas e amplificadas por um conjunto de moduladores e amplificadores óticos de silício semelhantes aos exibidos nas Figuras 1 e 2, gerando um conjunto de raios luminosos modulados de diferentes comprimentos de onda (nesse caso, os comprimentos de onda são obtidos variando as características do raio laser utilizado como “bomba de energia”). Esse conjunto de raios paralelos são encaminhados a um multiplexador que os transforma em um feixe único que converge para uma fibra ótica. Na parte superior da figura vê-se o conjunto de componentes usado como receptor do sinal. O feixe de raios luminosos (gerado pela unidade emissora de outro conjunto transceptor situado a quilômetros de distância e transportado por fibra ótica) penetra no componente por um condensador, que o decompõe em um conjunto de raios paralelos de acordo com seu comprimento de onda (cor) e encaminha cada um deles a um fotodetetor de silício (ver adiante), que executa a função inversa do modulador ótico: converte as variações de energia de cada raio incidente em variações de tensão que representam o fluxo de dados. Esses pulsos de tensão são então encaminhados a um circuito integrado receptor também fabricado de acordo com a eletrônica convencional.
Note que do ponto de vista da eletrônica e da fotônica não há nenhuma novidade na concepção mostrada na Figura 4. Tanto assim que a Figura 5 mostra o esquema do circuito integrado TXN13220 FR-4 fabricado pela Intel, um transceptor que usa a eletrônica convencional e emprega apenas a tecnologia ótica (convencional) nos circuitos responsáveis pela transmissão e recepção de dados. O que a fotônica de silício traz de novidade (e o transceptor da Figura 4 talvez seja o exemplo mais ilustrativo) é que, no futuro, todos os componentes de um circuito integrado equivalente ao do CI acima poderão ser fabricados na mesma pastilha de silício, integrando tanto os componentes eletrônicos convencionais quanto os componentes óticos. Note que essa integração, embora ainda em fase de pesquisas, já demonstrou ser perfeitamente exeqüível, como ilustra o circuito integrado da Figura 6. Note que trata-se de um circuito efetivamente existente, já que a parte principal da figura, a que mostra o chip, é uma fotografia ampliada, não um esquema.
Este circuito, de um centímetro quadrado de área, está descrito no trabalho publicado no Intel Tecnology Journal, Vol. 8, Nr. 2 de 2004 (onde o original da figura foi obtido) intitulado “On chip optical interconnects”, de Mauro Kobrinsky e outros, todos integrantes da equipe de pesquisadores da Intel. Ele foi fabricado especificamente com o objetivo de testar a tecnologia de interconexão de componentes óticos e eletrônicos baseados em silício. Examinando-se a foto pode-se distinguir perfeitamente os filetes de silício condutores de feixes luminosos, assinalados pelas setas vermelhas. O acoplamento entre a fibra ótica e esses filetes é feito no centro da face lateral esquerda do chip, onde a extremidade de uma fibra ótica é inserida diretamente no chip. A ligação entre os filetes óticos e os componentes eletrônicos é realizada através da técnica denominada “acoplamento evanescente”, mostrada esquematicamente na parte superior direita da figura. Um dos detectores óticos de silício é destacado por um círculo vermelho no chip, mas pode-se constatar a existência de diversos deles em todo o CI. E percebe-se também, destacada por um retângulo em linha branca tracejada, a área onde o sinal transportado por um dos filetes de silício é distribuído entre dezesseis diferentes “nós”. No alto, á direita, percebe-se uma ponta de prova de um sensor de radiofreqüência que recebe o sinal diretamente de um desses detectores de silício, cujo funcionamento é mostrado esquematicamente na parte inferior da figura. A tecnologia, portanto, mostra-se perfeitamente factível. Resta aperfeiçoá-la. Quando este aperfeiçoamento for suficiente, teremos circuitos como o exibido na Figura 7, uma visão artística de um circuito híbrido (um transceptor ótico de quatro canais) todo fabricado em silício e integrado por componentes óticos e eletrônicos convencionais.
Quando fabricar circuitos assim for possível, teremos percorrido a maior parte do caminho que permitirá talvez a aplicação mais fascinante da fotônica de silício. Pense nos circuitos de sua placa-mãe. São um conjunto de componentes que se comunicam através de estruturas de interligação denominadas “barramento”. Costumo definir esses barramentos em minhas aulas de Arquitetura de Computadores como “conjunto de condutores elétricos e seus circuitos auxiliares através dos quais se comunicam os componentes básicos da placa-mãe”. Para nosso tema de hoje, o importante nesta definição é a expressão “condutores elétricos”. Sim, porque a comunicação (troca de dados, endereços e sinais de controle) entre os diversos elementos da placa-mãe é feita através de pulsos elétricos transportados pelos finos filetes metálicos, condutores elétricos estampados na própria placa-mãe. A interconexão de componentes via condutores metálicos padece de diversas desvantagens. Algumas delas, como atenuação de sinal e interferência eletromagnética, se acentuam na medida que a freqüência de operação aumenta. A tecnologia progride a passos largos e ininterruptamente. Não falta muito para que problemas como esses inviabilizem o uso de interconexões elétricas entre os componentes de circuitos eletrônicos. Quando isso ocorrer, será necessário apelar para uma solução alternativa. Uma solução que não somente seja capaz de suportar as imensas freqüências de operação que os barramentos do futuro ostentarão mas que também, idealmente, não exija profundos investimentos na linha de fabricação em razão de alterações radicais do processo produtivo. Tudo indica que essa tecnologia de interconexão venha a ser a fotônica de silício. Quando isso ocorrer, testemunharemos um fenômeno curioso: a transposição de uma barreira no sentido oposto àquele em que as barreiras costumam ser transpostas. Pois estamos acostumados a ver tecnologias usadas em pequena escala progredirem até poderem ser usadas em grande escala. Pois com a fotônica do silício veremos a tecnologia hoje usada para transportar dados em distâncias quilométricas ser empregada para interconectar componentes situados a centímetros, milímetros, micra ou nanômetros um do outro. Um fascinante salto para trás... (Aos que tiveram paciência de acompanhar essa série desde o princípio, meus agradecimentos pelo esforço despendido e minhas desculpas pela periodicidade irregular com que foi postada. Não posso – na verdade, não devo – prometer “baixar o nível” técnico das próximas colunas já que meu objetivo tem sido justamente procurar abordar temas técnicos complexos em uma linguagem simples para que eles sejam compreendidos por não especialistas interessados na evolução tecnológica. Mas posso, devo e efetivamente prometo fazer um grande esforço para postar as novas colunas em intervalos mais regulares. Obrigado pela compreensão) B. Piropo |