A briga começou lá pelo final dos anos 90, a idade média da informática. Naqueles dias a Intel ainda fabricava o i386 na alucinante freqüência de 33 MHz (não falta zero nenhum, é trinta e três mesmo) e havia recém lançado sua nova jóia da coroa, o i486, primeira CPU a incorporar cache interno (apenas 8Kb, é verdade, mas o que vale é o conceito...) e trazer um coprocessador matemático integrado. O carro chefe da AMD, por sua vez, era o AMD 386 DX40, que com seus 40 MHz superava fácil o i386 e com seu custo baixo atraía boa parcela dos compradores do i486. Em suma: era uma pedra no sapato da Intel. Que, para não perder mercado, apelou feio: lançou o 486 SX, na verdade um 486 completo, porém com o coprocessador matemático desabilitado. E, para não perder mercado, o comercializou a um preço apenas ligeiramente superior ao do 386 DX40 da concorrente. Nasceu assim a idéia da CPU “low end” (numa tradução talvez livre demais: “dos pobres”), ou seja, um chip concebido para atender à fatia de mercado mais interessada em preço baixo que em alto desempenho.
A idéia vingou. Tanto assim que desde então tanto AMD quanto Intel mantém duas linhas paralelas de CPUs para micros de mesa (Desktops), uma de alto desempenho (e preço igualmente alto) para atender o “high end” do mercado, outra de desempenho não tão alto e preço bastante mais baixo, para atender o “low end”. As linhas “high end” ostentam os nomes Pentium (Intel) e Athlon (AMD), enquanto as “low end” chamam-se Celeron (Intel) e, até recentemente, Duron (AMD).
Ocorre que tanto Intel quanto AMD lançaram suas CPUs de 64 bits há cerca de dois anos. A Intel, seguindo uma política mais acertada do ponto de vista mercadológico, cunhou um nome inteiramente novo para seu chip de 64 bits: Itanium. Que foi concebido de olho no mercado corporativo de alto desempenho: ele exige um sistema operacional especialmente desenvolvido para chips de 64 bits e não é compatível com os aplicativos disponíveis no mercado. Já a AMD adotou uma estratégia diferente: apesar de seu novo chip ser, efetivamente, um microprocessador de 64 bits, ele é compatível com os sistemas operacionais de 32 bits existentes e com seus aplicativos. O que o tornou um sério rival da série Pentium 4, o “topo de linha” da Intel para micros de mesa. Uma estratégia comercial muito eficaz, não fora pela escolha do nome do novo chip: Athlon 64.
Imediatamente após o lançamento do Athlon 64 a AMD deu-se conta que mantinha três linhas diferentes de processadores: o Duron, para o mercado “low end”, o Athlon 64, para o mercado “high end” e o bom e velho Athlon XP, um excelente chip de 32 bits, para o mercado... Sim, que mercado? Não existe um mercado “middle end”...
Marcas têm valor. E seu valor depende do conceito e confiança que infundem na mente dos consumidores. Durante anos a AMD acostumou os seus a associar o nome “Athlon” a alto desempenho, topo de linha. Se ela batizou com ele seu novo chip de maior desempenho, o Athlon 64, é porque deseja cimentar essa associação. Portanto, não poderia manter no mercado uma linha de mesmo nome, os Athlon XP, com desempenho intermediário. E nem teria sentido continuar fabricando os velhos Duron.
Resultado: oficialmente não mais existirão as linhas Duron (já descontinuada) e Athlon XP (fabricada apenas até o início do próximo ano). A fatia “high end” do mercado será atendida pelos Athlon 64, a linha de alto desempenho, o “topo de linha”, preservando assim a marca Athlon. E o mercado “low end” passará a ser atendido por toda uma nova linha de microprocessadores, os Sempron (cujo nome deriva da palavra latina “semper”, sempre), lançados há cerca de dois meses e agora chegando firme ao mercado.
Essa é a posição oficial. Mas o que na verdade ocorreu é algo bem mais simples e natural. Os Duron desapareceram porque já não davam conta do recado. Os Athlon 64 passaram a disputar o mercado “high end”. E os Athlon XP, com pequenas alterações (dentre as quais sobressai um cache L2 cortado pela metade) passará a cuidar do mercado “low end”. Mas como a AMD não desejava ligar o nome Athlon a este nicho de mercado, decidiu batizar a linha com um novo nome, Sempron. Portanto, em termos práticos, um Sempron (com uma única exceção, o modelo 3100+, como veremos adiante) nada mais é que um Athlon XP “recauchutado”. E com menos cache L2.
Seis irmãos quase gêmeos
No lançamento do Sempron a AMD anunciou sete novos microprocessadores para micros de mesa. Do sétimo, o 3100+, falaremos adiante. Os seis primeiros são derivados do Athlon XP. Na verdade, o próprio Athlon XP modificado: usam o mesmo barramento frontal de 166 MHz (que, por suportarem memórias DDR, muitos consideram de 333 MHz), encaixam no mesmo Socket A de 462 pinos, são fabricados com a mesma tecnologia de camada de silício de 130 nm, usam o mesmo núcleo dos Athlon XP mais antigos (codinome Thoroughbred, considerado a sétima geração dos chips AMD; o novo núcleo Barton não foi adotado por ser fisicamente maior) e até mesmo os 128 Kb do cache L1 da linha Athlon XP (64 Kb para instruções, 64 Kb para dados). Mas – e isso faz um bocado de diferença – apenas 256 Kb de cache L2, metade do adotado na linha Athlon XP.
E quais são os novos chips?
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Sempron 2800+ |
Já há alguns anos, quando começou a perder para a Intel a “corrida dos Gigahertz”, a AMD passou a adotar “indicadores de desempenho” para designar seus chips, abandonando o uso da freqüência de operação para este fim. Por exemplo: um Athlon XP 2000+ roda, na verdade, a 1670 MHz. De acordo com a AMD, aquele “2000+” significa que ele tem um desempenho igual (ou superior; daí o “+”) a um chip da Intel que rode a 2000 MHz. Pois bem: para os Sempron, a AMD adotou a mesma estratégia. Os novos Sempron são: 2200+ (que roda em 1,5 GHz), 2300 (1,58 GHz), 2400+ (1,67 GHz), 2500+ (1,75 GHz), 2600+ (1,83 GHz) e 2800+ (2 GHz).
E se você possui, digamos, um Athlon XP 2000+, sabe que ele roda em 1,67 GHz e achou um disparate a afirmação que o Sempron que adota essa freqüência de operação é o 2400+, lembre-se que todos os Sempron usam um barramento frontal de 166 MHz (ou 333 MHz, para quem prefere citar a freqüência das memórias DDR suportadas por ele), enquanto o barramento frontal de seu Athlon 2000+ não passa de 133 MHz (pois ele usa memórias DDR de 266 MHz; os Athlon XP só passaram a suportar memórias DDR 333 a partir do 2500+, com o advento do núcleo Barton). E como o novo designador espelha o desempenho, é natural que um chip com barramento frontal mais rápido tenha um desempenho melhor, ainda que operando na mesma freqüência. Por isso o 2400+ no lugar do 2000+.
Esses seis modelos de Sempron, então, não passam de Athlon XP que suportam memórias DDR 333 e dispõem apenas da metade do cache L2. O que deixou os fabricantes de placas-mãe muito felizes, já que toda placa-mãe que suporta um Athlon XP com memórias DDR 333 suportará igualmente um Sempron de mesma freqüência de operação. E se o orgulhoso proprietário de um novo e reluzente Sempron não se incomodar de ver exibido na tela o nome “Athlon XP”, não precisará nem mesmo de atualizar o BIOS.
E o misterioso sétimo chip?
O sétimo chip
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Sempron 3100+ |
O sétimo chip nada tem a ver com seus irmãos. Enquanto todos os demais não passam de Athlon XP que sofreram pequenas alterações, o sétimo, Sempron 3100+, é um Athlon 64 (sim, o chip de última geração da AMD) que sofreu grandes alterações. E roda em uma freqüência de operação extremamente baixa para os padrões atuais: 1,8 GHz.
As alterações foram basicamente uma drástica redução do cache L2 (apenas 256 Kb, como seus irmãos, no lugar do 1 Mb dos Athlon 64 de quem descende) e da supressão de todas as funções (ou pelo menos da maioria delas, como já veremos) exclusivas da computação em 64 bits. Mas ostentará algumas que faltam ao seu concorrente direto, o Celeron da Intel, como a tecnologia “No Execute” (NX, que impede a execução de código a partir de estruturas reservadas para dados, como pilha, “heap” e similares, evitando a propagação de vírus e pragas similares), a tecnologia de interconexão interna de altíssimo desempenho denominada “Hypertransport” e a função “Cool & Quiet”, capaz de reduzir o consumo de energia do microprocessador em situações em que a máxima potência é desnecessária, fazendo com que o sistema funcione mais frio e silencioso. Todas elas implementadas apenas nos microprocessadores de 64 bits e no novo Sempron 3100+.
O núcleo o Sempron 3100+ denomina-se “Paris”. É na verdade um “Newcastle” (núcleo dos Athlon 64) que não dispõe das funções específicas da computação em 64 bits. Como o Sempron 3100+ deriva do Athlon 64, usa o soquete deste último, o Socket 754.
O que leva a uma especulação interessante sobre a razão que levou a AMD a incluir entre um conjunto de chips visando o mercado “low end”, todos eles derivados da família Athlon XP, um único chip com características totalmente diferentes, derivado do Athlon 64, seu microprocessador “topo de linha”. Uma coisa que a princípio não faz muito sentido. Exceto quando se pensa nas placas-mãe que usam o Socket 754.
O problema é que o soquete dos futuros membros da família Athlon 64 vai mudar. Aliás, já mudou: os mais novos membros da família, o Athlon FX-53 e os Athlon 64 3500+ e 3800+ já usam soquetes de 939 pinos. Isso é necessário para poder adotar os módulos de memória DDR em duplo canal e fazer face aos barramentos frontais em duplo canal de 800 MHz e 1066 MHz já adotados pela Intel. A continuar essa tendência – e ela continuará, por falta de alternativa – um punhado de placas-mãe com Socket 754 tornar-se-ão totalmente obsoletas em muito pouco tempo, pois não se deve esperar que a AMD venha a fabricar Athlon 64 mais rápidos para esses soquetes. Mas enquanto houver mercado para os Athlon 64 3400+ e 3700+, que usam o Socket 754, eles serão fabricados.
Comprar um Sempron 3100+ e espetá-lo em uma placa-mãe com Socket 754 povoada com memória DDR e esperar um pouco até juntar mais uma graninha é um meio eficaz e econômico de ingressar no mundo da computação de 64 bits.
E dando os trâmites por findos...
O lançamento da linha Sempron não passou de um esforço da AMD para “arrumar a casa” depois do lançamento dos Athlon 64, mantendo a marca Athlon associada apenas ao segmento “topo de linha”. Por isso, dentro em breve (provavelmente no início do próximo ano), a linha Athlon XP terá o mesmo destino da Duron: será descontinuada. No futuro próximo AMD pretende manter no mercado apenas as marcas Sempron e Athlon, cada uma associada a seu “nível” de mercado.
Do ponto de vista mercadológico, não há o que discutir. Afinal, e exatamente isso que faz sua concorrente, a Intel, com as linhas Pentium e Celeron (cuja nomenclatura também já não leva em conta a freqüência de operação, mas o desempenho). Portanto o lançamento dos Sempron foi um passo na direção correta.
Mas e do ponto de vista técnico? Bem, aí houve um retrocesso. Comparando cada Sempron com o Athlon que lhe deu origem (ou seja, o de mesma freqüência), o desempenho do Athlon tem se mostrado melhor, provavelmente devido a seu maior cache (veja artigo de Tom Mainelli em
<www.pcworld.com/reviews/article/0,aid,118013,00.asp>.
Essa tendência tende a se acentuar nos Athlon XP mais poderosos, especialmente os que usam o núcleo Barton e memórias DDR 333 ou 400 (portanto com barramentos frontais de 166 MHz e 200 MHz, respectivamente). São chips de excelente qualidade e ótimo desempenho. Seu cache L2 de 512 Mb e suas freqüências de operação que vão de 2,08 GHz (Athlon XP 2800+) até 2,2 GHz (Athlon XP 3200+) fazem deles notáveis contendores no mercado de máquinas de mesa. Infelizmente, mantida a política da AMD de preservar o nome Athlon apenas para os chips de 64 bits, sua fabricação deverá ser descontinuada em breve (provavelmente no início do próximo ano), já que em seu lugar entrarão os Sempron. Que, ainda que alcancem as mesmas freqüências de operação, não manterão o mesmo desempenho devido ao cache L2 reduzido à metade.
Considerando que com o lançamento do Athlon 64 e dos novos Sempron, os preços dos atuais Athlon XP com núcleo Barton, de maior desempenho, vão ficar bastante acessíveis, do ponto de vista custo x benefício, serão um excelente investimento. Se você encontrar algum dando sopa por aí, vale a pena pensar no assunto.
B.
Piropo