< Coluna em Fórum PCs >
|
||
28/03/2005
|
<
Lei de Moore: até quando? – VIII Final: > |
Com esta coluna, cumpro duas promessas. A primeira, que garanto merecerá entusiasmados aplausos, é terminar esta série de colunas (e, considerando o gráfico que abriu a coluna anterior, algo me diz que os aplausos terão mais a ver com o verbo “terminar” que com seu objeto direto, “série de colunas”). A segunda é pôr em dia minhas obrigações com vocês: esta coluna, datada de 28/03/2005, vai ao ar exatamente em 28/03/2005, eliminando o atraso devido à minha participação no IDF Spring 2005. Vamos, então, com a alma lavada de alívio, à derradeira coluna da série... O carbono é um elemento interessante. Para começar, sem ele, você não estaria lendo esta coluna. Não porque ele seja um elemento essencial à coluna, mas porque ele é um elemento essencial a você. Pois cada célula que compõe essa máquina formidável que é seu corpo, do cérebro aos intestinos, é formada por substâncias cuja base são cadeias de carbono, o principal constituinte da matéria orgânica. Além disso ele pode se apresentar puro na natureza, com aspectos tão distintos como a grafite da ponta de nossos lápis até o diamante. Ambos são carbono puro. E, por paradoxal que pareça, hoje nos interessaremos mais pela grafite que pelo diamante. Se você conseguisse visualizar um átomo do elemento carbono perceberia que as órbitas de seus elétrons mais afastados do núcleo se distribuem de modo a formar uma figura com três “pontas” que formam ângulos de 120 graus umas com as outras. Se houver outros átomos de carbono livres nas imediações, eles se ligarão por estas “pontas” formando uma estrutura que lembra a configuração interna de uma colméia de abelhas. Uma dessas estruturas (que, distribuída em um plano, forma uma camada) é mostrada na Figura 1, onde cada pequena esfera representa o núcleo de um átomo de carbono ligado a três outros.
O material formado por um conjunto destas camadas é o grafite. A ligação entre os átomos de cada camada é muito forte, mais forte ainda que a dos átomos de carbono cristalizados em um diamante. Mas , no grafite, são as camadas que não se ligam fortemente umas às outras e o material formado por elas se desmembra facilmente (ou seja, a dureza do grafite é muito pequena). Neste ponto, uma pequena digressão. Pegue um maço de folhas de papel e experimente construir uma estrutura qualquer com elas. Você logo descobrirá que a tarefa é praticamente impossível porque as folhas não apresentam rigidez suficiente. Agora, pegue algumas folhas, enrole-as sobre elas mesmas e prenda com pequenos pedaços de fita adesiva, de modo a formar cilindros de papel. Repare como a simples mudança de forma conferiu rigidez ao papel. Agora você pode usar os cilindros como se fossem pilares e vigas e montar facilmente sua estrutura de papel. Pois algo muito parecido ocorre com as camadas formadas por átomos de carbono. Pegue uma delas, de formato retangular, e una duas de suas arestas laterais para formar um cilindro, ou tubo. O resultado é uma estrutura como a mostrada esquematicamente na Figura 2. Como cada esfera corresponde a um átomo de carbono, as dimensões da estrutura da Figura 2 são extraordinariamente pequenas. Dependendo da forma como foi gerado, o diâmetro de um tubo como o da figura pode variar ente um nm (nanômetro, ou milionésimo de milímetro) a 25 nm. Por isso essas estruturas recebem o nome de “ nanotubos de carbono”.
Um nanotubo de carbono é uma coisa extraordinária. Suas perspectivas de uso futuro vão de componentes de tintas até lâmpadas fluorescentes. Eles poderão ser usados para fabricar máquinas microscópicas. Mas o que nos interessa é seu uso na eletrônica. (veja uma vista lateral de um nanotubo extraordinariamente ampliado na Figura 3).
Uma das propriedades que tornam os nanotubos de carbono tão excepcionais é o fato de suas características elétricas variarem de acordo com a forma pela qual a camada plana foi “enrolada” para formar o tubo. Se ela for enrolada sobre si mesma de modo a manter a linearidade da estrutura, como o tubo mostrado acima e à esquerda na Figura 4 (obtida de material de divulgação da Intel), o nanotubo será um excelente condutor de eletricidade, com resistividade menor que a do cobre. Mas se a camada sofrer uma ligeira torção antes de ser enrolada (esta torção denomina-se “ quiralidade” e é uma propriedade da configuração espacial de estruturas atômicas) como os tubos mostrados na parte superior direita da Figura 4, o nanotubo se comportará como um semicondutor.
Os nanotubos de carbono como condutores elétricos terão, evidentemente, grande importância na eletrônica digital. Mas, para os efeitos desta série, o que nos interessa é seu emprego como material semicondutor em substituição ao silício atualmente empregado na fabricação de microprocessadores. Na coluna anterior, a penúltima desta série, discutimos os transistores do tipo tri-gate, onde a ligação entre fonte e dreno se faz por finíssimos filetes ou “canais” de silício, usado como material semicondutor. Evidentemente, quanto menor o seção (ou o diâmetro) destes canais de material semicondutor, menores poderão ser os transistores e maior número deles poderão se acomodar em um microprocessador, estendendo a vida útil da Lei de Moore. Na mesma coluna chegamos a mostrar imagens fornecidas pela Intel, obtidas através de microscopia eletrônica, onde se viam filetes de silício com diâmetro da ordem de cinco nanômetros. Que, aparentemente, é o mínimo que se pode obter com a tecnologia atual. Então, o que fazer para reduzir ainda mais o diâmetro dos filetes de material semicondutor que unirão fonte e dreno dos futuros transistores? Ora, você já deve ter percebido: mudar o material semicondutor. Usando, por exemplo, nanotubos de carbono, que podem ter diâmetro de até 1 nm.
A Figura 5, acima, obtida por microscopia eletrônica e exibida pela Intel em seu IDF Spring 2005, mostra justamente isto, em um dispositivo ainda em fase de protótipo. A grande mancha clara, em forma de “L” invertido na parte superior da figura, é o dreno do transistor. A outra mancha clara, horizontal, na base da figura, é a fonte. Entre elas, atravessando a figura horizontalmente, há uma faixa mais escura que se liga a uma massa de mesmo tom no canto inferior direito: a porta e seu eletrodo. Mas o que une o dreno à fonte? Para que esse dispositivo seja um transistor, tem que ser um canal de material semicondutor que conduza corrente quando houver tensão na porta e que interrompa esse fluxo de corrente quando esta tensão for suprimida. No caso da Figura 5, este canal é constituído por um nanotubo de carbono (com características de semicondutor) com diâmetro de apenas 1,4 nm. Para percebê-lo, há que olhar a figura com atenção, pois ele é quase imperceptível. Sua trajetória é “ enviezada”, estendendo-se de próximo ao canto inferior esquerdo da figura até perto do canto superior direito . Para facilitar sua localização, o trecho que se vai de fonte a dreno é assinalado pelas pequenas setas negras com manchas amarelas.
A fabricação de nanotubos de carbono já é feita em laboratório sem dificuldades. A Figura 6 mostra, em seu lado esquerdo, um emaranhado deles, recém-fabricados. Mas entre fabricar um negócio desses e manipulá-lo para compor um dispositivo eletrônico há uma grande diferença. Como colocar um filamento cujo diâmetro é da ordem de um milionésimo de milímetro, cem vezes menor que o tamanho de um vírus, exatamente na posição que desejamos no interior de um microprocessador? São problemas como esse que ainda impedem o uso industrial de nanotubos de carbono. Mas também eles estão sendo enfrentados nos grandes laboratórios de pesquisa. Por exemplo: no lado direito da mesma Figura 6 pode ser visto um conjunto de nanotubos de carbono quase perfeitamente alinhados devido à ação de um campo elétrico. Em suma: como em toda tecnologia inovadora, há problemas práticos a serem resolvidos antes que microprocessadores que se utilizam de nanotubos de carbono como material semicondutor entrem em processo de fabricação industrial. Mas a ciência tem se mostrado capaz de resolver problemas que há relativamente pouco tempo pareciam insolúveis. E nada indica que seja diferente com as tecnologias que substituirão o processo atual de fabricação de microprocessadores, seja a malha molecular, sejam os transistores tri-gate, sejam os nanotubos de carbono (ou outras, como a “ spintrônica”, ramo da eletrônica que lida com o “spin”, movimento de rotação dos elétrons que se movimentam em torno dos núcleos dos átomos, que não foram abordadas aqui para não tornar essa série ainda mais enfadonha). Portanto, quem teve suficiente pertinácia para chegar até aqui, certamente se inteirou de dois fatos: O primeiro é que a tecnologia atual de fabricação de microprocessadores, usando camadas de silício cada vez mais finas, tem seus dias contados. Ela sobreviverá ainda por no máximo mais quinze ou vinte anos, quando esgotará todas as possibilidades de evoluir. O segundo é que isso não impedirá que a Lei de Moore continue vigendo. O número de transistores por microprocessador continuará dobrando a cada período determinado. O que mudará será a tecnologia empregada para atingir esses números. Que já estão na casa dos bilhões. Quem viver, verá. B. Piropo |