< Jornal Estado de Minas >
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11/11/2004
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Voz sobre IP: a Comunicação > |
A cena nada teria de extraordinário: um cavalheiro, por telefone, chama seu secretário na sala ao lado dizendo “Mr. Watson, came here, I want you” (Sr. Watson, venha até aqui, eu preciso do senhor). No entanto, nos idos de março de 1876 em Boston, EUA, proferida por um cavalheiro de ar solene e hirsuta barba chamado Alexander Graham Bell, esta simples frase marcou um momento histórico: a primeira vez que o homem fez uso do telefone. E forjou uma nova era, a das telecomunicações. De lá para cá muita água passou por debaixo da ponte. Aquele simples aparelho, descrito por Thomas Watson como “uma coisa rude, feita de uma base de madeira, um funil, um copo de ácido e alguns fios de cobre” foi a semente de algo que mudou o comportamento da sociedade. É claro que desde aquela ligação a tecnologia evoluiu um bocado. As redes telefônicas invadiram as cidades com seus fios, primeiro as mais importantes, depois praticamente todas elas. No início a coisa era tosca: girava-se uma manivela que fazia tocar um sinal na central telefônica onde uma telefonista atendia, perguntava com que número você desejava falar e fazia a conexão manualmente, encaixando um pino metálico em uma tomada (se vocês prometerem manter segredo eu confesso que cheguei a falar em um aparelho destes, de parede, provavelmente um dos últimos, em uma pequena cidade do interior de São Paulo onde vivi alguns anos de minha tenra infância; é verdade que eu tinha que subir em uma cadeira para que minha boca alcançasse a altura do fone, mas falei...). Depois, as coisas evoluíram, vieram as conexões discadas, as centrais comutadas, o sistema automatizou-se e acabou evoluindo para o que hoje em dia se conhece por STFC, Serviço Telefônico Fixo Comutado que, segundo a Anatel, é definido como “o serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. Suas modalidades são o serviço local e os de longa distância nacional (DDD) e internacional (DDI). E as telecomunicações continuam evoluindo. Um passo relativamente recente dessa evolução foi a implementação das “centrais telefônicas digitais”, hoje quase onipresentes. Lembra dos velhos telefones tipo “pulso”, aqueles de disco, que quando o disco se movia após a discagem de um número geravam uma série de estalidos? Pois cada um daqueles estalidos correspondia à emissão de um “pulso” de corrente causado por uma brusca interrupção do sinal de discar. Lá na central telefônica, um dispositivo contava esses pulsos e, de acordo com eles, providenciava a conexão com o número discado. Esse tipo de central telefônica convencional praticamente desapareceu, substituídas pelas “centrais digitais” controladas por computador. Os telefones a elas conectados já não mais emitem pulsos, mas um “tom” gerado não pelo girar de um disco, mas pelo premir de uma tecla. Cada tom, com sua freqüência sonora característica, corresponde a um número. Na central digital esses tons são decodificados em números e um sistema de computadores completa a ligação. Como o núcleo de tudo isso é um sistema de computadores (daí o nome “digital”) esse tipo de central permite a prestação de serviços que as antigas centrais convencionais estavam impossibilitadas de prestar, como “chamada em espera”, identificação de chamadas, transferência de números (“siga-me”) e outros pequenos confortos. Mas o sinal telefônico, aquele que transporta a voz (por isso chamado de onda portadora) que transita pelas centras digitais continua sendo do mesmo tipo que o usado nas velhas centrais convencionais: uma corrente elétrica produzida no fone do aparelho junto à sua boca, que oscila conforme o som da voz e que é amplificada, transportada pelos condutores elétricos que unem seu telefone até a central e daí ao telefone de seu interlocutor, onde é novamente transformada em som no alto-falante junto ao ouvido dele. Em suma: uma transmissão através de um sinal analógico, ou seja, de uma corrente elétrica cujas oscilações são análogas às da freqüência do som da voz. A central é digital, mas o sinal continua analógico. E poderia se diferente? Claro que sim. O som, como toda grandeza física, pode ser “digitalizado”, ou seja, codificado sob a forma de números expressos em dígitos binários, do sistema numérico posicional de base dois. Basta captar o som e registrar suas variações de amplitude e freqüência. Depois, esses números podem ser fornecidos a um dispositivo adequado que “saiba” reproduzir os sons que os geraram. Mas será que se consegue uma reprodução fiel, ou seja, gerar um som idêntico àquele que foi capturado e digitalizado? Evidentemente que sim. Estão aí os CDs de áudio que não me deixam mentir: a música é gravada neles sob a forma de números binários que o “CD player” decodifica e reproduz. E se o som não lhe parece agradável a culpa é sua que não soube escolher o disco, não da digitalização do som. Mas diga-me lá: se o som da nossa voz pode ser digitalizado, não poderia ser transmitido pela Internet? Mas claro que sim. Não somente poderia como pode. Basta usar a tecnologia denominada “voz sobre IP”. Explicando: IP é a sigla de “Internet Protocol”, o protocolo (conjunto de regras a serem obedecidas pelo transmissor e receptor) usado para transmitir dados pela Internet. E, a partir do momento em que foi digitalizada, a voz é um conjunto de dados como outro qualquer. Que pode, portanto, trafegar pela Internet usando um outro protocolo, o TCP (Transfer Control Protocol), que fraciona o conjunto de dados em “pacotes” enviados do computador origem até o computador destino. Onde são “remontados” na ordem em que foram produzidos e em seguida decodificados, para reproduzir o som. Há, é claro, algumas limitações. A primeira: para que se possa manter uma conversação “em tempo real”, é preciso que a taxa de transmissão de informações seja alta, senão a conversa fica impossível, com as vozes “picotadas” e grandes retardos. Mas nada que uma boa conexão de Internet rápida (ou “banda larga”) não resolva. A segunda: da forma como foi descrita, a conversa se dará de computador a computador, não de telefone a telefone. Coisa que quem usa um serviço chamado Skype está cansado de saber. Se seu computador tem uma placa de som razoável, microfone e alto-falantes, você pode experimentá-lo: vá até < www.skype.com/ >, descarregue o software adequado, instale-o em sua máquina e passe a se comunicar com meio mundo usando gratuitamente um serviço muito parecido com as conhecidas salas de bate-papo (“chat”), só que em viva voz. Sua voz, capturada por seu microfone e digitalizada por sua placa de som, é transportada pela Internet usando o protocolo IP (daí o nome “voz sobre IP”), decodificada na placa de som do micro de seu interlocutor e, se a conexão Internet de ambos for suficientemente rápida, emitida alta e claramente pelo alto-falante da máquina dele – e vice versa. Uma beleza. Mas se é possível manter uma conversa de computador e computador e se telefones podem ser conectados a computadores, não seria possível, de meu computador, estabelecer uma ligação telefônica com um aparelho qualquer da rede pública? Bem, poder, até que pode. E já tem muita gente fazendo isso. Do ponto de vista técnico, não há problema. Problema há do ponto de vista legal. Ou melhor, regulamentar. Sim, porque a Anatel, agência que regulamenta a prestação de serviços de telecomunicações no Brasil, está no mínimo um tanto confusa em relação à matéria. Para ela, de acordo com o “Anexo à Resolução N. o 272, de 9 de Agosto de 2001”, o serviço de voz sobre IP não é telefonia, mas algo englobado em uma coisa chamada “Serviço de Comunicação Multimídia” definida como um “serviço que possibilita a oferta da capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço”. Uma definição bizarra que mete no mesmo saco, além da transmissão de voz, “áudio, vídeo, dados e outros sons, imagens textos e outras informações de quaisquer natureza”. A menção mais direta ao uso do serviço para telefonia voz está no Artigo 66 que reza, textualmente: “ Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviço com as características do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC ), em especial o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC”. Ou seja: não é permitido estabelecer uma ligação entre um telefone e um computador, deste a outro computador (inclusive via Internet) e daí a um segundo telefone da rede pública no Brasil. E a razão dessa proibição não é proteger o bolso do cidadão, mas impedir a concorrência com as operadoras, únicas licenciadas para estabelecer ligações telefônicas, que por isso mesmo cobram tarifas escorchantes pelos serviços que prestam. Mas e se a ligação não for originada no Brasil? Exemplificando: eu estabeleço uma ligação entre meu computador e um servidor localizado em um país centro-europeu, digamos, a Sbórnia Marginal Setentrional. Não há impedimento legal, naturalmente, já que o uso da Internet é livre inclusive naquele pequeno país. E, da Sbórnia Marginal Setentrional, através da rede pública, o servidor fecha uma conexão com um telefone de uma cidade, por exemplo, no Rio Grande do Sul, permitindo-me iniciar uma conversação voz sobre IP. Algum impedimento de ordem legal ou regulamentar? Eu, que não sou besta e não estou aqui para ser processado por apologia ao crime, aproveitando a presença de um representante da Anatel na mesa de debates que sucedeu ao Intel Wireless Fórum realizado em São Paulo em 17 de junho passado, fiz a ele esta pergunta. E ele, diante de algumas centenas de participantes do evento, embora a contragosto, respondeu que “infelizmente” não havia impedimento algum. Segundo ele, se alguma ilegalidade houvesse, ela estaria sendo cometida pelo cidadão da Sbórnia Marginal Setentrional responsável pelo servidor que estabeleceu a conexão com a rede pública brasileira, e a jurisdição da Anatel não se estende até a Sbórnia. Agora, com a necessária cobertura legal, estou finalmente habilitado a divulgar um serviço que pode poupar uma nota preta a qualquer pessoa que efetue freqüentes ligações telefônicas de longa distância, nacionais ou internacionais, Um serviço prestado por empresas que oferecem conexões voz sobre IP cobrando tarifas que são uma pequena fração das cobradas pelas operadoras telefônicas nacionais. E para deixar clara a diferença, veja a tabela onde os valores das tarifas de longa distância nacionais e internacionais das três maiores operadoras brasileiras, Telemar (31), Intelig (23) e Embratel (21), são comparados com os valores das mesmas tarifas de quatro prestadoras de serviço VoIP (os valores das tarifas das operadoras brasileiras foram obtidos em seus sítios na Internet em 07/11/2004 considerando o plano básico com impostos, chamadas originadas em Minas Gerais; os das prestadoras de serviço VoIP também foram obtidos de seus sítios na Internet na mesma data, os do Skype em Euros, os das demais em Dólares americanos, sendo os valores convertidos para Real ao câmbio do dia, R$ 2,82 por US$ e R$ 3,65 por Euro). Então vamos a elas – antes porém esclarecendo que não tenho nenhum interesse comercial ou de qualquer outra ordem em nenhuma delas, estou aqui apenas tentando prestar um serviço aos leitores. A primeira é a própria Skype. Que, além de oferecer a possibilidade de “bater papo” gratuitamente de computador a computador, oferece também o serviço (pago) “SkypeOut”, que permite efetuar conexões de seu computador para qualquer telefone da rede pública de qualquer local do mundo, inclusive Brasil. Para usá-lo é preciso baixar o software no sítio do Skype, criar uma conta e, à semelhança dos serviços de telefonia celular “pré-pagos”, comprar créditos com um cartão de crédito internacional (o serviço é baseado na Europa, portanto os créditos são debitados em Euros). Para falar, não é necessário nenhum dispositivo adicional, basta o microfone, alto-falantes e placa de som de seu micro. As tarifas variam conforme o local mas, a título de exemplo, o minuto de ligação para um telefone fixo nos EUA sai por R$ 0,06 (seis centavos de real) e para o Brasil sai por R$ 0,16 para qualquer estado que não Rio (R$ 0,10) e São Paulo (R$ 0,13) para telefones fixos e R$ 0,63 para celulares de qualquer Estado. O net2phone (em < http://web.net2phone.com/ >), sediado nos EUA (e portanto cobrando em dólares americanos) oferece um serviço denominado VoiceLine que, segundo informações em seu sítio, pode ser usado em qualquer parte do mundo. Para usá-lo, é necessário uma conexão de Internet rápida conectada a um roteador e um dispositivo que se interporá entre este roteador e seu telefone comum, um “Telephone Adapter” que custa US$ 99 e pode ser fornecido pelo próprio net2phone. Também funciona como um sistema “pré-pago” debitado em cartões de crédito internacional. Uma ligação para os EUA sai por R$ 0,14 por minuto e para qualquer estado do Brasil por R$ 0,28 por minuto para telefone fixo exceto para Rio e São Paulo (R$ 0,14) e R$ 0,71 para celulares. Há serviços nacionais ou, pelo menos, voltados para o público brasileiro, cuja vantagem são seus sítios totalmente em português. Um deles é o TeleVoz, em < www.televoz.com.br/ >, licenciado pela Anatel porque usa sua própria VPN (Virtual Private Network), um tipo de rede que usa a Internet como suporte mas efetua conexões privadas através de criptografia. Para usá-lo, há que contratar o serviço. A RedeVox instala no contratante um ou mais telefones IP conectados à sua VPN, que podem fazer ligações para quaisquer números da rede pública. O sistema da TeleVoz foi concebido para uso empresarial, mas há dois outros que oferecem o mesmo tipo de serviço para usuários domésticos. Um deles é o IP Phone Brasil. Embora voltado para o público brasileiro, a empresa tem sede em Los Angeles. Para utilizá-lo, além de uma conexão Internet Rápida, será preciso baixar e instalar o software no sítio da empresa (em < www.ipphonebrasil.com/ >) e adquirir um telefone VoIP que pode ser conectado diretamente a uma porta USB do computador. Há diversos modelos oferecidos no sítio do IP Phone Brasil cujos preços variam de R$ 462 (um modelo portátil semelhante a um telefone celular ideal para ser levado em viagem com seu notebook, permitindo usufruir as tarifas VoIP em qualquer lugar do mundo onde se disponha de uma conexão de Internet rápida – e os principais hotéis do exterior oferecem esse tipo de conexão no aposento por taxas que giram em torno de dez dólares diários) até R$ 576 para um modelo de mesa. Com um telefone IP ligado a uma porta USB do micro pode-se efetuar a ligação teclando os números e prosseguir a conversação com o aparelho junto ao ouvido, como um telefone comum, dispensando microfone e alto-falantes a aumentando a privacidade da conversação. O serviço funciona na modalidade pré-paga, debitado em cartão de crédito. As tarifas são efetivamente baixas: para os EUA e telefones fixos em qualquer estado do Brasil a R$ 0,14 por minuto e para celulares a R$ 0,59 por minuto. Finalmente há ainda o serviço RedeVox, cuja sede fica logo ali, em Uberlândia e cujo sítio pode ser visitado em < www.redevox.com.br/ >. A exemplo do IP Phone Brasil, exige uma conexão de Internet rápida e um telefone IP. Mas, em vez de vendê-los, a RedeVox sugere duas empresas onde os aparelhos podem ser adquiridos (os atalhos para as revendas estão no sítio da RedeVox). De posse do telefone IP, basta baixar o software, inscrever-se no serviço escolhendo um plano (há diversos, cujos pagamentos mensais variam em função dos locais para os quais você telefona com maior freqüência; entre eles, o plano “VoxCard”, tipo pré-pago no qual, além de um valor anual de R$ 24 para manutenção de seu número de telefone IP, são pagas apenas as ligações efetuadas, cujas tarifas constam da tabela). Segundo Rodrigo Rodrigues Mendes, presidente da Empresa, embora com sede no Brasil e fechando conexões com a rede pública, a RedeVox não burla a lei (pelo contrário: é licenciada pela Anatel) porque as ligações são apenas terminadas (e não iniciadas) na rede STFC, o que está de acordo com o Art. 66 da regulamentação. Suas tarifas são um pouco mais caras que as dos concorrentes internacionais porque incluem o valor dos impostos (superiores a 40%), mas em compensação é um serviço prestado por uma empresa brasileira sediada no Brasil. Ligações para os EUA saem por R$ 0,21 o minuto, para qualquer estado do Brasil, R$ 0,38 para telefones fixos e R$ 0,91 para celulares. Para finalizar, duas observações. A primeira é que a maioria das prestadoras não cobra ligações efetuadas de telefone IP para telefone IP, o que significa que se você fala freqüentemente com o mesmo número em outro estado do Brasil ou no Exterior, assinando o serviço VoIP em ambas as pontas pode falar gratuitamente sem limite de tempo. A segunda é quanto à qualidade da ligação. Eu tenho usado regularmente os serviços (e, “honi soit qui mal y pense”, devidamente pagos) de uma das operadoras acima citadas para todas as ligações interurbanas e internacionais que tenho feito nos últimos três meses. A qualidade do som não é perfeita, mas é inteiramente aceitável mesmo considerando que minha conexão de Internet rápida é do tipo ADSL, em que a taxa de transferência é maior em um sentido que no outro. Ligações de longa distância para telefones celulares são um pouco piores, mas dá para se conversar. E, considerando a economia (compare as tarifas na tabela), é o tipo do serviço que vale a pena. É possível que, com a disseminação dos serviços das prestadoras VoIP, a concorrência faça as tarifas das operadoras do STFC caírem para níveis decentes. A não ser, é claro (inspirando-me no estilo do Mestre Elio Gasperi), que mais uma vez jogando contra a choldra e a favor do andar de cima, a agência reguladora resolva proibir a prestação de serviços VoIP. Do jeito que as coisas andam nesse país, nunca se sabe. Mas não tem nada não. Cedo ou tarde, as tarifas cairão. Porque, como afirmou mui acertadamente Tom Freeburg, respeitabilíssimo futurólogo da Motorola, “Sempre que houve uma colisão entre a tecnologia e o sistema legal, a tecnologia venceu”. É esperar para ver.
B. Piropo |