Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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24/11/2005

< A próxima década >


Conheço duas frases que considero essenciais quando se discute o papel de certas tecnologias nos próximos anos. Uma delas é de Lawrence Peter Berra, mais conhecido por “Yogi” Berra (Yogi é o nome pelo qual o personagem de desenhos animados “Zé Colméia” é conhecido nos EUA). Berra é uma figura folclórica, um desportista mais conhecido por sua frases que por sua atuação. Na que mais me agrada ele diz que “Prediction is very hard to do, specially when it is about the future” (Previsões são muito difíceis de fazer, especialmente quando são sobre o futuro). Apenas um lembrete sobre os perigos de fazer previsões.
A segunda frase é de meu amigo João Ubaldo Ribeiro. Diz ele, com extrema propriedade, que “o melhor do futuro é que eu não estarei nele”. Ou seja: se dentre as bobagens que eu escrever aí embaixo muitas se revelarem, efetivamente, bobagens, eu não mais estarei por aqui para ser responsabilizado por elas quando isto se tornar evidente.
Isto posto, às previsões...

Telas planas
A tecnologia de telas de cristal líquido está ficando cada vez mais barata. Monitores que custavam alguns milhares de dólares há um par de anos podem ser comprados hoje por pouco mais de duzentos dólares. E fácil, portanto, prever que em breve monitores de tela plana e LCD substituirão tanto os monitores clássicos de tubos de raios catódicos (CRT) como as televisões. Mas isto nem ao menos seria uma previsão, posto que já está ocorrendo nos EUA. Porém o avanço deste tipo de tecnologia e a queda de preços autorizam prever empregos inteiramente inovadores.
Empregos que poderão ser ainda mais criativos com a tecnologia OLED (Organic Light Emitting Diode) que já está em pleno desenvolvimento e cujas primeiras aplicações começam a aparecer. Por enquanto são meros “cartazes animados” e telas para dispositivos de pequeno porte como telefones celulares e micros de mão. Mas dentro de alguns anos essa tecnologia poderá ser utilizada para criar telas coloridas de alta definição montadas sobre materiais flexíveis. Esse tipo de tela acoplado a dispositivos conectados à internet através de uma tecnologia de comunicação sem fio, um aperfeiçoamento das tecnologias atuais tipo WiFi e WiMax, poderá resultar em um dispositivo dobrável, que caberia em seu bolso, permanentemente conectado à internet. Ele poderia ser usado, por exemplo, para ler o jornal diário na condução, a caminho do trabalho. Com a vantagem de poder mostrar não apenas texto e imagens estáticas, mas também animações e filmetes tipo “vídeo clip”.
Hoje em dia já temos o “Play” da Vivo, televisão em seu telefone celular. Mas isto é pouco. Em uma tela flexível que desdobrada pode ter, digamos, o tamanho de um jornal formato tablóide, ligada aos dispositivos de comunicação sem fio adequados, poderá ser possível receber a programação de televisão digital de alta definição via Internet. Tudo depende da capacidade da indústria de miniaturizar e reduzir o custo dos dispositivos eletrônicos necessários para a recepção do sinal. Considerando-se o que se faz hoje com os dispositivos reprodutores de som tipo MP3, a tarefa não parece impossível. Ou seja: dentro de uma década, voltando para casa, seu vizinho de poltrona no metrô poderá tirar do bolso uma tela, desdobrá-la, ligar nela um par de fones de ouvido para acompanhar a novela das oito.
Mas o barateamento deste tipo de tecnologia poderá levar a empregos ainda menos convencionais. Por exemplo: o espelho comum que usamos no banheiro dentro de dez anos pode vir a ser substituído por uma tela de cristal líquido de alta definição que exibe a imagem de nosso rosto capturada por uma câmara de vídeo localizada em sua moldura, capaz de acompanhar o movimento de nossas pupilas. O simples ato de focalizarmos um ponto qualquer de nosso rosto para examinar com detalhes uma pequena mancha, por exemplo, pode fazer a câmara efetuar um “zoom” naquele ponto e mostrar a imagem ampliada na tela. Revistas femininas poderão distribuir programas que seriam inseridos no sistema e mostrariam os rostos das clientes após a aplicação de um ou outro tipo de maquilagem, para ajudá-las a escolher. Jogos poderão ser desenvolvidos para incentivar as crianças a escovar os dentes em sua higiene diária. As probabilidades são infinitas.
Já existem porta-retratos com telas de cristal líquido que exibem seqüências de fotos para ornamentar mesas de trabalho. Dentro em breve existirão “quadros” pendurados nas paredes exibindo obras de pintores clássicos que irão se revezando. A tecnologia para isso já está disponível. Então, por que não sonharmos um pouco e imaginarmos que os custos poderão cair tanto que dentro de alguns anos as próprias paredes poderão ser constituídas de placas de polímeros tipo OLED que exibirão imagens estáticas ou em movimento? A “vista” de sua sala poderá estar na parede, não mais na janela. E poderá exibir o amanhecer nas florestas de Sumatra ou o pôr do sol no deserto de Gobi, em vez da janela do vizinho de frente. E, no banheiro, as paredes do box poderão exibir imagens que lhe farão sentir-se como se estivesse se banhando em uma cachoeira. Com som ambiente, é claro.

Reconhecimento de voz
Um dos maiores óbices para a disseminação dos computadores como utensílio de uso geral é o teclado. Mas a tecnologia de sintetização e reconhecimento de voz está se desenvolvendo cada vez mais rapidamente. Já há programas, como o brasileiro DOSVox, capazes de transmitir em voz alta o conteúdo de telas de computadores, portanto não existe dificuldade em fazer um computador “falar” com os humanos. Por outro lado, programas como o ViaVoice, da IBM, já são capazes de interpretar a voz humana e receber comandos de voz. Por enquanto esses programas ainda sofrem de algumas limitações, embora já sejam correntemente usados como uma extraordinária ferramenta de trabalho para pessoas portadoras de deficiência visual. Mas dentro em breve a comunicação entre máquina e humanos se fará principalmente via voz.
Se hoje os programas de reconhecimento e sintetização de voz fazem com que as máquinas tenham a habilidade verbal de uma criança de quatro ou cinco anos, dentro em breve elas estarão se comunicando fluentemente, primeiro em inglês, logo em outros idiomas. Dentro de dez anos espera-se que as máquinas sejam poliglotas, todas conectadas (se fio) á Internet, usadas na educação, no entretenimento e no trabalho.
Quando isso ocorrer, as pessoas “conversarão” com as máquinas em linguagem natural. Solicitaremos delas que cumpram tarefas da mesma forma que solicitamos de nossos colegas de trabalho, e elas responderão. Será comum, em uma loja, que o cliente interessado em um produto pergunte a uma máquina sobre as qualidades deste produto e a máquina não apenas responda em linguagem natural como exiba uma apresentação multimídia ilustrando o uso do produto.

Reconhecimento de fisionomias
Atualmente a polícia britânica tem usado câmaras de vídeo para capturar os rostos de transeuntes em pontos de grande movimento, envianr estas imagens em tempo real para um servidor central que as compara com um banco de fisionomias onde constam os retratos de terroristas e criminosos procurados. Portanto, o reconhecimento de fisionomias é uma tecnologia estabelecida e em pleno uso (ela se baseia na seleção de pontos fundamentais da fisionomia, como os cantos da boca, olhos, extremidades do nariz e queixo e no estabelecimento de relações matemáticas que levam em conta suas posições relativas).
Agora, pense um pouco: em frente a quantas câmaras de vídeo, as chamadas “câmaras de segurança” ou “de vigilância”, você passa diariamente? Elas estão em toda a parte, nos bancos, supermercados, postos de gasolina, lojas de departamento, nos saguões dos edifícios públicos e residenciais, nas ruas, nos caixas automáticos.
Imagine, dentro de dez anos, quando todas elas estiverem conectadas à Internet e enviando suas imagens para um imenso banco de dados centralizado, capaz de identificar sua fisionomia a partir dos dados do retrato de seu documento oficial de identificação...
Para que um sistema como este seja implementado não se exige nenhuma tecnologia nova. Basta capacidade de armazenamento, comunicação e processamento suficientes. Não é preciso grande esforço para perceber que se um sistema como este for implementado, toda instituição ou pessoa que tenha acesso a ele poderá traçar o caminho de qualquer cidadão desde o momento em que ele sai de casa até seu retorno ao lar. Adeus privacidade...
Mas nada nos impede de extrapolar um pouco. Hoje, os jornalistas investigativos da televisão já usam câmaras de vídeo do tamanho de batons ou canetas e seu tamanho tende a diminuir. Pilotos vêem as imagens dos instrumentos de navegação projetadas no pára-brisa de seus aviões. E a comunicação sem fio com a Internet é uma realidade. Três tecnologias existentes e em pleno uso. Agora imagine que elas continuem evoluindo e se miniaturizando. Pense então em um par de óculos que tenha embutida em uma de suas hastes uma microcâmara de vídeo capaz de capturar a fisionomia de quem está a sua frente. Pense que na outra haste você teria um dispositivo capaz de digitalizar esta imagem e enviá-la à Internet com a finalidade de efetuar uma busca em um banco de dados de fisionomias. E que, recebendo o resultado, seja capaz de projetar os dados em uma das lentes dos óculos. Que tal? Você nunca mais vai ter que escarafunchar a memória para tentar se lembrar quem é aquele sujeito de cara conhecida que está lhe cumprimentando tão sorridente embora você mesmo não faça a menor idéia de quem se trata...

Radiofreqüência e sistema de posicionamento global (GPS)
Chips RFID são do tamanho de um grão de arroz. Emitem um número de identificação através de radiofreqüência (daí RFID: Radio Frequency IDentification). Foram concebidos para serem usados em mercadorias para controle de estoque e cobrança. A tecnologia já existe e está em pleno uso. Tanto assim que as grandes cadeias de supermercado já estão pressionando os fabricantes para embutirem chips RFID nas embalagens de suas mercadorias. Com isso não mais será preciso se submeter ao tedioso processo de varredura de código de barras de cada produto na caixa de um supermercado (quem diria, uma tecnologia tão moderna quanto o código de barras está prestes a se tornar obsoleta): basta passar com o carrinho cheio de mercadorias por um portal junto ao caixa para que, através da recepção dos sinais dos chips RFID de cada embalagem, a lista de compras seja emitida, com os preços exibidos e totalizados.
Mas essa não é sua única utilização. Há poucos anos alguns veterinários na Europa e EUA passaram a fazer implantações subcutâneas desses chips em animais de estimação para fins de identificação e armazenamento de prontuário médico. E a partir do ano passado algumas instituições prisionais da Califórnia e de alguns países europeus estão usando chips RFID em pulseiras ou tornozeleiras metálicas para controlar a movimentação de internos.
Discute-se, nos EUA, o uso de chips RFID em crachás, documentos de identidades, passaportes e afins para controlar a movimentação de empregados e visitantes.
Nada impede, portanto, que essa tecnologia seja usada para identificação de humanos. Não apenas em seus documentos de identidades como também em implantação subcutânea. Desta forma, o indivíduo poderia ser identificado sem a necessidade da apresentação de qualquer documento, bastando passar ao lado de uma estação capaz de captar os dados emitidos por radiofreqüência.
A tecnologia denominada GPS, sigla de Global Positioning System, também é uma realidade. Ela já é usada correntemente e por algumas dezenas de dólares pode-se comprar em lojas de equipamentos eletrônicos ou desportivos (para excursionistas) minúsculos dispositivos portáteis capazes de fornecer sua posição em qualquer lugar do globo terrestre com precisão de poucos metros.
Como se vê, ambas as tecnologias estão maduras e desenvolvidas. Não é preciso muita imaginação para perceber que sua combinação é mais uma ameaça à privacidade do cidadão, já que permitirão traçar, com muito maior precisão que o uso das câmaras de vigilância, o trajeto de qualquer pessoa durante as 24 horas do dia.
Mas não se preocupe muito com isso. Afinal, seu telefone celular permite fazer algo muito parecido nos dias de hoje. E, o que é pior: mesmo estando desligado. Dá um pouco mais de trabalho, mas possível já é...

Computadores
Pode parecer paradoxal, mas muito provavelmente dentro de dez anos os computadores terão praticamente desaparecido.
Mas cuidado para não interpretar mal: “desaparecer” não significa “deixar de existir”, significa apenas “não mais estar aparente”. Porque computadores haverá em toda parte, apenas não os veremos.
Aliás, isso já acontece hoje. Talvez quem olhe para uma dessas agendas de mão, tipo PDA (Personal Digital Assistant) veja um computador. Talvez não. Mas certamente quem olha para um telefone celular não vê. Nem quem olha para um forno de microondas. Ou para uma televisão, aparelho de som ou DVD modernos. Pois os computadores estão em todos eles, apenas não os vemos. E não somente neles: nas máquinas de lavar roupa modernas, nas câmaras de fotografia e vídeo digitais (e em algumas não digitais), nos sistemas de controle de entrada de cinemas, em quase todo o lugar.
Na medida que os microprocessadores vão se tornando mais poderosos, mais baratos e menores, eles tenderão a se disseminar de tal maneira que, por surpreendente que pareça, simplesmente desaparecerão de nossas vistas. Mas estarão nos brinquedos, nas roupas, nas construções, até nas jóias (talvez incorporando dispositivos GPS) e acessórios femininos.
Computadores domésticos, como os que conhecemos hoje, serão cada vez menos comuns. Sobreviverão, é claro, como ferramenta de uso geral, principalmente para escrever (porém, provavelmente, sem teclado, usando o reconhecimento de voz) e para uma ou outra finalidade específica. Mas em número muito menor do que hoje em dia.

O Lar Digital (Digital Home)
Um dos grandes projetos da Intel para o futuro próximo é o lar digital. Tão importante que ela acabou de lançar no último IDF (Intel Developer’s Fórum) todo um conjunto de tecnologias que recebeu o nome comum de Viiv.
Viiv é a especificação de uma plataforma. Não é para os próximos dez anos, é para amanhã. Mas dentro de dez anos estará certamente mais forte, mais desenvolvida e mais poderosa.
Segundo a própria definição da Intel, a tecnologia Viiv “marca o ponto de interseção para o qual convergem a inovação, um sem número de dispositivos digitais, entretenimento de primeira classe e o estado da arte em tecnologia para oferecer ao usuário seu entretenimento digital preferido”. Parece um conceito um tanto fluido, mas a tecnologia Centrino também parecia quando foi lançada e hoje domina o mercado de micros portáteis.
A Intel pretende fabricar e incentivar a fabricação de um sem número de dispositivos Viiv, todos eles voltados principalmente para o entretenimento doméstico. O meio preferencial de operá-los será por controle remoto (mas eu creio que dentro de alguns anos isso será em grande parte substituído por controle de voz).
Alguns serão simples dispositivos reprodutores de som ou imagem. Mas estarão todos interconectados e seu funcionamento será coordenado por um dispositivo central de enorme poder de processamento e capacidade de comunicação com e sem fio, uma espécie de “servidor”, algo parecido com um computador dos dias de hoje, porém sem teclado ou dispositivos convencionais de entrada e interligado, com e sem fio, a dezenas de outros dispositivos espalhados por toda a casa.
No último IDF a Intel apresentou o Golden Gate, um exemplo do que virá a ser o típico computador Viiv para uso doméstico. O protótipo, inteiramente funcional, capaz de exibir vídeos em alta resolução e jogos tridimensionais, vinha equipado com um microprocessador de duplo núcleo, alto desempenho e baixo consumo de energia (ainda em desenvolvimento com o codinome “Yonah”) e cabe em minha mão espalmada.
Dentro de dez anos ele será mais poderoso, menor e capaz de desempenhar funções que vão muito além do que hoje podemos imaginar.

B. Piropo