Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
Volte
10/03/2005

< IDF 2005 >


IDF é a sigla de “Intel Developer Forum”, um evento organizado pela Intel que reúne periodicamente desenvolvedores, empresas de alta tecnologia e seus dirigentes durante três dias para discutir com os executivos, técnicos, cientistas e pesquisadores da Intel os rumos da tecnologia digital nos próximos anos e as mudanças que essa evolução promoverá na sociedade em que vivemos. Apenas no primeiro semestre deste ano estão previstas sete edições do IDF. As seis últimas ocorrerão no Egito e em paises asiáticos, estendendo-se de dez de maio a 27 de abril. A primeira aconteceu semana passada em San Francisco, Califórnia e se estendeu de primeiro a três de março.

Foi um evento e tanto, que reuniu mais de cinco mil participantes no Moscone Center para assistir a seis palestras de abertura (“keynote speeches”) e a quase cento e cinqüenta apresentações abrangendo temas que iam deste os mais recentes trabalhos da Intel na área de pesquisa e desenvolvimento até o escritório (e a casa) digital, passando por tecnologias para plataformas móveis, arquitetura do barramento PCI Express, tecnologia de armazenamento, tendências atuais da computação de alto desempenho, arquitetura avançada de comutação e outros tantos do mesmo calibre.

Quem assistiu à palestra de abertura proferida por Craig Barret, principal executivo da Intel, no primeiro dia do evento, teve uma idéia razoável do que poderia esperar do evento. Nela, Barret esboçou um quadro bastante abrangente das atividades da Intel e seus planos para o futuro próximo. Começando por frisar que as palavras chave que estão por detrás da evolução da Intel são inovação e integração: é a inovação que transforma conceitos, idéias e funcionalidades em produtos que oferecem ao público a oportunidade de desfrutar da tecnologia digital para fazer coisas nunca antes sonhadas e é a integração que permite combinar centenas de milhões de microscópicos transistores em dispositivos com uma arquitetura particular que possibilitam a criação de plataformas de hardware e software cada vez mais intuitivas, rápidas e fáceis de usar. E a combinação de inovação com integração nunca se deu tão rapidamente como agora.

Craig Barret no IDF Spring 2005

Pense no que ocorreu nos dois últimos séculos, sugere Barret. Nos anos 800 duas notáveis invenções impulsionaram a tecnologia: a indústria do aço e a máquina a vapor, que ensejaram a fabricação de locomotivas e o surgimento das ferrovias. E na primeira metade do século passado encontramos eventos que mudaram completamente a sociedade, como a disseminação do automóvel, do avião e das telecomunicações, incluindo rádio e TV.

Já os últimos cinqüenta anos do século passado foram dominados por uma única tecnologia básica, a eletrônica digital. Mas ela permeou praticamente todas as atividades da sociedade, dos relógios digitais às estruturas de memória (substituindo as antigas memórias de núcleo magnético), dos microprocessadores aos telefones celulares, dos computadores pessoais a um mundo de novos dispositivos. Ao fim e ao cabo, chegamos a uma era dominada pela computação e telecomunicações, combinadas com um rico conteúdo digital. Hoje, ressalta Barret, estamos vivendo a era da convergência dessas áreas do conhecimento.

Pairando soberana acima dos conceitos de inovação e integração está a Lei de Moore, enunciada por Gordon Moore nos anos sessenta, que determina que o número de transistores dos circuitos integrados (inclusive e principalmente dos microprocessadores) dobra a cada período finito de tempo, hoje da ordem de 18 a 24 meses. Uma lei que vem sendo confirmada há quarenta anos. O que fez Barret afirmar que se você quer descrever sua indústria com três palavras, elas serão ou “lei de Moore” ou “inove e integre”. E essa integração chegou ao ponto de produzir, ainda este ano, um microprocessador Itanium de núcleo duplo (codinome Montecito) com a bagatela de 1,7 bilhões de transistores (sim, bilhões, não milhões) integrados em um único circuito.

É certo que a contínua evolução da Lei de Moore enfrenta obstáculos: a tecnologia atualmente empregada que implica a redução da espessura da camada de silício na qual são fabricados os transistores está prestes a atingir o limite do possível. Mas, diz Barret, há formas de contornar os obstáculos, como por exemplo o “paralelismo”, a tecnologia de núcleos múltiplos na qual a Intel aposta pesadamente. Além disso a Intel, que no momento está fabricando microprocessadores com uma camada de silício de apenas 90 nm (nanômetros, ou milionésimos de milímetro) de espessura, já se prepara para produzir as próximas quatro gerações de microprocessadores usando camadas de 65 nm (ainda este ano), 45 nm (em 2007), 32 nm (em 2009) e 22 nm, prevista para 2011 (veja figura).

Estas tecnologias, combinadas com o paralelismo, na opinião de Barret farão com que a Lei de Moore continue válida por mais dez a vinte anos. Mas, quando a espessura da “porta” – um microscópico elemento interno dos transistores mostrado em tom mais escuro nas figuras – chegar a 5 nm, a formação de corrente indesejada (“leakage”) entre os demais elementos, além de outros empecilhos de ordem técnica, forçarão o abandono da atual técnica de fabricação de transistores sobre camadas de silício e sua substituição por outras tecnologias.

Em sua palestra de abertura Barret não poderia deixar de mencionar as “Star-T”, as novas tecnologias de ponta que são a menina dos olhos da Intel no que diz respeito às inovações de seus microprocessadores, as mesmas abordadas no artigo “As seis T’s da Intel” publicado aqui mesmo no Inform@atica em 25 de novembro passado (e ainda disponível na seção “Artigos no Estado de Minas” de meu sítio, em < www.bpiropo.com.br >), enfatizando três delas: virtualização, segurança e Hyperthreading.

Craig Barret encerrou sua palestra mencionando um campo que começa a despertar o interesse da Intel: “saúde digital”, ou o emprego da tecnologia digital em serviços e tarefas ligadas à saúde. Segundo ele, esse segmento corresponde a 15% do PIB americano, o que o coloca na posição de maior indústria do país. E Barret acredita que há grandes oportunidades para quem nele ingressar. Portanto, esperem novidades neste campo. Porque quando a Intel decide entrar em um novo negócio, raramente sai de mãos vazias.

Mas além de explicitar a estratégia da Intel para o futuro próximo, o IDF funciona como vitrine para as tendências tecnológicas da empresa. E nesse setor, dois tópicos chamaram a atenção.

O primeiro é o paralelismo, ou tecnologia de núcleo múltiplo (multiple core).

O paralelismo é um recurso inteligente para atender a um mercado que exige dos novos processadores uma capacidade de processamento cada vez maior. Até o momento esse aumento vinha sendo alcançado elevando a freqüência de operação. Mas uma freqüência maior implica maior consumo de potência e todo aumento na potência consumida corresponde a um aumento proporcional na dissipação de calor. Ou seja: o microprocessador “esquenta” cada vez mais. A miniaturização crescente, que agrupa um número sempre maior de transistores em uma área cada vez menor, aumenta significativamente a dificuldade de transferir o calor produzido pelo circuito integrado para o ambiente que o circunda. Isso tem exigido dissipadores de calor cada vez mais volumosos e ventoinhas mais eficazes e causou até mesmo uma mudança recente no fator de forma de placas-mãe, com o novo padrão BTX especialmente concebido para facilitar a dissipação de calor. Mas o problema se tornava cada vez mais crucial, o que obrigou os pesquisadores da Intel a buscar uma forma alternativa de aumentar a capacidade de processamento.

A idéia, essencialmente, é muito simples: se eu não posso aumentar a capacidade de processamento executando o trabalho cada vez mais depressa, por que não decompor esse trabalho em tarefas que podem ser executadas simultaneamente? O resultado final é o trabalho executado em um tempo menor. Essa é a concepção básica do paralelismo. Como se vê, de uma simplicidade franciscana.

O problema é que se a concepção é realmente singela, a implantação não é tão fácil. Os primeiros passos foram dados há três anos, quando a Intel incorporou a seus Pentium 4 a tecnologia HyperThreading. Ela consiste em fazer com que as duas linhas internas de processamento de um núcleo de Pentium, sob determinadas condições, funcionem independentemente, permitindo que um único processador seja “visto” pelo sistema como duas unidades (quase) autônomas. Assim, o processamento pode ser decomposto em tarefas (“threads”) que são executadas simultaneamente, uma em cada linha de processamento.

Pois bem: a Intel está tão comprometida com a tecnologia de núcleos múltiplos que, durante o IDF, Steve Pawlowski, Diretor de Arquitetura, Planejamento e Tecnologia de Plataformas da Intel, afirmou textualmente:

“Ainda este ano teremos processadores de múltiplos núcleos (“multicore”) em todas as nossas linhas de produtos, de micros portáteis a servidores. E estimamos que no próximo ano 85% dos nossos produtos e processadores terão múltiplos núcleos. E como engenheiros são engenheiros, nós não pararemos aí: vamos continuar a integrar mais núcleos, mais “threads” e aumentar o desempenho básico de computação de nossas plataformas”.

Ainda em 2005 a Intel começará a produzir seus processadores com mais de um núcleo, os primeiros Pentium Dual Core. Esses dois núcleos funcionarão efetivamente como unidades independentes. Tão independentes que cada um deles poderá, por exemplo, adotar a tecnologia HyperThreading, o que aumenta o número possível de “threads” simultâneas para quatro. Esse é o caso do Pentium Extreme Edition 840, um processador de dois núcleos, ambos incorporando HyperThreading (portanto capaz de executar até quatro tarefas simultaneamente) que operará em uma freqüência de 3,2 GHz, com um cache L2 de dois Mb (um Mb por núcleo), barramento frontal de 800 MHz, tecnologia IEM64T (a tecnologia de 64 bits da Intel para micros pessoais), fabricado com camada de silício de 90 nm e contendo cerca de 230 milhões de transistores, a ser lançado nos próximos meses (eu assisti neste IDF uma demonstração de um protótipo deste chip executando quatro tarefas simultâneas e atesto: o desempenho é impressionante). Ainda em 2005 a Intel lançara o Itanium 2 Dual Core (codinome Montecito) e em 2006 o Xeon multicore (codinome Paxville, de 90 nm, seguido pelo Tulsa, de 65 nm) e em 2006 o Pentium 4 multicore de 65 nm (codinome Presler). Portanto a tecnologia de múltiplos núcleos já é uma realidade e está indissoluvelmente incorporada à estratégia da Intel para os próximos anos.

O segundo tópico que me impressionou no IDF foi a apresentação de uma tecnologia absolutamente nova (na verdade, seus fundamentos foram publicados em artigo na revista Nature há apenas três semanas) que poderá revolucionar alguns setores do processamento: um laser de silício.

Laser é o acrônimo de “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation (amplificação da luz por emissão estimulada de radiação). Gera-se um raio laser emitindo-se uma radiação luminosa para o interior de um meio transparente limitado por dois espelhos, um deles translúcido, colocados um em frente ao outro. Os raios luminosos vão se refletindo nos espelhos e somando suas energias na medida que são impulsionados de um lado para outro, formando um feixe de luz coerente que acaba escapando pelo espelho translúcido. A tecnologia laser hoje em dia é tão banal que está incorporada até em brinquedos.

Pois bem: a Intel acaba de fabricar o protótipo de um laser de silício. E acontece que o cristal de silício, além de não ser transparente, é um dos piores meios para geração de lasers.

O primeiro problema foi resolvido alterando-se a luz: em vez de usar feixes luminosos do espectro visível, os cientistas utilizaram radiação infra-vermelha, que atravessa facilmente o cristal de silício.

O CI do laser de silício

O segundo problema foi resolvido explorando-se uma curiosa propriedade da luz descoberta em 1922 por Chandrasekhara Venkata Raman, um cientista indiano que recebeu o Prêmio Nobel de 1930 por sua descoberta, o efeito Raman.

Raman descobriu que sempre que um meio é atravessado por um feixe de luz, uma parte da energia deste feixe é dispersada (“scattered”) sob a forma de luz emitida radialmente. Pois bem: os técnicos da Intel concluiram que, embora o silício seja um meio pobre para geração de laser, o efeito Raman se manifesta nele com uma intensidade dez mil vezes maior do que na fibra ótica. O que torna o silício o meio ideal para fabricação dos chamados “laser Raman”, que utiliza a luz dispersada pelo efeito Raman para criar o feixe de luz coerente.

A teoria não é nova, a novidade é seu uso no silício. E vem sendo pesquisada pela Intel já há algum tempo. No ano passado os pesquisadores conseguiram criar um “laser Raman” usando um cristal de silício, cuja potência do raio emitido crescia na medida que aumentava a potência aplicada para gerar o laser (“pump power”). Mas descobriram também que havia um limiar a partir do qual, por mais que se aumentasse a “pump power”, a potência do raio laser gerado permanecia estável. Pesquisas posteriores revelaram que isso se devia ao fato de que, na medida que os fótons se acumulavam no interior do cristal, deslocavam elétrons dos átomos internos e esses elétrons livres acabavam por absorver alguns fótons, limitando a geração do laser. Há três semanas Jerome Faist publicou na revista científica Nature (edição de 17/02/2005) o trabalho “Silicon shines on” que revela ter sido encontrada uma forma de remover os elétrons livres, permitindo a criação dos primeiros lasers de silício, dos quais um protótipo distribuído pela Intel no IDF é mostrado na figura.

Neste ponto você há de estar se perguntando para que diabos há de servir isso. Ou melhor: qual a vantagem de um laser de silício? Bem, uma explicação detalhada definitivamente não caberia aqui. Mas vou dar duas pistas.

A primeira: trabalhar com silício é muito mais fácil e barato que com meios óticos. Portanto transmitir dados através de lasers de silício tenderá a fazer com que dados sejam transmitidos mais rapidamente a custos mais baixos, um ponto fundamental, por exemplo, para a indústria do entretenimento, que poderá transmitir música, filmes e televisão “on demand” a taxas elevadíssimas e custos muito mais baixos que os atuais.

A segunda: a luz se desloca na velocidade da luz (garanto que isso não o surpreendeu...) Feixes de laser gerados diretamente no silício em que os circuitos integrados são fabricados podem revolucionar a forma como os dados são transmitidos internamente, criando um novo conceito de barramento. Já imaginou um barramento frontal transmitindo dados na velocidade da luz e operando na mesma freqüência da CPU?

Pois esses são os horizontes abertos pelos laser de silício...

 

B. Piropo