< Jornal Estado de Minas >
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23/03/2006
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< Privacidade na Internet > |
Até o último dia 13 de janeiro Michael Guinn, de 22 anos, homossexual assumido, estudava na John Brown University, uma universidade particular de orientação católica de Arkansas, EUA onde seu pai era professor de literatura e sua mãe enfermeira do campus. Segundo o Dr. David Brisben, responsável pelo Departamento de Estudos Bíblicos da JBU, ao ingressar na Universidade Guinn concordou em, enquanto lá estudasse, “permanecer celibatário” e se comportar de acordo com seu “Pacto comunitário” (“community covenant”) que proíbe “imoralidade sexual”. Ainda segundo Brisben, citado em artigo de Jim Brown da Ágape Press em < http://headlines.agapepress.org/archive/2/12006e.asp >, os estudantes que aceitam o pacto concordam em “não praticar sexo fora do casamento, e a prática da homossexualidade caracterizaria sexo fora do casamento”. Em 13 de janeiro Michael Guinn foi expulso da Universidade por violar os preceitos da instituição deixando-se fotografar em trajes femininos. Até este ponto a notícia teria mais a ver com sociologia, tolerância (ou intolerância) religiosa e orientação sexual que com informática não fosse pela forma pela qual a direção da JBU tomou conhecimento das fotos: uma mensagem anônima de correio eletrônico com um atalho (“link”) para o “perfil” de Michael Guinn no “Facebook”, um sítio de relacionamentos semelhante ao Orkut, voltado para estudantes e muito popular nos EUA, onde as fotos foram publicadas pelo próprio Guinn e, em princípio, poderiam ser vistas apenas por pessoas autorizadas. O Facebook (< www.facebook.com >), criado há dois anos por um estudante de Harvard para estimular relacionamentos entre seus colegas, recebeu ano passado mais de dez milhões de visitantes únicos e abriga mais de seis milhões de “perfis” (o correspondente às páginas pessoais do Orkut) de estudantes de mais de duas mil escolas americanas. O sítio é fechado, somente aceitando visitas de membros cadastrados e, a eles, permite acesso limitado aos “perfis” apenas dos estudantes da mesma escola (dos das demais escolas permanecem visíveis o nome, foto e escola). Para ter acesso completo ao perfil de um membro é necessário que este forneça permissão e inclua o solicitante em sua lista de “amigos”. Portanto as informações (e fotos) publicadas no “Facebook” podem ser consideradas privadas. Não obstante, foram usadas pela Direção da JBU como justificativa para a expulsão de Guinn (veja mais detalhes no blog de Liz Ditz, em < http://lizditz.typepad.com/i_speak_of_dreams/2006/01/expelled_from_a.html >). Na verdade o caso não é isolado. Em outubro do ano passado, quando a equipe de futebol americano da Universidade do Estado da Pensilvânia derrotou sua rival tradicional do Estado de Ohio, uma turba de estudantes invadiu o campo e praticou toda sorte de desatinos. O tumulto foi tão generalizado que a polícia, pega de surpresa, não conseguiu fazer mais que dois prisioneiros durante a confusão. Porém, segundo artigo de Nate Anderson na ArsTecnica (< http://arstechnica.com/news.ars/post/20060119-6016.html >), o responsável pela segurança do Campus, Tyrone Parham, descobriu que alguns estudantes haviam postado no Facebook fotos de seus colegas em plena ação. Um prato cheio para a polícia, que efetuou mais dezenas de prisões. Mas o Facebook não é o único sítio de relacionamento popular nos EUA. O MySpace (< www.myspace.com >), aberto ao público em geral (a única condição imposta ao registro é ter mais de 14 anos), é ainda mais bem sucedido com seus 61 milhões de membros registrados. Além do Xanga (< www.xanga.com/ >), com mais de sete milhões de membros, e os Hi5 (< www.hi5.com/default.html >) com dois milhões e trezentos e Friendster (< www.friendster.com/ >) com um milhão de membros. Todos esses sítios são, na verdade, um imenso repositório de informações pessoais, sobretudo sobre jovens, mas não exclusivamente (78% dos membros do MySpace têm mais de 18 anos). E informações fornecidas de forma franca e aberta, como se estivessem circulando nas conversas entre amigos em mesas de bar. O problema é que nem sempre as intenções de quem tem acesso a tais informações são amistosas. No mesmo artigo Anderson relata que administradores escolares fazem inspeções regulares nas páginas do Facebook em busca de provas de atividades ilegais ou impróprias de seus alunos, como ingestão de bebidas alcoólicas (uma contravenção grave nos EUA quando praticada por menores e que leva inapelavelmente à expulsão) ou uso de drogas. E, pior ainda: funcionários da área de recursos humanos de grandes empresas, responsáveis pelo recrutamento de novos empregados, estão se registrando no Facebook como estudantes para investigar os perfis dos candidatos a emprego oriundos desta ou aquela universidade. E inspeções semelhantes são feitas não apenas nos demais sítios de relacionamento como também nos de buscas como o Google. Alguns exemplos recolhidos em reportagem de Janet Kornblum e Mary Beth Marklein publicada no USA Today em 9 de março último: Paul Marthers, responsável pela seleção de alunos do Reed College, de Portland, Oregon, relata que a escola rejeitou um candidato porque seu blog no sítio Livejournal incluía comentários desabonadores à escola; Vinte estudantes da TheWinkle Middle School em Costa Mesa, Califórnia, foram suspensos por haverem participado de uma “comunidade” do MySpace na qual um estudante ameaçou outro de morte e defendeu idéias anti-semitas. O estudante responsável pelas ameaças além de ser expulso responderá a processo judicial; Um jovem de 16 anos de Jefferson, Colorado foi preso porque fotos publicadas em seu perfil do MySpace empunhando uma pistola levaram a polícia a realizar uma busca em sua residência, onde a arma foi encontrada; Dois atletas da Universidade do Estado de Louisiana foram expulsos da equipe de natação por criticarem seus treinadores em suas páginas no Facebook; Laury Sybel, Diretor do Vermont Technical College de Randolph Center, informou que um empresário que estava prestes a empregar um de seus estudantes desistiu da contratação após visitar a página do candidato no Facebook e declarou que a partir de então incluiria este tipo de consulta rotineiramente no seu processo de seleção de pessoal. Sítios de relacionamento foram criados para ajudar pessoas a se conhecerem e facilitar relacionamentos. A tendência de seus freqüentadores é estabelecer amizades e criar laços afetivos e de confiança entre os membros de cada “comunidade”. Em um ambiente assim é fácil publicar informações pessoais que, em mãos de amigos, podem provocar no máximo um sorriso de desaprovação ou um comentário de espanto. Especialmente quando partem de jovens que desejam chamar atenção sobre si mesmos. Mas nem sempre elas caem em mãos de amigos. Ocorre que a Internet é um ambiente aberto, onde nem todos os que têm acesso às suas informações pessoais estão prenhes de boas intenções. E uma informação deliberadamente distorcida ou mal interpretada, ainda que involuntariamente, pode causar sérios prejuízos tanto na esfera pessoal quanto na profissional. Portanto, se você é freqüentador de sítios de relacionamento como o Orkut ou similares e neles divulga informações sobre sua vida, seus hábitos, seus gostos e opiniões, procure pesar cada uma delas antes de torná-las públicas. Um pouco de auto-censura não faz mal a ninguém. E pode poupar muitos dissabores. Afinal, é sempre bom lembrar da advertência que os policiais americanos são obrigados por lei a fazer a seus prisioneiros no momento da prisão: a partir daquele momento, tudo o que você disser poderá ser usado contra você... B. Piropo |