< Jornal Estado de Minas >
|
||
28/04/2005
|
< Revista velha tem seu valor... > |
David Clark, um engenheiro inglês, tem o hábito de guardar revistas antigas. Destaco o emprego respeitoso dos termos “hábito” e “antigas” para denotar que o autor destas mal traçadas compartilha com o Sr. Clark o mesmo costume e entende suas razões. Do contrário eles seriam substituídos, respectivamente, por “mania” e “velhas”, palavras empregadas rotineiramente por minha ex-consorte e pela esposa do bom Sr. Clark para classificar nosso comportamento comum em relação a possíveis fontes de consulta em um futuro remoto (que, ao contrário do Sr. Clark, para mim ainda não se apresentou). Minha ex-consorte, hoje estimada amiga, já não convive com o “monte de papel velho” e portanto não mais se incomoda com ele. Já a esposa do Sr. Clark concedeu-lhe o raro prazer de vê-la engolir todos os comentários acres sobre seu hábito saudável de manter milhares de exemplares de revistas debaixo do assoalho de sua residência em Surrey, Inglaterra, alegando que “um dia elas valeriam um bom dinheiro”. E fê-lo em grande estilo. Pois ocorre que um dos exemplares da preciosa coleção do Sr. Clark era a edição de 19 de abril de 1965 da revista “Electronics Magazine”, uma das mais influentes publicações técnicas sobre eletrônica, que já não vem à luz há algumas décadas. Tratava-se da edição comemorativa dos 35 anos de existência da revista e seu editor decidira fazer dela um número especial. Por isso solicitou a Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, que escrevesse um artigo sobre o futuro dos semicondutores, dispositivos então relativamente novos mas que já dominavam o mercado da eletrônica. E Moore, então um jovem de 36 anos, estabeleceu em seu artigo as bases daquilo que um de seus amigos, o Prof. Carver Mead do California Institute of Technology (“Cal Tech”) batizou de “lei de Moore”, nome pelo qual é conhecida até hoje. A Lei de Moore nada mais foi que o fruto da observação do que vinha acontecendo até então com a nova tecnologia dos “circuitos integrados”, a técnica de agrupar transistores em um mesmo encapsulamento. Os mais poderosos de então continham 30 transistores e, reparando que este número vinha dobrando a cada ano, Moore preconizou que aquela tendência se manteria por algum tempo. O que Moore não previu era quão longo seria esse “algum tempo”. Pois ocorre que hoje, exatamente 40 anos depois (se você não reparou, a Lei de Moore aniversariou semana passada), ela continua vigendo e todos os especialistas são unânimes em afirmar que continuará por pelo menos mais uma década, quando dificuldades técnicas obrigarão a busca de um processo alternativo de fabricação de circuitos integrados. Ora, fazer uma extrapolação a partir de apenas 30 unidades, constatar que ela continua válida 40 anos depois quando o número de transistores no maior circuito integrado a ser fabricado este ano (o Itanium de núcleo duplo) atinge a 1,7 bilhão e saber que continuará vigendo pelo menos até completar meio século, quando o número de transistores de um microprocessador estará na casa das dezenas de bilhões, é um feito e tanto. O que tornou aquele número da Electronics Magazine um exemplar histórico e nos traz de volta ao Sr. Clark e seu hábito de colecionar revistas antigas. Pois acontece que ele tinha o exemplar e a poderosa Intel, que praticamente vive da Lei de Moore, não. Tudo o que ela tinha eram fotocópias do artigo. Ao constatar essa lacuna imperdoável na biblioteca da empresa, sua direção decidiu reparar o erro. E, no início deste mês, postou um anúncio no eBay, popular sítio americano de leilões, oferecendo dez mil dólares por um exemplar original. Todo o necessário para abocanhar a grana era uma foto para comprovar o estado da revista. A primeira conseqüência desta iniciativa foi uma revolta dos bibliotecários, começando pelo responsável pela biblioteca da Universidade de Illinois, que examinou seu acervo e constatou o desaparecimento de um de seus dois exemplares da revista. Seguido por alguns colegas nos EUA que prudentemente trancafiaram seus preciosos exemplares A segunda, de acordo com entrevista de Manny Vera, porta-voz da Intel, publicada em O que se mostrou em melhor estado, naturalmente, foi o exemplar do Sr. Clark. Que embolsou a grana alegremente. Nesta altura dos acontecimentos, estão felizes: - a Intel, que pretende colocar a revista em exibição no pequeno, mas interessantíssimo museu que mantém em sua sede, em Santa Clara, Califórnia (e que pretende comprar, naturalmente por um preço menor, algumas cópias adicionais da revista; um par delas servirão de cópias de segurança para o exemplar do museu e uma outra será presenteada ao Sr. Clark para preencher a lacuna de sua hoje desfalcada coleção); - o Sr. Clark que, conforme declarou em entrevista à BBC, pretende usar o dinheiro para fazer face às despesas da festa do casamento de sua filha; e - a filha, que terá uma festança em seu casamento. A exceção é a Sra. Clark, que anda resmungando pelos cantos: “agora mesmo é que nunca mais vou me ver livre daquele monte de entulho”. (para ser honesto, não encontrei essa última citação em nenhuma das fontes consultadas, mas conhecedor que sou da natureza humana, duvido que não seja verdade...) B. Piropo |