< Coluna em Fórum PCs >
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04/04/2005
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< Você pinta como eu pinto? > |
Há muitos anos, muitos mesmo, quando eu era garoto, a pergunta usada à guisa de título desta coluna era uma brincadeira (um tanto basbaque, admito) do tipo “pegadinha” que circulava entre meninos. Presumo que já faz mais de meio século que a pronunciei pela última vez e jamais imaginei que um dia ela serviria de título para qualquer coisa que eu viesse a escrever, já que naqueles tempos não havia muitas formas de pintar. Lembrei-me dela agora justamente porque apareceu uma nova. Um tipo de pintura que, além de alterar as características estéticas da superfície pintada atribuindo-lhe cor, funciona ainda como camada protetora contra abrasão (ou seja, resiste a riscos), calor e umidade. Uma técnica que poderá revolucionar a pintura industrial. E essa novidade está vindo de um campo que não pára de nos surpreender (e ainda nos surpreenderá muito nas próximas décadas): a nanotecnologia, o ramo da tecnologia que lida com partículas com tamanho da ordem de nanômetros (milionésimos de milímetro, como bem sabem os que vêm acompanhando essas colunas). Trata-se do revestimento com nanocompostos de polímeros. Um polímero é uma substância formada por moléculas constituídas pelo encadeamento de um ou alguns grupos de átomos (chamados nanômeros) que se repetem sucessivamente na cadeia. O resultado é uma molécula relativamente grande (quando comparada a outras moléculas, bem entendido), cujo comprimento pode chegar a alguns nanômetros. O novo material de revestimento, desenvolvido pela empresa Ecology Coatings, de Akron, Ohio, EUA (< www.ecologycoatings.com >) é um “líquido-sólido” constituído por uma mistura de polímeros, pigmentos e um material foto-inibidor. A classificação de “líquido-sólido” deve-se a suas características peculiares. Ele se apresenta como um material viscoso, quase sólido, mas que, ao ser “derramado”, se espalha. Porém, ao contrário dos líquidos, jamais evapora. Deixe cair uma pequena quantidade dele no chão, volte dentro de algumas semanas e ela continuará lá. Ou seja: é um fluido viscoso que não “seca”. Na pintura convencional apenas vinte a trinta porcento do material aplicado são constituídos por tinta propriamente dita. O resto é solvente e material de suporte, que se evaporam durante o processo de cura (ou “secagem”). Já o aproveitamento do material líquido-sólido desenvolvido pela Ecology Coatings é total: cada partícula, juntamente com seus pigmentos, será incorporada ao revestimento. Mas se um líquido-sólido não evapora, como fazê-lo aderir a uma superfície? Bem, como eu disse, o material consiste de polímeros, pigmentos e um material foto-inibidor. Depois de aplicado à superfície a ser revestida, basta banhá-la durante cerca de três segundos com um fluxo de radiação ultravioleta. Sob efeito desta radiação o material foto-inibidor libera elétrons que fazem com que as nanopartículas de pigmentos e moléculas de polímero se “soldem” umas às outras, formando um revestimento uniforme, contínuo, fortemente aderido à superfície, impermeável e resistente ao calor e à abrasão. Ou seja: a superfície “pintada” com a nova tecnologia, além de adquirir cor, recebe proteção. Uma das grandes vantagens da nova técnica é poder ser facilmente incorporada ao processo tradicional de fabricação, substituindo a fase de “pintura” industrial sem grandes transtornos na instalação. Muito pelo contrário. Como o processo de cura requer apenas exposição à radiação ultravioleta, a fase de acabamento se reduz dos vinte minutos exigidos para a “secagem” da pintura convencional a apenas três segundos. Além disso, se comparado à pintura convencional, o recinto usado para sua aplicação ocupa área 80% inferior e consome somente um quarto da energia. E, como não contém solventes, não é poluente (não emite vapores tóxicos nem efluentes líquidos), reduzindo significativamente as exigências de controle ambiental. O novo revestimento pode ser aplicado sobre qualquer superfície e ser usado em diversas indústrias, da fabricação de automóveis à de componentes eletrônicos. Como reveste e protege, pode ser empregado, por exemplo, para “pintar” móveis que permanecerão expostos ao tempo. Sendo um produto híbrido de polímeros orgânicos e nanomateriais inorgânicos, conjuga propriedades que não poderiam ser obtidas com nenhum desses materiais isoladamente, como a flexibilidade e facilidade do uso de polímeros orgânicos e a durabilidade e estabilidade química de materiais inorgânicos. Por enquanto as aplicações imediatas se farão nas indústrias metalúrgica e automotiva, e a tecnologia é tão promissora que a poderosa DuPont a está licenciando para usar na pintura de veículos. Mas há no horizonte próximo diversas outras aplicações previstas, sobretudo na indústria de armamentos, eletrônica e equipamentos médicos. Nessa altura dos acontecimentos você estará se perguntando se esta coluna não entrou no Fórum errado. Afinal, por mais moderna que seja a nanotecnologia, até aqui o assunto parece nada ter a ver com computadores. Mas, diga-me lá, você está acompanhando esta série de colunas desde o início? Lembra da coluna “OLEDs – Uma nova tecnologia para telas”, publicada aqui mesmo no ForumPCs em 31/01/2005? Pois ela terminava mencionando que talvez a disseminação do novo padrão de telas planas demorasse ainda alguns anos em virtude da necessidade de resolver alguns problemas práticos. Pois um deles é justamente o revestimento das telas, que exige um material transparente, mas que proteja a tela contra abrasão, calor e umidade. Pois bem: o revestimento com nanocompostos de polímeros só é usado como “pintura” graças à adição de pigmentos. Mas o pequeníssimo tamanho das partículas faz com que o polímero (que incorpora o foto-inibidor) seja naturalmente transparente. O que o torna um dos materiais mais indicados (e pesquisados) para revestimento e proteção das superfícies de telas de cristal líquido e OLEDs. Mais um exemplo da forma aparentemente caótica porém perfeitamente coordenada com que se dá a evolução da tecnologia moderna. Subitamente, campos que em princípio nada têm a ver uns com os outros se entrelaçam e as soluções acabam surgindo de onde menos se espera... B. Piropo |