< Jornal Estado de Minas >
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28/07/2005
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< Arquivos Musicais: Mudança de Atitude > |
IFPI é a sigla da International Federation of the Phonographic Industry (Federação Internacional da Indústria Fonográfica, em < www.ifpi.org/ >), uma organização internacional sediada em Londres que representa a indústria fonográfica em nível mundial com quase mil e quinhentos membros espalhados por 75 países. Como era de esperar, uma de suas maiores preocupações é a pirataria. Organizações desse tipo, como a malfadada RIAA americana, costumam chorar lágrimas de esguicho à moda de Nelson Rodrigues quando o assunto é transferência de músicas pela Internet. Pois não é que, nadando contra a corrente, semana passada a IFPI publicou em seu sítio um artigo relativamente otimista abordando o tema? O artigo original (em inglês) cujo título é “Transferências legais de arquivos musicais triplicam em 2005; os usuários ficam mais atentos para os processos legais” está disponível em < www.ifpi.org/site-content/press/20050721.html >. Segundo ele, o número de arquivos musicais transferidos legalmente (ou seja, comprados das gravadoras) triplicou no primeiro semestre de 2005, enquanto as transferências ilegais através dos programas de compartilhamento de arquivos (P2P) cresceram apenas 3 porcento no mesmo período (embora, em números absolutos, tenham ultrapassado de muito as transferências legais). No primeiro semestre de 2004 o número de transferências legais chegou perto dos 60 milhões, atingindo 150 milhões em todo o ano. Já apenas no primeiro semestre deste ano elas alcançaram a notável cifra de 180 milhões, três vezes o total do mesmo período do ano passado. Em contrapartida, embora com um crescimento porcentual desprezível, o número de trocas ilegais de arquivos musicais subiu de 870 milhões para 900 milhões no último semestre, um número cinco vezes superior ao das transferências legais. Mas ainda assim a IFPI se mostra otimista já que, a continuar esta tendência, em breve o número de trocas legais ultrapassará o de ilegais. O crescimento da demanda de transferências legais foi bem aceito pelo mercado, que hoje oferece mais de trezentos sítios onde se pode comprar música. Há um ano, este número mal chegava à centena. A IFPI atribui essa tendência a dois fatores. O primeiro é o aumento mundial do número de conexões de Internet rápida (“banda larga”), que cresceu 13 porcento no último ano. Mas a razão maior, ainda segundo o artigo, é que houve uma clara mudança de atitude do consumidor em relação ao assunto, mudança atribuída pela IFPI à divulgação das ações legais contra a pirataria em onze países. Segundo uma pesquisa realizada pela organização na Grã Bretanha e Estados Unidos, mais de um terço dos usuários que se dedicam ao compartilhamento de arquivos citam o “medo de ações legais” como principal fator para redução das transferências ilegais. E em países como a Áustria, onde se adotou uma política de combate à pirataria através de ações judiciais, o número de transferências ilegais caiu 26 porcento entre o primeiro trimestre de 2004 e o mesmo período deste ano. Mas seria mesmo esta a razão? Tenho minhas dúvidas. Que as transferências legais estão aumentando, não duvido. Que as ilegais estejam se reduzindo, ou pelo menos se estabilizando, também é verossímil. Portanto estou inclinado a concordar que, de fato, há uma mudança de atitude. Minha discordância se restringe apenas às razões que levaram a esta mudança. Há uma frase de Tom Freeburg, o “futurologista chefe” da Motorola, que costumo citar com freqüência. Ele afirma que toda vez que houve um choque entre o sistema legal e o avanço tecnológico, este último saiu vencedor. E desta vez não há de ser diferente. No início, quando a indústria fonográfica descobriu que seus preciosos direitos autorais estavam se esvaindo devido à possibilidade de transferir arquivos musicais através da Internet, simplesmente partiu para a luta, apelando para o grito e a força bruta, processando toda e qualquer pessoa que ousasse infringir a lei, de adolescentes que não sabiam que praticavam uma atividade ilegal até vetustos senhores que nem faziam idéia que seus computadores eram usados pelos netos para o intercâmbio de arquivos. Não conseguiram muita coisa além de cair no ridículo e atrair antipatia generalizada. Depois, em um súbito acesso de inteligência, decidiram tirar partido da tecnologia em vez de se voltar contra ela. E começaram a criar e incentivar a proliferação de sítios onde se pode comprar e transferir legalmente desde CDs inteiros até faixas avulsas. Ora, exceto os casos patológicos, ninguém infringe a lei por prazer. Quando aparece a oportunidade de adquirir alguma coisa de forma simples, legal e a um preço justo, a maioria dos cidadãos escolhe esta alternativa. É natural que seja assim. O que me leva a crer que é muito mais provável que a mudança tenha muito mais a ver com a disseminação dos sítios de onde se pode transferir músicas confortavelmente e a um preço razoável que com a atitude atrabiliária das gravadoras e suas ações judiciais. Pelo menos para mim isso faz muito mais sentido... B. Piropo |