Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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02/12/2004

< Delphi 2005 >


Há algum tempo um leitor curioso me escreveu perguntando o significado de uma mensagem estranha exibida na tela de seu computador que se recusava a dar a partida. Dizia ela: “NO ROM BASIC”. Que diabo seria aquilo? Não contive um nostálgico sorriso. Porque aquela mensagem, que hoje já não faz sentido, me fez lembrar do tempo em que quando se ligava a máquina, primeiro ela procurava por um sistema operacional no disquete do drive A, depois no disco rígido e, se não achava, tentava carregar um interpretador BASIC gravado em um chip de memória apenas para leitura (ROM). Caso esta última tentativa não fosse bem sucedida aparecia aquela mensagem avisando que interpretador BASIC não tinha sido encontrado. O interessante é que por detrás do significado da mensagem esconde-se um fato que hoje pouca gente se dá conta: há pouco mais de vinte anos todo PC vinha com uma linguagem de programação “embutida”. O que significa que naqueles tempos heróicos, se você quisesse usar um computador pessoal, tinha que fazer seus próprios programas. Ou seja: todo usuário era um programador. E quando surgia uma novidade na área da programação era um Deus nos acuda.

Pois bem: em junho de 2000 a MS lançou sua “plataforma .NET” e com ela iniciou uma revolução na arte de programar. E pouca gente se deu conta. Inclusive esse seu criado, apesar de haver comparecido ao evento de lançamento capitaneado pelo próprio Bill Gates no campus da MS em Redmond, Washington, EUA. Que, talvez pela falta de perspectiva causada pelo excesso de proximidade, apenas percebeu os pontos mais óbvios da coisa: a MS anunciava uma nova geração de software que conjugava a computação com as comunicações e usava novos meios de utilizar e distribuir programas.

Mas a estratégia .NET (diz-se “ponto-net”) era muito mais que isso. Era algo que viria a mudar completamente a forma de desenvolver programas. Mas em um tempo em que ninguém mais era programador, quem se importava com isso?

Mas mudar como? Ora, eu sei que a probabilidade de que você, caro leitor, seja um programador é muito pequena. Então vou poupá-lo dos detalhes mais maçantes. Mas posso tentar explicar a coisa sem apelar para muitos tecnicismos. Então vamos nessa.

Nas priscas eras do velho PC um programa executável era criado em três passos. No primeiro, o programador digitava as linhas do programa em uma linguagem de programação que ele entendia, uma “linguagem de alto nível”, como BASIC, Pascal ou C, gerando um arquivo texto contendo o “código fonte”. No segundo passo esse texto era submetido a um programa que “compilava” os comandos da linguagem de alto nível e os transformava em um novo arquivo contendo o mesmo código, mas em comandos de uma linguagem que apenas poucos programadores entendiam, o Assembly. Esse era “código objeto”. Finalmente, o terceiro passo submetia o código objeto a um outro programa, o montador (assembler), que gerava (ou “montava”) o arquivo executável, um conjunto de números expressos na base dois (“código binário”) contendo comandos em uma linguagem que só a máquina “entendia”. E o programa era executado instrução a instrução pela CPU. Um negócio relativamente simples.

Depois, surgiram os sistemas operacionais “orientados para objetos” e suas “interfaces gráficas”, como Windows e similares, com suas APIs (Interfaces para programação de aplicativos). Uma API é um conjunto de funções que o sistema operacional põe à disposição do programador, que pode inclui-las em seu código fonte para aproveitar as facilidades oferecidas pelo sistema operacional. A rotina da programação ainda era a mesma: iniciava com um código fonte criado em uma dentre as diversas linguagens de alto nível disponíveis (C++, Visual Basic, Delphi e outras) e o resultado final continuava sendo um programa executável. Mas como ele tinha sido desenvolvido usando as APIs de Windows, suas instruções já não eram repassadas diretamente à CPU, mas usavam sistema operacional como intermediário para decifrar as funções de sua API. São os executáveis “Win32”, ou seja, somente rodam na chamada “plataforma Windows de 32 bits”.

A estratégia .NET revolucionou tudo isso. Começou mudando as linguagens de programação. Você ainda pode programar em C ou Visual Basic se quiser, mas terá que usar as versões desenvolvidas para a plataforma .NET, o C# ou VBNet. Isso porque a nova plataforma permite criar programas executáveis juntando módulos desenvolvidos pelas diferentes linguagens (ou seja, pode-se programar algumas rotinas em uma linguagem, outras em uma linguagem diferente e juntar tudo isso em um único executável). Além disso, o programa executável não é mais formado por um conjunto de instruções que podem ser executadas pela CPU de um determinado tipo de micro, como a linha PC ou Mac, mas sim por uma coisa abstrata chamada Microsoft Intermediate Language (MSIL), ou “linguagem intermediária Microsoft”. E pode rodar em qualquer máquina cujo sistema operacional possa entender a “linguagem MSIL”, desde um micro de mão até um computador de grande porte. Em suma: com a estratégia .NET a MS arrumou um jeito de qualquer programador desenvolver quaisquer programas em qualquer linguagem que rodarão em qualquer máquina. Nos tempos em que cada usuário era um programador, isso seria uma revolução sem tamanho. Nos dias de hoje, a coisa quase passou despercebida.

Mas o que tem tudo isso a ver com o título deste artigo? Não parece, mas tem tudo a ver.

No período de 17 de novembro a primeiro de dezembro a Borland realizou uma sucessão de eventos em diversas cidades brasileiras (o de Belo Horizonte ocorreu em 18 de novembro) para marcar o lançamento da nova versão de seu Rapid Application Development (RAD), uma poderosa plataforma de desenvolvimento de aplicativos, o Borland Delphi versão 2005. Segundo George Paulini, vice-presidente e gerente geral de ferramentas de desenvolvimento da Borland, o anúncio do lançamento desta versão, até recentemente conhecida pelo nome de código Diamondback, “é o mais importante do Delphi em anos”.

Mas o que ele tem de revolucionário?

Bem, se você usa as ferramentas de programação Delphi, sabe que poderia desenvolver programas “Win32” que rodam em Windows usando o Delphi 7. Se preferir, poderia desenvolver seus programas em C usando o C Builder. Mas se quisesse desenvolver um programa capaz de rodar na plataforma .NET, teria que usar o Delphi 8. Pois bem: agora você pode fazer tudo isso (inclusive programas em C#) usando apenas o Delphi 2005.

Isso não o abalou? Bem, então você não é um programador ou não usa Delphi. Porque para quem é, o anúncio foi tão revolucionário que motivou o lançamento de uma edição especial da revista “ClubeDelphi”, especializada no assunto. E uma edição onde os articulistas não pouparam elogios.

A começar pelo Editorial, onde Guinther Pauli, editor geral da revista, diz textualmente: “É com enorme emoção e satisfação que escrevo este editorial. Há uma década tenho convivido com esta fantástica ferramenta de desenvolvimento acompanhando sua evolução e crescimento e posso afirmar com extrema certeza: estamos diante da maior, melhor e mais revolucionária versão do Delphi. O Delphi 2005 é uma ferramenta única e especial”. Guinther não somente é editor da revista como um experiente profissional de programação, e um comentário como este da pena (ou do teclado...) de alguém de seu gabarito não é de se desprezar. Mas ele não é o único. Praticamente cada artigo da revista analisa e cobre de elogios algum aspecto da nova ferramenta. Veja o que diz Emerson Facunte, autor de diversos livros para desenvolvedores, em seu artigo Delphi 2005: o Retorno do Rei: “A IDE está mais inteligente, mais ágil, com novas tecnologias de acesso a banco de dados, diversas opções para o desenvolvimento Web... O desenvolvimento de WebServices está muito mais fácil, com wizards inteligentes e suporte a multiplataforma (Win32 e .NET)... A Borland conseguiu melhorar o que já era ótimo”.

Dormevilly Tertius, Gerente Regional do Rio de Janeiro da Borland Brasil afirma que a capacidade de programar tanto em C# quanto em Win32 e .NET no mesmo ambiente de desenvolvimento é tão importante que ofuscou as muitas outras inovações da nova versão. Não sou programador profissional e a maioria dos que lêem estas mal traçadas também não, de modo que não dá para entrar em detalhes sobre tais novidades. Mas há uma da qual certamente todos perceberão as vantagens. Chama-se History Manager e consiste na possibilidade de rever, a qualquer momento, todas as versões de um arquivo que está sendo criado. Acontece que, como a maior parte dos produtos do engenho humano, um programa é feito pouco a pouco, acrescentando e alterando o código na medida em que é criado. E não são poucas as vezes em que uma mudança leva a um mau resultado. Poder recuperar a qualquer momento todas as versões anteriores é uma vantagem e tanto. E não é preciso ser programador para entender isso.

Pois é isso. A Borland lançou o Delphi 2005. O que talvez não mude a vida da maioria de nós. Mas a dos programadores Delphi certamente mudará. E, pelo visto, para melhor.

B. Piropo