< Coluna em Fórum PCs >
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14/02/2005
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Lei de Moore: até quando? - II > |
Sei não, mas a julgar pelos comentários que a coluna da semana passada está recebendo, parece que meti a mão em um vespeiro... Tem até gente que quase terminou a série para mim nos comentários (quem está lendo a coluna no meu sítio encontrará os comentários logo após esta coluna na seção “Colunas / B.Piropo” do ForumPCs (em <ATIVIDADES ENCERRADAS EM 2012>). Mas vamos em frente, devagar, como convém, para que todos possam acompanhar. Lembram do final da coluna passada? Falávamos de coisas muito pequenas e da noção que temos (ou que não temos) de seu tamanho. Pois exploremos um pouco mais o assunto. Começando com as coisas muito rápidas, muito além daquilo que nós podemos avaliar. Com que velocidade os sinais elétricos percorrem um condutor? Note que isso não é o mesmo que a velocidade da corrente elétrica (velocidade com que os elétrons se deslocam no condutor), mas algo bastante diferente. É como se você enfileirasse dez bolas de sinuca em uma linha perfeitamente reta e lançasse violentamente uma outra bola, exatamente no mesmo alinhamento, contra a face frontal da primeira bola de uma extremidade. Se você fizer a coisa bem feita, nenhuma das bolas se moverá (inclusive a que você disparou, que ao se chocar com a primeira bola alinhada, permanecerá imóvel junto à ela), exceto a décima, da outra extremidade, que disparará com (quase) a mesma velocidade da bola que você lançou. O que na verdade aconteceu é que a bola que se movia transferiu sua energia de bola em bola para a que estava imóvel no final da fila (ou quase toda; há sempre alguma perda quando a energia passa de uma bola para outra). E essa transferência se fez quase instantaneamente, mesmo sem mover as bolas. Pois quando se aplica um pulso de tensão elétrica (“sinal”) na extremidade de um condutor os elétrons ao longo do condutor se comportarão como as bolas alinhadas: eles praticamente não se movem, apenas transferem sua energia para os que estão em sua frente até que o pulso de tensão seja “sentido” na outra extremidade do condutor. Pois bem: com que velocidade esse “pulso” (e não os elétrons, repito) percorre o condutor? (experiências mostram que os elétrons se movem, sim, mas muito lentamente, a cerca de 4 km/h, mais ou menos a mesma velocidade de um homem andando). A física demonstra que a velocidade com que os sinais elétricos são transmitidos ao longo do condutor é “quase igual” à velocidade da luz. Então, simplificando, vamos presumir que ela seja efetivamente igual à velocidade da luz, que como todos sabemos é C = 300.000 km/s ou, em “notação científica” 3 x 10^5 km/s (a chamada “notação científica” usa potências de dez para exprimir grandezas; aqui, o símbolo 10^5 significa “dez elevado à quinta potência”). Para convertê-la em centímetros por segundo basta multiplicá-la por 100.000 (o número de centímetros em um quilômetro), o mesmo que acrescentar cinco zeros ao expoente. A velocidade da luz é então igual a 3 x 10^10 cm/s e os sinais se movem nos condutores elétricos a essa velocidade (isso está ficando chato? Faça um esforço e continue lendo, prometo que logo você se surpreenderá agradavelmente). Para avaliar a magnitude dessa velocidade, considere o seguinte: a distância (em linha reta) entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo é pouco maior que 300 km (cerca de 330 de periferia a periferia, acabo de medir no mapa). Se estendermos um condutor elétrico em linha reta de São Paulo ao Rio e aplicarmos um pulso de tensão na extremidade paulista, esse pulso chegará ao Rio cerca de um milésimo de segundo depois. E um milésimo de segundo é quase nada. Portanto, se em distâncias desta ordem o efeito da aplicação do pulso é quase imediato, o que não dizer das pequenas distâncias que separam os componentes na nossa placa-mãe, por exemplo? Será que o tempo de percurso dos sinais nesses condutores de poucos centímetros de comprimento tem alguma importância ou poderemos simplesmente desprezá-lo por ser demasiadamente pequeno? Vamos ver. Pense na placa-mãe de seu computador. Especialmente naqueles estreitos filetes dourados impressos sobre ela. Pois, juntos, eles formam o “barramento”, o conjunto de condutores elétricos que transportam os sinais da CPU para a memória e para os dispositivos de entrada e saída. Quanto mede o mais longo daqueles filetes do barramento que liga a CPU à memória? Digamos que seja algo em torno de 10 cm, ou, em notação científica, 1 x 10^1 cm. Agora, diga-me lá: se a CPU aplicar um pulso de tensão em uma extremidade desse condutor, quanto tempo depois ele será “percebido” na extremidade oposta? Essa é fácil: se velocidade é o quociente entre espaço percorrido e tempo gasto para percorrê-lo, para obter o tempo basta dividir o espaço percorrido pela velocidade, ou seja, dividir 1 x 10 cm por 3 x 10^10 cm/s. Resultado: 0,33 x 10^-9 segundos. O mesmo que 0,33 bilionésimos de segundo, ou ainda 0,33 ns (nanossegundo). Rapidinho, nénão? Se o milésimo de segundo transcorrido para o pulso se propagar de São Paulo ao Rio era quase desprezível, que dizer de um terço de um bilionésimo de segundo? Mas espere um pouco: a quantas anda a freqüência de operação (isso que os leigos chamam de “clock” ou “velocidade”) das modernas CPU? Acabei de dar uma olhada no sítio da Intel e descobri que seu Pentium 4 Extreme Edition HT mais rápido opera na faixa de 3,2 GHz a 3,46 GHz. Tomemos 3,3GHz para simplificar. Isso significa que a cada segundo ele executa 3,3 bilhões de ciclos de máquina (1GHz = 1 bilhão de ocorrências por segundo). Pense depressa e responda: quanto tempo dura cada um desses ciclos? Fácil: basta dividir 1 (um segundo) por 3,3 bilhões. Vou fazer a conta para você: a duração de um ciclo de máquina de uma CPU que opera a 3,3 GHz é de 0,3 x 10^-9 segundos, ou 0,3 ns. Pouco MENOS que um terço de um bilionésimo de segundo... Percebeu? A duração do ciclo de uma CPU de última geração é MENOR que o tempo gasto pelo sinal para se propagar ao longo de um condutor de 10 cm. Assustou-se? Pois deveria. Se no início de um de seus ciclos esse processador aplicasse um pulso de tensão em uma extremidade de um condutor de 10 cm, esse pulso só seria sentido na outra extremidade do condutor DEPOIS de iniciado o ciclo de máquina seguinte!!! (sim, de uma forma muito simplificada e sem levar em conta a tecnologia de fabricação de memórias, basta essa razão para explicar porque os FSB , Front Side Bus, ou barramentos frontais, que ligam a CPU à memória, não podem operar na mesma freqüência das CPU modernas). Alguma vez você havia se dado conta disso? Afinal, a gente sempre se acostumou a pensar que tudo aquilo que trafega na velocidade da luz percorre imensas distâncias quase instantaneamente. Saber que ela percorre apenas 10 cm durante um ciclo de máquina de uma CPU moderna não deixa de ser assustador... E esse é apenas um exemplo do que pode ocorrer no mundo do muito rápido. Agora, vamos ao muito pequeno. Vimos na semana passada que a tecnologia de fabricação de microprocessadores já chegou ao ponto de criar transistores em uma camada de silício com apenas 90 nm de espessura. Mas o que significa exatamente isso? Quão pequena é realmente essa medida? Pense em uma coisa pequena, das menores que você consegue ver. Vou ajudar: você está fazendo uma refeição deliciosa. De repente, percebe, enroscado sobre o molho chantili, um fino fio de cabelo. Dá pra ver, nénão? (eu costumo encontrar alguns meus sobre o teclado, mas apenas porque o teclado é preto...). Pois, dentre os objetos comuns de nossa vida diária, fios de cabelo são talvez os menores objetos visíveis a olho nu. Sabe qual é seu diâmetro? Mais ou menos um décimo de milímetro, o mesmo que 100 u (cem micra; micra é o plural de mícron, uma medida que equivale a um milionésimo de metro, o mesmo que um milésimo de milímetro; seu símbolo é a letra grega “mu”, mas para evitar problemas de exibição em diferentes vídeos vamos usar aqui a letra “u” minúscula, bastante parecida com a letra grega “mu”, para simbolizar o mícron). Como isso se compara com a espessura da camada de silício usada para fabricar nossos computadores? Convertendo o diâmetro do fio de cabelo para nm: 100 u = 100.000 nm. Dividindo o resultado pela espessura da camada de silício: 100.000/90 = 1.111. Ou seja, um fio de cabelo é cerca de mil e cem vezes mais espesso que a camada de silício. Mas o que isso significa exatamente? Vamos a um exemplo. Uma bola de futebol oficial tem um diâmetro de 22 cm (o texto “As 17 regras do futebol”, em < www.gazetaesportiva.net/regras/futebol/ > afirma que a circunferência da bola deve se situar entre 68,5 cm e 69,5 cm, o que corresponde a um diâmetro de 22 cm). Os grandes estádios brasileiros, como o Maracanã, Morumbi e Mineirão, têm um diâmetro externo de cerca de 250 m. Ponha uma bola de futebol exatamente no meio do círculo central do campo. Agora, pegue um helicóptero e suba verticalmente até que você consiga enxergar todo o estádio e ainda consiga distinguir a bola. É isso. A espessura da camada de silício está para o diâmetro do fio de cabelo assim como o diâmetro da bola de futebol está para o do estádio. Mas um fio de cabelo ainda pode ser distinguido a olho nu. E o que não pode? Talvez você já tenha “visto” um raio de sol. Acontece quando, em um dia ensolarado, estamos em um ambiente no qual reina a penumbra e onde o sol penetra por um orifício ou fresta de janela. Então a gente distingue claramente o trajeto do raio de sol, como se o ar “brilhasse” naquela região. Na verdade o que se vê não é o raio de sol, mas as partículas de poeira que estão em suspensão no ar, extremamente pequenas, mas suficientes para refletir a luz. São muitas. Se você já abriu seu computador há de ter percebido um notável acúmulo dessas partículas sobre as placas, próximo da ventoinha, nos dissipadores de calor. Mesmo dentro de casa você inspira até 50 bilhões destas partículas por hora. Calcula-se que em um ambiente com ar relativamente “limpo” existam mais de cem mil destas partículas por metro cúbico de ar. No entanto nós não as vemos por serem demasiadamente pequenas. De que tamanho elas são? Segundo os especialistas em poluição do ar, as maiores partículas que não se sedimentam (ou seja, ficam “flutuando” mesmo no ar parado) têm diâmetro menor que 100 u (ou seja, que o de um fio de cabelo). Mas a grande maioria das que permanecem em suspensão são dez vezes menores, ou seja. 10 u. E mesmo o diâmetro destas últimas é mais de cem vezes maior que a espessura da camada de silício usada para fabricação das CPU modernas (é por isso que o ar do ambiente onde se fabrica as CPU tem que ser filtrado até ser considerado “limpo”, ou seja, ter menos de cem partículas em suspensão por metro cúbico). E o que temos ainda menor que isso? Que tal bactérias, as menores formas de vida? Há bactérias de diversos tipos e formatos, como os espirilos, com forma helicoidal cujo comprimento pode chegar a dezenas de micra, ou como os vibriões, um cilindro que chega a dez micra de comprimento. As menores são os cocos, pequenas esferas com diâmetro de um mícron. Pois bem: seu diâmetro é cem vezes menor que a espessura de um fio de cabelo, mas ainda assim é dez vezes maior que a espessura da camada de silício. Mas, afinal, existe algo MENOR que essa tão falada espessura da camada de silício? Claro que sim. Por exemplo, os vírus. Há vírus maiores, com diâmetro de até 300 nm. Mas os menores não ultrapassam 5 nm, um tamanho dezoito vezes inferior ao da espessura da camada de silício (eu disse que as bactérias são as menores formas de vida conhecidas porque vírus não são propriamente criaturas vivas, são apenas uma molécula de DNA com informações genéticas envolta em uma capa protetora de proteína; a única função vital que ele desempenha é a da reprodução, e ainda assim só consegue fazê-lo parasitando outras células). A maioria dos vírus são pouco maiores que moléculas (embora existam muitas moléculas maiores que vírus). E por falar em moléculas, também elas são menores que a espessura da camada de silício. E não poderia ser diferente, já que a própria camada de silício é constituída, naturalmente, de moléculas de silício. Há moléculas de diversos tamanhos. As da porfirina, por exemplo, uma substância orgânica que integra a hemoglobina de nosso sangue, têm um diâmetro de 1,5 nm (veja o artigo : “ Molecular Manipulation” em E a molécula de silício? Bem, silício é uma substância cristalina, ou seja, seus átomos são capazes de se disporem em uma estrutura tridimensional regular. E é nessa condição (cristalizada) que ela é usada para a fabricação de circuitos integrados. Portanto não há como falar em uma “molécula” de silício, mas sim na disposição espacial de átomos de silício (veja uma excelente descrição no artigo “Photovoltaics: How it works” em
O que responde também à última indagação da coluna da semana passada. Como fotografar algo que mede uma fração de nanômetro se o comprimento de onda da luz visível se situa na faixa de 400 nm a 650 nm? A resposta é simples: é impossível. Para se obter “imagens” de objetos menores do que isso é preciso disparar um feixe de elétrons contra eles e capturar o que “sobrou” do feixe do outro lado. Essa é a idéia do microscópio eletrônico (e não pode ser considerada “fotografia”, pois fotografia implica captura de luz visível, não de um feixe de elétrons). É apenas com microscópios eletrônicos que se pode obter imagens de objetos tão pequenos. Pronto. Agora que já temos uma idéia razoável das proporções dos objetos com os quais iremos lidar, poderemos entender a natureza do obstáculo que se interpõe no caminho da Lei de Moore. Mas isso é assunto para a semana que vem. B. Piropo |