Desde
o princípio dos tempos (da era da informática, bem entendido),
computadores conectam-se a periféricos. Até recentemente
toda conexão usava um meio físico, fios ou cabos, para
transportar informações. E um simples olhar para o caótico
emaranhado dos mais diferentes tipos de condutores elétricos
plugados, espetados, encaixados e aparafusados na traseira de nossos
micros comprova essa verdade elementar. Durante anos ninguém
estranhou, muito pelo contrário. Mas bastou começarem
a aparecer as primeiras conexões sem fio para que todos se maravilhassem.
Primeiro, e com justa razão, pelo fato de que um dia, quem sabe,
elas venham a dar um fim àquele emaranhado de cabos e fios. Depois,
porque elas trazem em si mesmas algo de misterioso. Afinal, como é
possível transmitir informações de um dispositivo
para outro sem um meio físico que as transporte?
Na verdade não há mistério algum. Nem é
coisa nova ou descoberta tecnológica recente. Mesmo porque, nesse
exato momento, sem sequer se dar conta disso, você está
tirando partido do mesmíssimo fenômeno físico usado
nas redes wireless para transmitir informações
entre dois dispositivos: o jornal (ou tela, ou seja lá onde você
está lendo este texto) e (esse sim, um notável receptor
de informações sem fio) seu globo ocular. Não acredita
que o fenômeno é basicamente o mesmo? Pois logo se convencerá
do contrário.
A transmissão de energia de um ponto a outro sem o suporte de
um meio físico chama-se radiação. Pegue
seu rádio de pilha AM, ligue-o e sintonize-o fora de qualquer
estação onde não se ouça nada além
de uma eventual estática. Agora, pegue uma dessas baterias de
9 volts que têm os pólos um ao lado do outro, aproxime-a
da antena do rádio (mas não encoste nela) e, com movimentos
rápidos, faça uma moeda tocar em ambos os terminais da
bateria. Isso provocará uma série de estalidos no alto-falante.
Você não sabe, mas acabou de efetuar sua primeira transmissão
de sinais de rádio. Aqueles estalidos nada mais foram do que
a transformação em energia sonora da energia eletromagnética
irradiada para o espaço e gerada por você ao criar e interromper
uma corrente elétrica entre os terminais da bateria. Essa radiação
foi captada pela antena e transformada em som. É claro que nenhuma
informação foi transmitida, apenas barulho. Mas se você
estabelecer um protocolo (ou seja, um conjunto de regras
sobre como a informação será produzida e transmitida;
por exemplo: os estalidos podem ser interpretados como código
Morse) nada impede de usar esse sistema rudimentar para transmitir informações
sem fio.
É claro que a coisa pode ser muito mais sofisticada. Por exemplo:
monte um transmissor de radiação eletromagnética
muitíssimo mais potente que seu conjunto pilha/moeda e ligue
sua saída a uma antena no topo de um morro. Em vez de criar e
interromper a corrente elétrica ao acaso, com toques da moeda,
faça isso de forma regular, mantendo uma freqüência
perfeitamente definida (ou seja, um número exato de variações
do campo eletromagnético em cada segundo). Isso fará a
energia irradiada pela antena variar regularmente, aumentando e diminuindo,
partindo da antena e se espalhando por todo o espaço em volta
em um fenômeno semelhante ao das ondas formadas na superfície
de um lago a partir do ponto em que uma pedra mergulhou. Pronto: você
criou uma onda eletromagnética. Se você ligar um microfone
ao transmissor de tal forma que falar no microfone faça a energia
irradiada variar de acordo com a entonação de sua voz
(ou seja, faça variar a amplitude da onda), você
estará irradiando sua voz pelo espaço, sem nenhum suporte
físico. Mas quem a ouvirá? Ora, qualquer pessoa com um
rádio sintonizado no seu transmissor, ou seja, ajustado
para captar radiações de mesma freqüência da
onda emitida pelo transmissor. A antena do rádio captará
as ondas eletromagnéticas irradiadas pelo transmissor, verificará
como varia sua amplitude e fará o alto-falante vibrar conforme
essa variação. Sua voz será então ouvida
no rádio que, dependendo da potência da antena de seu transmissor,
poderá estar a milhares de quilômetros de distância.
Talvez seja complicado, admito. Mas misterioso, definitivamente não
é.
As principais características de uma radiação são
sua amplitude (a distância entre os pontos mais alto e mais baixo
da onda ao realizar uma oscilação completa) e sua freqüência
(ou seja, o número de vezes que a onda sobe e desce
em cada segundo; há uma terceira característica comumente
citada, o comprimento de onda, mas ele é igual ao
inverso da freqüência, de modo que conhecida a freqüência
determina-se o comprimento da onda e vice-versa). A distribuição
das freqüências das radiações chama-se espectro.
Por exemplo: radiações com freqüência entre
400 THz e 750 THz (Terahertz, ou trilhões de oscilações
por segundo) pertencem à faixa do espectro correspondente à
luz visível, ou seja, podem ser captadas por nossos
olhos. É por isso que você está usando a tecnologia
de transmissão de radiações para levar informações
do jornal a seus olhos: as radiações de energia emitidas
pelo sol (ou pela lâmpada que ilumina seu ambiente de leitura)
na faixa do espectro da luz visível são refletidas na
página e captadas pelos seus olhos, que as transformam em imagens
(letras) enviadas a seu cérebro para serem decodificadas. Pensando
bem, não é muito diferente de um computador recebendo
dados de um dispositivo de entrada...
O espectro das radiações eletromagnéticas vai muito
além e aquém da faixa correspondente à luz visível.
Acima dela (freqüências de 750 THz a 30.000 THz) situa-se
a faixa denominada radiação ultravioleta.
Imediatamente abaixo (300 GHz a 400 THz), a faixa correspondente à
radiação infravermelha, uma das usadas para transmissão
de dados. E daí para baixo, faixas de radiação
usadas para telemetria, radar, transmissões de televisão,
rádio FM, rádio faixa do cidadão, rádio
de ondas curtas, rádio AM e, depois, uma infinidade
de meios de comunicação que vão dos controles remotos
para portas de garagem (cerca de 40 MHz), telefones sem fio (40 MHz
a 50 MHz, ou os novos, de 900 MHz), controles remotos para brinquedos
(70 MHz a 75 MHz), telefones celulares (mais de uma faixa), e um mundo
de outras utilizações. Dentre elas as que nos interessam:
as usadas para conexões sem fio entre os micros e seus periféricos.
Infravermelho
A transmissão
de informações através de radiação
na faixa do infravermelho não é nova. Na verdade, se sua
televisão tem controle remoto, é muito provável
que você já esteja mais que habituado a usá-la.
Apenas não sabia disso.
Nesse tipo de transmissão, o transmissor emite um feixe de raios
infravermelhos (algo muito semelhante ao feixe de raios luminosos emitidos
por uma lanterna, porém invisível) que é
capturado por um dispositivo sensível ao infravermelho (similar
a uma célula fotoelétrica, porém sensível
apenas às radiações na faixa do infravermelho)
que converte as variações do feixe de ondas em variações
de corrente elétrica. Dados digitalizados podem, assim, serem
transferidos bit após bit (ou seja, em uma transmissão
tipo serial) entre o transmissor e o receptor. Na verdade, todo transmissor
pode agir igualmente como receptor, o que faz da transmissão
via infravermelho uma troca de dados bidirecional.
Toda transmissão de dados digitalizados depende de um protocolo,
um conjunto de regras que estabelece a forma pela qual os dados fluem
entre transmissor e receptor, critérios para verificação
de erros e coisas que tais. No que toca ao infravermelho, esses critérios
são padronizados pela IrDA (Infrared Data Association), uma associação
de fabricantes de equipamentos que usam esse tipo de transmissão
de dados e que pode ser visitada em <www.irda.org/>,
onde se encontra um resumo do padrão.
A comunicação via radiação infravermelha
é barata e confiável, mas tem algumas desvantagens. A
primeira é que é necessário manter desimpedida
uma linha de visada entre o transmissor e o receptor, ou
seja, um tem que ficar em frente ao outro, sem obstáculos entre
eles (a radiação infravermelha, como a luminosa, não
é capaz de transpor obstáculos opacos). A segunda é
que se trata de uma comunicação do tipo um para
um (ou seja, de um único transmissor para um único
receptor; pode-se trocar dados entre micro e diversos periféricos,
porém não simultaneamente).
Em princípio, a troca de informações via infravermelho
foi concebida para dispositivos situados a curta distância (idealmente
menos de um metro) e fluxo de dados relativamente lento: as transmissões
são feitas entre 9.600 b/s (bits por segundo) até um máximo
de 4 Mb/s (megabits por segundo; atenção: bits, não
bytes). O protocolo utiliza a detecção de erros através
de um algoritmo tipo CRC (verificação cíclica de
redundância). Talvez o exemplo mais ubíquo de transmissão
de dados via infravermelho seja a troca de dados entre micros de mão,
tipo palmtop.
Bluetooth
Bluetooth
é um tipo de comunicação sem fio que, à
semelhança do infravermelho, foi desenvolvido para pequenas distâncias.
Mas, ao contrário deste último, é capaz de transpor
obstáculos situados entre o transmissor e o receptor. Para isso
usa uma faixa de radiação eletromagnética situada
dentro do espectro das ondas de rádio: de 2,4 GHz até
2,5 GHz, originalmente destinada por acordo internacional para uso de
dispositivos industriais, científicos e médicos. Como
o alcance da comunicação via bluetooth é muito
curto, não há perigo de interferir nas transmissões
daqueles dispositivos. Além disso o bluetooth usa uma série
de artifícios para impedir que as transmissões interfiram
umas com as outras. O primeiro é limitar em 1miliwatt a potência
dos sinais transmitidos, reduzindo o alcance da transmissão a
uns poucos metros (telefones celulares usam uma potência três
mil vezes maior), porém suficiente para atravessar uma parede.
O segundo artifício é ainda mais inteligente. Trata-se
da técnica denominada spread-spectrum frequency hopping,
um negócio muito bem bolado. Quando dois dispositivos bluetooth
se põem ao alcance um do outro, iniciam uma conversa
(ao contrário das demais técnicas de transferência
de dados aqui discutidas, a bluetooth independe do controle do usuário:
assim que os dispositivos sentem a presença um do
outro, iniciam automaticamente as negociações para troca
de dados). O primeiro passo é descobrir o endereço
(um número de identificação) do outro dispositivo
e verificar se está dentro da faixa de endereços que foi
programado para se comunicar (não faz sentido uma base de telefone
sem fio se comunicar com uma televisão, por exemplo). Se positivo
e caso tenham dados a compartilhar, escolhem aleatoriamente 79 diferentes
freqüências de transmissão, todas dentro da faixa
destinada ao bluetooth, e passam a transmitir sinais de rádio
dentro dessas freqüências, trocando rapidamente de uma para
outra. E quando digo rapidamente, não exagero: são
feitas 1.600 trocas de canal a cada segundo. Isso faz com que a probabilidade
de que dois pares de dispositivos bluetooth trocando dados no mesmo
ambiente usem a mesma freqüência simultaneamente seja mínima.
E, mesmo que isso aconteça, a troca de canal se dá tão
rapidamente (em frações de milissegundo) que qualquer
interferência pode ser desprezada.
A transmissão sem fio via bluetooth é do tipo um
para muitos: um único transmissor (mestre) pode servir
dados simultaneamente a até sete receptores (slaves). Dados podem
ser trocados entre telefones celulares e audiofones, entre computadores
e periféricos (incluindo televisões e aparelhos de som),
em suma, entre quaisquer dispositivos eletrônicos que compartilhem
o mesmo ambiente e estejam dentro do alcance um do outro. O protocolo
bluetooth permite comunicação bidirecional simultânea
(full duplex) ou seqüencial (half duplex).
No primeiro caso (por exemplo, entre o telefone celular na cintura do
usuário e o audiofone em sua cabeça) a transmissão
pode se dar a pouco mais de 400 Kb/s (quilobits por segundo) em ambas
as direções. No segundo caso (por exemplo: comunicação
entre um micro e uma impressora) a transmissão pode se dar em
até 721 Kb/s em uma direção e 57,6 Kb/s na outra.
Uma curiosidade: o nome da tecnologia foi dado em homenagem a Harald
Bluetooth, um rei da Dinamarca que, no século dez, promoveu a
união de seu país com a Noruega e introduziu o cristianismo
no reino. A escolha do nome tem menos a ver com a tecnologia propriamente
dita que com a importância dos países escandinavos na indústria
das telecomunicações.
Maiores informações sobre a tecnologia bluetooth podem
ser encontradas no sítio oficial do padrão, em <www.bluetooth.com/>.
WiFi
WiFi é
o nome comercial usado para designar um conjunto de padrões desenvolvidos
pelo comitê 802.11 do IEEE (Institute of Electrical and Electronic
Engineers) dedicado à padronização de protocolos
e equipamentos para redes locais sem fio, ou Wireless LANs.
O nome reporta-se a HiFi (de High Fidelity,
alta fidelidade), usado para designar os primeiros equipamentos de som
de alta qualidade e evoca Wireless Fidelity, ressaltando
a qualidade e confiabilidade da comunicação. Os dispositivos
WiFi, semelhantemente aos bluetooth, comunicam-se através de
radiações situadas no espectro das ondas de rádio
mas, além de transporem qualquer tipo de obstáculo físico,
têm um alcance da ordem de algumas centenas de metros e um fluxo
de dados muito maior que o admitido pelo padrão bluetooth.
Até o momento há três sub-padrões estabelecidos,
todos conhecidos por WiFi: o 802.11b (o primeiro), que opera nas freqüências
vizinhas a 2,4 GHz e alcança um fluxo de dados de 11 Mb/s, o
802.11a (que, curiosamente, foi desenvolvido depois do b),
que opera nas freqüências próximas a 5,2 GHz e atinge
ao formidável fluxo de dados de 54 Mb/s e o 802.11g, que compatibiliza
os dois anteriores (enquanto os dispositivos 802.11a e b somente se
comunicam entre si, o 802.11g comunica-se com todos os demais) operando
na faixa vizinha aos 2,4 GHz com fluxo de 54 Mb/s. O grupo continua
trabalhando em novos padrões para melhorar a segurança
(802.11i), confiabilidade (802.11e) e gerenciamento do (elevado) consumo
de energia (802.11h), especialmente importante para dispositivos móveis
que dependem da carga da bateria.
A tecnologia WiFi tem um alcance de algumas centenas de metros, bastante
superior à atingida pelas anteriores. Ela permite criar uma rede
local inteiramente sem fio a partir de um ou mais pontos de presença
(transmissor/receptor tipo um para muitos) ligados a uma
rede, que se comunicam com dezenas de clientes equipados com uma controladora
WiFi que troca dados com o ponto de presença. Dependendo do número
e localização dos pontos de presença, a rede pode
abranger uma única sala, um prédio ou até mesmo
um conjunto de prédios, como um campus universitário.
De todas as tecnologias examinadas, a WiFi é a mais poderosa,
seja pelo alcance, seja pelo fluxo de dados, seja pela confiabilidade.
Um dispositivo móvel (como um micro portátil ou de mão)
com uma placa controladora WiFi no interior de uma área coberta
por diversos pontos de presença WiFi pode se manter conectado
a uma rede local (e, através dela, à Internet) durante
todo o tempo em que estiver ligado e no interior do campo de alcance
de um dos pontos de presença.
Mais informações sobre o padrão WiFi podem ser
obtidas no sítio da WiFi Alliance, uma associação
internacional criada em 1999 para certificar produtos baseados no padrão
e divulgar a tecnologia, em <www.wi-fi.org/>.
B.
Piropo