< Jornal Estado de Minas >
|
||
30/06/2005
|
< A tecnologia há de vencer > |
Em minhas palestras sobre tecnologia costumo citar uma frase de Tom Freeburg, o “Futurologista chefe” (“Chief Futurist”) da Motorola. Tom na verdade é um dos vice-presidentes da empresa e atualmente dirige seu Centro de Internet Rápida Sem Fio (Broadband Wireless Center), mas sua principal atividade nos últimos anos tem sido a pesquisa de tecnologias inovadoras, daí o título de “futurologista”. Ele afirmou que “sempre que houve uma colisão entre a tecnologia e o sistema legal, a tecnologia venceu”. Pois na segunda-feira passada a Suprema Corte americana emitiu uma sentença que, aparentemente, se choca com esta idéia. Seus nove juizes, em decisão unânime e muito esperada, consideraram que as empresas de intercâmbio de arquivos (principalmente músicas e filmes) Grokster e StreamCast, diretamente acusadas no processo, podem ser consideradas responsáveis por violações de direitos autorais e portanto passíveis de serem interpeladas judicialmente pelos detentores desses direitos. As gravadoras e produtoras de cinema americanas imediatamente comemoraram o que classificaram como “decisão histórica”, alardeando que “o progresso e a inovação não têm que ser obtidos às custas dos artistas, compositores e pessoas que ganham a vida na indústria do entretenimento”. E enfatizaram que a decisão, finalmente, punha fim à troca de arquivos de músicas e filmes via tecnologia “Peer to peer”, mais conhecida por “P2P”. Pois diante de tanto entusiasmo, que não sei se foi genuíno ou apenas para efeito mercadológico, o mínimo que se pode fazer é repetir o sábio dito popular: “devagar com o andor que o santo é de barro”. Porque a coisa não é bem assim. Senão vejamos. No período que antecedeu o julgamento havia em toda indústria de eletrônica americana uma enorme expectativa: a decisão derrubaria ou não o histórico “Veredicto Sony Betamax”? Este veredicto, emitido em 1984 também pela Suprema Corte em um processo movido pela indústria do entretenimento contra a Sony e seus gravadores de vídeocassete padrão Betamax, moldou o futuro da indústria da eletrônica e informática. Mas o que tem vídeocassete a ver com MP3 e por que o “Veredicto Sony Betamax”, um padrão de vídeo que nem mais existe, é tão importante? Para entender é preciso recuar alguns anos, mais exatamente até 1976, quando a Sony lançou no mercado americano os primeiros gravadores de vídeocassete, um dispositivo que permitia não somente gravar tudo o que fosse transmitido pela TV como também copiar fitas de vídeo. O Universal City Studios e a Walt Disney Productions imediatamente processaram a Sony sob a alegação que a cópia de fitas de vídeo violava a lei de direitos autorais. O réu do processo era a Sony porque, segundo alegavam as duas empresas, embora ela mesma não copiasse as fitas, seria a responsável por tornar possível que estas cópias fossem feitas em grande escala. Depois de um longo julgamento a Suprema Corte emitiu o hoje histórico “veredicto Sony Betamax” que considerava legal a cópia de fitas por particulares, desde que esta cópia se destinasse a uso próprio. E mais: determinava que empresas que fabricavam dispositivos que permitissem tal cópia não poderiam ser processadas, mesmo que terceiros os usassem para fazer cópias ilegais. Uma decisão que firmou jurisprudência, vinha ao encontro da opinião de Tom Freeburg e cuja importância para a indústria de eletrônica e entretenimento é óbvia: sem ela, além de não haver gravadores de videocassetes (nem mesmo os do popular padrão VHS), não haveria sequer gravadores de CD e DVD, sem falar nos próprios discos rígidos e disquetes (que permitem a cópia de programas de computador, outro item coberto pela lei de direitos autorais). Pois bem: quem examinar com atenção a decisão de segunda-feira passada da Suprema Corte americana perceberá que, apesar de haver considerado que Grokster e StreamCast são passíveis de serem processadas por violações da lei de direitos autorais que ocorreram em suas redes, declara expressamente que são passíveis de processo apenas “as companhias que se estabeleçam com a intenção efetiva (‘active intent’) de encorajar violações de direitos autorais”. Ou seja: as empresas de intercâmbio de arquivos apenas podem ser processadas se efetivamente induzirem seus usuários a violar a lei. Portanto a tecnologia P2P em si mesma não foi atingida pela decisão (na verdade, nem ao menos foi nela mencionada). E o “Veredicto Sony Betamax” continua vigendo. Essa opinião não é apenas minha. Na verdade, a maioria dos analistas americanos estão se pronunciando neste sentido. Dois bons exemplos são os artigos “Ruling won’t slow file swapping, experts say”, de Alorie Gilbert, da ZDNet em Este último é bastante esclarecedor. “Bong” é o nome vulgar de um cachimbo de água (“water pipe”), um tipo de narguilé muito popular entre os usuários de drogas americanos, que os usam para fumar drogas ilegais e, portanto, cometer um crime. No entanto sua venda é permitida e a autora do artigo cita diversos sítios onde ele é anunciado e comercializado livremente com o fim alegado de ser utilizado para fumar tabaco. A idéia é a mesma: fabricar, vender e anunciar o produto é legal. Se alguém o usa para fins ilegais, os fabricantes, vendedores e anunciantes não podem ser responsabilizados por isso. Em suma: mesmo que alguém a use ilegalmente, a tecnologia em si permanece na legalidade. A grande maioria dos analistas americanos se põem de acordo quanto ao fato de que a decisão de segunda-feira passada da Suprema Corte americana atinge apenas as redes de intercâmbio de arquivos Grokster e StreamCast, não a tecnologia P2P. Que, no máximo, sofrerá alguns atrasos em seu desenvolvimento. Mas continuara viva e forte. Em suma: confirmando a teoria de Freeburg, mais uma vez o avanço tecnológico haverá de vencer o embate contra o sistema legal. É esperar para ver. B. Piropo |