Telefones celulares são aparelhos que, no século passado, eram usados para falar. Os de hoje também falam, naturalmente. Mas, além disso, fazem tantas e tão variadas gracinhas e se preparam para fazer tantas outras que eu não sei por quanto tempo ainda serão chamados de “telefone”.
Se você acha que estou exagerando, vejamos alguns dos dispositivos cujas funções eles já incorporaram. Começando pela câmara fotográfica digital, que nos modelos de topo de linha já ultrapassou a definição de 2 Megapixels, esses aparelhinhos podem ser usados como console de jogos, reprodutor de músicas MP3, aparelhos de localização global (GPS, de Global Positioning System), “pager”, leitor de código de barras, álbum de fotografias (armazenadas na memória interna e exibidas em telas de altíssima definição), micros de mão (“palmtop computer”, com agenda de endereços, compromissos, anotações e coisas que tais), rádio FM e até mesmo câmara de vídeo (muitos dos modelos que incorporam câmara digital podem gravar vídeos cuja duração só depende da capacidade do módulo de memória que se encaixa no aparelho). E, evidentemente, funcionam como aparelhos de TV para exibir os vídeos. Isso sem falar em alguns modelos com funções especiais como glicômetro, para portadores de diabetes, que fornece na hora a concentração de açúcar no sangue.
Eles ainda são conhecidos hoje pelo nome de “telefone” não somente por razões históricas (afinal, eles foram inventados para isso) como por ainda serem usados principalmente para se comunicar. Mas com o avanço da tecnologia e o aumento da taxa de transmissão de dados, a evolução das demais funções tem sido tão vertiginosa que cedo ou tarde a telecomunicação será apenas mais uma dentre suas infinitas serventias. E não necessariamente a mais importante. Afinal, como disse Paul Jacobs, Presidente do Grupo Qualcomm, na apresentação de abertura do BREW 2004 Developers Conference, “Quem irá querer carregar uma câmara digital quando já dispõe de uma de três megapixels no celular?”
BREW
BREW (Binary Run-time Environment for Wireless) é o nome comercial de um conjunto de produtos e serviços para o mercado de dispositivos móveis que consiste em uma plataforma de aplicativos (conjunto de APIs – Application Programming Interface, funções que complementam o sistema operacional e que podem ser invocadas pelos aplicativos), um “kit” de desenvolvimento de programas (SDK, de Software Development Kit) e um sistema de distribuição e tarifação (BDS, de BREW Distribution System) que permite não apenas distribuir os aplicativos em escala mundial como também controlar a receita auferida com eles.
Se achou tudo isso meio complicado, lembre-se que os telefones celulares digitais de hoje pouco ou nada têm a ver com seus antecessores analógicos. Enquanto estes últimos eram apenas transmissores-receptores de rádio portáteis, os de hoje são computadores móveis dotados da capacidade de transmitir voz e dados. E, como todo computador que se preza, para funcionar precisam de um sistema operacional e de programas. Pois bem: pense em BREW como um conjunto de produtos e serviços que cumpre três funções: atua como interface entre os programas e o sistema operacional desses computadores, fornece todo o ferramental necessário para desenvolver e testar programas que rodem neles e, como se isso não bastasse, funciona como meio de distribuição dos programas e monitora a remuneração de seus desenvolvedores.
Embora criado pela Qualcomm, fabricante de microprocessadores e chipsets para celulares e pioneira do protocolo CDMA, BREW funciona com sistemas operacionais de outros fabricantes (como o Palm) e suporta extensões desenvolvidas por terceiros em outras linguagens e plataformas, como Java, XML e Flash. Portanto, não é de admirar que hoje existam tantos desenvolvedores BREW em todo o mundo.
Um evento de porte
Para reunir essa turma, discutir as novidades e expor as atualizações da plataforma, a Qualcomm promove anualmente a BREW Developers Conference, em San Diego, Califórnia, próximo à sede da empresa.
O evento deste ano foi levado a cabo semana passada, mais especificamente de 7 a 9 de junho. Ela atraiu 1.600 profissionais de todo o mundo, desde desenvolvedores até técnicos de operadoras de telefonia e fabricantes de dispositivos de telecomunicação, para assistir a 60 palestras sobre temas ligados à indústria da comunicação sem fio. Dentre elas, destacaram-se a de Paul Jacobs, Presidente do Grupo Qualcomm, que discutiu o presente e futuro da tecnologia sem fio CDMA, a de Jay Ellison, vice-presidente executivo da US Cellular, abordando estratégias para valorizar o cliente e, por último mas não menos importante, a de Roger Solé, diretor da Vivo, sobre o potencial de crescimento do mercado de celulares no Brasil, com uma abertura sobre as belezas do país que valeu a viagem.
Atualmente, vinte e seis fabricantes oferecem 140 modelos de aparelhos de telecomunicação móvel que utilizam a tecnologia BREW. Os considerados de terceira geração (que usam tecnologia CDMA 2000 1x EvDO ou mais recente) são suportados por 82 operadoras em quarenta países cobrindo os cinco continentes (no Brasil, apenas a Vivo usa tecnologia CDMA cobrindo o DF e 19 estados; embora ausente de Minas Gerais, ela absorve 45,2% do mercado nacional em número de aparelhos). Muitos desses fabricantes, desenvolvedores e operadoras – inclusive a Vivo e a mineira Takenet, <www.takenet.com.br>, desenvolvedora de conteúdo para o mercado sem fio – mostravam seus produtos na exposição que ocorreu paralelamente ao evento.
Aplicativos BREW
Os novos chipsets da Qualcomm são baseados em processadores cujas freqüências de operação breve alcançarão a casa dos GHz e integram uma vasta gama de funções, que vão desde áudio MP3 até processadores gráficos de alta resolução capazes de processar mais de cem mil triângulos simultaneamente em gráficos tridimensionais, passando por câmaras digitais de alta resolução, processadores de vídeo que exibem 15 quadros por segundo (e que breve chegarão a 30 qps) e sistemas híbridos de posicionamento global que determinam a localização do dispositivo comparando dados obtidos da triangulação tanto das bases de telecomunicações (células) quanto os transmitidos por satélites. O conjunto de APIs BREW foi concebido para tirar proveito dessas funções. O resultado é um impressionante elenco de aplicativos que vão desde simples “toques” (ringtones) de celulares até complexos programas de traçado de roteiros baseados em informações de GPS. Somente o catálogo da Vivo, que acaba de comemorar o milionésimo “download” de aplicativos BREW em apenas um ano, oferece mais de setenta programas que incluem jogos, entretenimento, conteúdo adulto, produtividade e comunicações, além de centenas de “toques” diferentes.
No evento havia todo o tipo de programas. Alguns abrindo novas perspectivas para empresas há anos estabelecidas no mercado, como o sistema desenvolvido pela Rocket Mobile para comercializar imagens da coleção de fotografias da National Geographic Society. Outros, essencialmente inovadores, como as extensões BREW lançadas pela Networks in Motion, que usam as funções de posicionamento QPoint, embutidas nos chipsets da Qualcomm, para viabilizar aplicativos que fornecem a localização do dispositivo, um mapa das redondezas e roteiros para se deslocar para qualquer ponto da região coberta pelo serviço. Além de um serviço tipo “Páginas Amarelas” para localizar empresas nas vizinhanças.
Mas um dos aplicativos mais interessantes que encontrei foi o “Click & Deliver” da dotPhoto. E nem é do tipo que abusa da tecnologia, muito pelo contrário. Na verdade, tudo nele é muito simples e fácil. O que me impressionou foi a praticidade da coisa. É um programa voltado para quem possui um celular de alta taxa de transmissão de dados (como CDMA 2000 1x EvDO, que já alcança 3.1 Mbits/s) com câmara digital integrada. Funciona assim: você contrata o serviço, fornece seu endereço e avisa quantas fotos deseja receber de cada vez. Digamos: 36, como nos velhos filmes de 35 mm (lembra?). Vai tirando fotos e as envia diretamente do celular para o endereço de correio eletrônico da dotphoto. Quando eles receberem a trigésima sexta, imprimem todo o conjunto em papel fotográfico de alta qualidade e as enviam para seu endereço a um custo de onze centavos de dólar a foto tamanho 7,5 cm x 10 cm (para endereços nos EUA, naturalmente). É simples assim (veja detalhes em <www.dotphoto.com>).
Como você vê, não há muito tecnicismo envolvido. Apenas a transmissão de dados, a impressão das fotos por uma equipe de profissionais e o bom e velho correio para levar as fotos impressas à sua casa. Nenhuma mágica, nenhum truque, nada de extraordinário. Só um pouco de criatividade para simplificar ao mínimo indispensável a tarefa de tirar fotos: pegar o telefone celular, apontar, enquadrar, clicar, enviar e aguardar um par de dias. Mais nada.
É para coisas simples assim que serve a tecnologia.