Se você acompanhou com atenção as notícias sobre o lançamento dos novos chips da Intel, percebeu que se trata de muito mais que um mero lançamento de microprocessador. Na verdade o que a Intel propõe é uma mudança de plataforma, um conceito mais revolucionário que evolucionário que fará com que pouquíssimos dos penduricalhos atualmente espetados na placa-mãe em seu micro tenham alguma serventia em um par de anos.
Começando pela própria CPU, que agora não usa mais pinos, mas um conjunto de 775 contatos em um encapsulamento denominado LGA. E passando pelas memórias DDR-2 e pelo SATA, o novo protocolo para conexão de discos rígidos. E, finalmente, chegando ao novo barramento PCI Express, nome comercial do padrão até recentemente conhecido por 3GIO.
Tudo isso foi devidamente comentado e badalado no lançamento. Como CPU, memória e disco são assuntos mais momentosos, pouca gente deu atenção ao barramento PCI Express. Uma pena, porque ele representa a mais revolucionária das alterações: a substituição da interface paralela por uma serial em grande parte da comunicação entre os elementos da placa-mãe.
Mas, afinal, o que é “barramento”? Bem, essa é uma pergunta que costumo incluir em provas de Arquitetura de Computadores. E como durante as aulas, ressalto a importância do conceito, a maioria dos alunos responde corretamente: “É a estrutura de interligação das principais unidades funcionais de um computador, composta por um conjunto de condutores elétricos e seus circuitos de controle”. Quando esquecem de acrescentar “e seus circuitos de controle” perdem meio ponto e reclamam. Os que lerem essas mal traçadas não mais reclamarão.
O conjunto dos circuitos de controle do barramento chama-se “chipset”. Nos micros modernos, o chipset consiste basicamente de dois circuitos integrados, o “north bridge”, cuja função básica é interligar a CPU á memória através do barramento de sistema, e o “south bridge”, que cuida da ligação entre a CPU e o mundo exterior através do barramento do entrada e saída, ou “I/O bus”.
Juntamente com os microprocessadores anunciados pela Intel em 21 de junho último, foram lançados três novos chipsets, 915G e 915P (conhecidos pelo codinome Grantsdale) e o 925X (conhecido por Altwood). Pois bem: a maior parte das alterações revolucionárias que citei lá em cima foram implementadas no chipset, não no microprocessador. E são tão importantes no que toca ao funcionamento da máquina que perder meio ponto na prova por não mencionar o chipset é pouco...
Das demais novidades, talvez falemos um dia. Hoje, vamos centrar nossa atenção no barramento PCI Express, o principal responsável pela transferência de dados entre CPU e periféricos.
Os velhos PCI e AGP
Quando, por exemplo, dois computadores ligados em rede trocam dados entre si, esses dados fluem através de cabos que ligam as controladoras (ou “placas”) de rede das duas máquinas. Essas placas de rede, por sua vez, estão espetadas em slots, ou conectores, com contatos ligados a um conjunto de condutores elétricos formados por finos riscos metálicos paralelos estampados na placa mãe, que juntamente com o chipset, formam o barramento de entrada e saída, ligando os slots à CPU. Portanto, em ambas as máquinas, para chegar ou sair da CPU, os dados devem percorrer o barramento. Isso significa que, por mais rápida que seja a conexão entre as placas de rede, um barramento lento estrangula o fluxo de dados. Isso ocorre não só com as placas de rede mas com todos os periféricos ligados ao barramento.
Os micros mais antigos da linha PC usavam um barramento conhecido por ISA (de Industry Standard Architecture). Por ser demasiadamente lento, a Intel criou em 1992 o padrão PCI (de Peripheral Component Interconect) e o colocou à disposição da indústria, Que, para regulamentar o uso do padrão e suas atualizações, criou o PCI Consortium (<www.pcisig.com>). Com isso o barramento PCI rapidamente dominou o mercado.
O barramento PCI original opera a 33 MHz e transporta dados em 32 linhas paralelas, atingindo um fluxo de 133 MB/s (Megabytes por segundo), insuficiente para as necessidades dos novos periféricos. Por isso o PCI Consortium começou a desenvolver sucedâneos capazes de transferir dados mais rapidamente. Como de hábito, o movimento foi liderado pelos fabricantes de controladoras de vídeo, com sua necessidade de transferir dados cada vez mais depressa para preencher telas sempre maiores, de mais alta resolução e maior número de cores. E assim nasceu o padrão AGP (de Advanced Graphics Port), um desdobramento do PCI que evoluiu até o atual AGP 8X, cujo fluxo de dados chega a 2,1 MB/s.
Em 1998 o PCI Consortium desenvolveu e lançou o padrão PCI-X que, além de ser compatível com o padrão atual (permite aproveitar as velhas placas PCI), aumenta a freqüência de operação até 533 MHz e o número de linhas paralelas de dados para 64 e com isso consegue um fluxo de quase 4,3 GB/s. Que, segundo os especialistas, é o máximo que se consegue “espremer” através desse tipo de barramento. E não chega para as necessidades atuais.
Por isso o PCI Consortium criou e lançou o PCI Express. Que, esperam seus criadores, resolverá o problema por muitos anos. E foi adotado pela Intel em seus novos chipsets.
PCI Express
Segundo o PCI Consortium, nas Respostas a perguntas freqüentes sobre PCI Express (em <www.pcisig.com/news_room/faqs/faq_express/>), “a arquitetura PCI Express é uma especificação aberta concebida desde o início para satisfazer os requisitos de uma larga faixa de interconexões de sistemas atuais e futuros em diversos segmentos do mercado das indústrias de informática e telecomunicações. Ela especifica uma interconexão serial flexível, rápida, extensível, ponto-a-ponto, que suporta conexões a quente, cujo software é compatível com o padrão PCI”.
Complicou? Então troquemos em miúdos.
O fato da arquitetura ser “aberta” significa que o padrão não é patenteado, portanto qualquer empresa pode fabricar uma placa controladora compatível desde que obedeça as orientações do PCI Consortium. Isso garante que seu investimento em equipamento não será perdido se um ou outro fabricante sair do mercado ou mudar de ramo.
Uma interconexão “serial” decompõe cada byte nos bits que o formam, junta-os em “pacotes” acompanhados de códigos de verificação de erros e os envia, um após o outro, pelo mesmo condutor elétrico. Os bytes são “remontados” no destino juntando os bits na ordem em que chegam e verificando se os códigos conferem (se não conferirem, o padrão solicita que os dados sejam enviados novamente). Como o padrão PCI Express é bidirecional, cada conexão consiste de quatro condutores, um para transmitir, outro para receber os “pacotes”, acompanhados de seus respectivos aterramentos.
O padrão é “flexível” porque cada conjunto de quatro condutores forma um “canal” ou “pista” (“lane”) que pode funcionar sozinho ou combinado em dois, quatro, oito, dezesseis e até 32 canais em paralelo. Atualmente existem apenas implementações de PCI Express 1X (um canal) e 16X, este último constituído de dezesseis canais em paralelo e concebido para substituir o padrão AGP.
A conexão é “rápida” porque, na implementação atual, cada canal opera em uma freqüência de 2,5 GHz o que, teoricamente, permite transferir 250 MB/s. Usando 16 canais em paralelo, o fluxo de dados atinge 4 GB/s. Chegando a 32 canais (máximo aceito pelo padrão atual) pode atingir 8 GB/s. Como a comunicação é bidirecional, teoricamente o fluxo de dados pode ser o dobro disso, metade em cada sentido. Notar que o fluxo de dados máximo aceito pelo padrão PCI original é de 133 MB/s, menor que o de um único canal PCI Express, e o do padrão AGP 8X é de 2,3 GB/s, pouco mais da metade de uma conexão PCI Express 16X.
O padrão é “extensível” porque foi concebido pensando no futuro, quando taxas de transmissão de dados muito maiores forem necessárias. Por isso revisões do padrão já estão nos planos do PCI Consortium e prevêem o uso de maior número de canais e o aumento da freqüência de operação até 40 GHz.
O padrão é “ponto-a-ponto” porque permite que periféricos se comuniquem diretamente um com o outro. A arquitetura PCI Express possibilita o uso de um “switch” ligado ao controlador do barramento (“host bridge”), de onde partem os canais que vão aos periféricos. Quando a CPU precisa se comunicar com os periféricos, o faz através do “host bridge”, ligado ao “switch”. Mas se dois periféricos precisarem se comunicar entre si (por exemplo: durante a gravação em um DVD dos dados armazenados no disco rígido), podem transferir informações de um para o outro através do “switch”, sem sobrecarregar a CPU e o “host bridge”.
O fato do padrão admitir “conexões a quente” quer dizer que se pode conectar e desconectar periféricos com o sistema ligado. Quem usa periféricos USB já se acostumou com esse conforto. E quem tentou trocar um disco rígido IDE com o micro ligado já sentiu no próprio bolso a importância desta função.
Finalmente, a lembrança que o padrão admite “software compatível” com o do PCI nada mais é que a forma delicada de mencionar o único inconveniente grave do PCI Express: não ter o hardware compatível, ou seja, não permitir o aproveitamento das atuais placas PCI ou AGP (o conector, ou “slot” da placa-mãe é diferente). O fato de ser compatível do ponto de vista do software significa meramente que os protocolos de transferência de dados não se “estranharão”.
Como se vê, mais simples do que parecia.
O barramento do futuro
O uso do PCI Express é tão revolucionário que afetará diversos ramos da indústria.
Devido ao menor número de condutores, o consumo de energia das conexões PCI Express é mais baixo. E, além disso, o padrão prevê funções para gerenciamento de energia que reduzem ainda mais o consumo, uma festa para os fabricantes de micros portáteis. Que já se preparam para abandonar o padrão PC Card e embarcar no novo padrão ExpressCard (ver <www.expresscard.org/>), baseado nas interconexões PCI Express. Despeça-se de suas controladoras PC Card.
Mas os fabricantes de micros portáteis não serão os únicos beneficiados. Quaisquer fabricantes de placas-mãe também o serão, já que o uso de conectores menores e menor número de condutores elétricos não somente barateia e simplifica a fabricação de placas mãe como reduzirá significativamente seu tamanho. Adeus padrão ATX.
As maiores mudanças, entretanto, ocorrerão no setor de vídeo, já que uma das finalidades do PCI Express é, justamente, substituir o padrão AGP. Não é por outra razão que as primeiras placas-mãe a adotar os chipsets 915 e 925 da Intel ostentam um reluzente “slot” PCI Express 16X. E novíssimas placas de vídeo PCI Express 16X já começam a “pipocar” no mercado, lançadas por nomes do porte da nVidia, com suas controladoras NV36X e NV40, e ATI, com a placa RV380. Que se aproveitam da taxa de transferência de 4 GB/s do PCI Express 16X, quase o dobro da AGP 8X com seus meros 2,1 GB/s. Brevemente placas AGP de última geração que custaram milhares de reais serão caros enfeites de mesa ou pesos para papel.
Do jeito que a coisa vai, com a evolução que a expansibilidade do padrão permite, quem sabe um dia o padrão PCI Express venha a ser a única conexão entre CPU e o mundo exterior.
Mas uma coisa é certa: o PCI Express é o barramento do futuro. Querendo ou não, cedo ou tarde todos migraremos para ele. E nesse dia estará completa a mudança de plataforma proposta pela Intel mês passado.
Isso, é claro, se não inventarem outra coisa ainda mais revolucionária daqui até lá...