< Coluna em Fórum PCs >
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25/04/2005
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< Laser de Silício: III – O efeito Raman > |
Para a indústria da eletrônica, o silício representa o mesmo papel que o ferro para a indústria mecânica. Suas propriedades mecânicas e eletrônicas são as ideais, é barato e abundante na natureza e pode ser facilmente manufaturado. A tecnologia para seu uso nos dispositivos eletrônicos é altamente desenvolvida e acumula décadas de experiência. Por outro lado, como vimos na coluna anterior, a fotônica tem um extraordinário potencial de utilização na eletrônica, mais especificamente na transmissão de dados em altas taxas. Portanto, é altamente desejável integrar ambas as tecnologias. E a melhor forma de alcançar este objetivo é fabricar um laser que use o silício como meio (veja a primeira coluna desta série). O problema é que, como vimos, a capacidade de emissão de fótons do silício é tão baixa que faz dele um dos materiais menos indicados para este fim. Pois é aí que entra o Efeito Raman. Chandrasekhara Venkata Raman (simplifiquemos: C. V. Raman) foi um cientista indiano nascido em 1888 na cidade de Trichi, no Sul da Índia. Em 1902, com apenas 14 anos, graduou-se em primeiro lugar no curso de física. Concluiu o mestrado em 1907 e, quinze anos depois, publicou o trabalho “Difração molecular da luz”, o primeiro de uma série que o levou, em 1928, a descobrir um interessante efeito de difusão da luz ao atravessar materiais transparentes que tomou seu nome (“Efeito Raman”) e lhe valeu o Premio Nobel de física em 1930.
Mas o que é o Efeito Raman? Bem, imagine que você faça um feixe de luz atravessar um meio absolutamente transparente. Sendo o meio transparente, o feixe deverá atravessá-lo e emergir do outro lado sem alterações ou perda de energia. Pois bem: C. V. Raman observou que nesta situação, mesmo em meios sem quaisquer impurezas, uma pequena quantidade de luz era difundida e emergia em direções diferentes da do feixe de luz incidente. Se este feixe incidente, que atravessava o meio, fosse de luz monocromática (de uma única cor), a maioria dos raios de luz difundida era da mesma cor que a luz incidente. Mas alguns apresentavam cor diferente. Qual era a razão deste fenômeno? Raman o explicou usando a teoria corpuscular da luz (ou seja, aquela que considera que a luz é formada por partículas elementares de energia denominadas fótons, segundo a qual a cor da luz é determinada pela quantidade de energia contida em um fóton). Um meio transparente é aquele que não impõe obstáculos aos fótons, que portanto o atravessam em linha reta, emergindo do lado oposto com a mesma quantidade de energia (logo, da mesma cor). No entanto, segundo Raman, alguns desses fótons se chocavam com moléculas do material do meio transparente e eram desviados, o que explicava a difusão da luz, ou seja, a mudança de direção dos fótons. Mas o que explicaria a mudança de cor? Bem, ainda segundo Raman, o choque entre um fóton e uma molécula pode ou não ser perfeitamente elástico. Se o for, toda a energia permanecerá no fóton após o choque e ele apenas alterará sua direção sem mudar a cor. Mas alguns desses choques são inelásticos, ou seja, uma parte da energia do fóton é absorvida pela molécula, que vibra para dissipá-la. Quando isso ocorre, o fóton muda de cor (para uma cor correspondente a um menor nível de energia, ou menor comprimento de onda segundo a teoria ondulatória). Daí a mudança de cor. Em meios gasosos, a rarefação das moléculas do gás faz com que o efeito Raman praticamente não se manifeste. Mas em meios sólidos ou líquidos, ele é mais intenso. Porém, ainda assim, usualmente a fração da energia difundida é de cerca de um centésimo de milésimo da energia do feixe incidente. A mudança de direção dos fótons varia de acordo com as moléculas da substância atravessada pelo feixe de luz e sua intensidade é proporcional ao número de moléculas no caminho do raio luminoso (o que permite que o efeito Raman seja usado para efetuar análises qualitativas e quantitativas de substâncias). Ou seja: cada material tem uma diferente capacidade de gerar o efeito Raman quando atravessado por um feixe de luz.
Pois bem: embora sendo uma das substâncias menos indicadas para gerar um feixe de raio laser comum, o Silício é uma das mais apropriadas para produzir a difusão de fótons pelo efeito Raman. Na verdade, como mostra a Figura 2 (adaptada de material de divulgação da Intel), o efeito Raman se manifesta nele com uma potência dez mil vezes maior que na fibra ótica. Isso permite que o efeito seja extremamente amplificado em percursos da ordem de centímetros no interior do silício, uma amplificação que exigiria quilômetros de percurso em filetes de fibra ótica. Essa amplificação denomina-se “difusão de Raman estimulada” (ou “Stimulated Raman Scattering”, ou ainda SMS). Assim, se injetarmos um feixe luminoso em um filete de silício, este feixe funcionará como “bomba de energia”, ou fonte de energia luminosa (fótons) que, devido à difusão provocada pelo efeito Raman, será grandemente amplificada. O resultado será semelhante ao exibido na Figura 3, onde a difusão de Raman estimulada provoca significativa amplificação do feixe de luz incidente.
Quem leu a primeira coluna desta série certamente já percebeu que combinando a amplificação obtida através da difusão Raman estimulada (SMS, ou Stimulated Raman Scattering) com a técnica usada para gerar raios laser, seria possível, pelo menos em teoria, produzir um raio laser usando o silício como meio de amplificação do feixe luminoso (através da SMS). Este feixe de luz incidente (fótons), usado como fonte (ou “bomba”) de energia, poderia ser encaminhado por um pequeno trecho de fibra ótica para o interior de um filete de silício com as paredes laterais espelhadas, com uma das extremidades fechada por um espelho de elevado coeficiente de reflexão (que reflete quase toda a energia incidente) e a outra, por onde escaparia o feixe de luz coerente amplificada (laser), fechada por um espelho semitransparente. O dispositivo teoricamente capaz de gerar este raio laser de silício seria semelhante ao mostrado na Figura 4.
Talvez você tenha estranhado as menções a “pelo menos em teoria” e “dispositivo teoricamente capaz” do parágrafo anterior. Mas há uma razão para que elas aí estejam. Seguinte: quem leu a primeira coluna desta série sabe que o raio laser que emerge através do espelho semitransparente é o resultado da imensa amplificação que o feixe de luz sofre ao ser refletido sucessivamente de um espelho a outro. Os raios refletidos vão se somando aos novos raios gerados pela transformação em fótons da energia “bombeada” até que acumulam energia suficiente para formar um feixe de luz coerente que atravessa o espelho semitransparente. Se a amplificação da energia luminosa não atingir o nível necessário para transpor o espelho semitransparente, não haverá formação de raio laser. Nesse caso, como a energia amplificada é proporcional à energia “bombeada” para o interior do meio, para chegar ao nível necessário para gerar o laser basta aumentar a potência do raio incidente, ou seja, “bombear” mais energia.
Ocorre que, no caso do laser de silício, isso simplesmente não ocorria. Observe a Figura 5. Ela mostra a variação da energia amplificada pelo efeito Raman no interior de um filete de silício em função da energia fornecida pelo raio incidente. O esperado seria que esta variação fosse expressa pela linha branca na qual a energia amplificada aumenta proporcionalmente com a energia fornecida, ou seja, quanto maior a potência do raio incidente, maior a potência da energia amplificada. Se fosse assim, ela atingiria facilmente o nível necessário para gerar um raio laser, mostrado pela linha pontilhada superior. Infelizmente não era isso que ocorria na prática. Em vez disso, o crescimento da amplificação de Raman seguia a tendência exibida pela linha amarela: crescia proporcionalmente à energia fornecida apenas no início. Depois, o aumento se tornava cada vez menor, até um ponto onde a linha se tornava horizontal, atingindo um limite acima do qual, por mais que se aumentasse a energia fornecida, não havia aumento da amplificação de Raman. E como esse limiar se situava muito abaixo do nível de energia necessário para gerar um raio laser, não se conseguia produzir o tão desejado laser de silício. Mas o que caracteriza o espírito da pesquisa é sua persistência. E, persistindo, os pesquisadores não somente descobriram que o limite da amplificação devia-se a um fenômeno denominado “absorção de dois fótons” como também descobriram a forma de contornar o problema. Assunto para a próxima coluna, naturalmente. B. Piropo |