Os primeiros
telefones celulares eram analógicos. Um termo aparentemente complicado
para uma coisa simples: eles eram na verdade aparelhos rádio-transmissores/receptores,
ou seja, usavam ondas eletromagnéticas para transmitir o som
da nossa voz previamente modulado. Uma técnica similar
à usada pelos telefones fixos, comuns, só que sem fio.
Essa foi a primeira geração da telefonia celular, a 1G,
hoje praticamente desaparecida.
No início dos anos noventa surgiu a segunda geração,
baseada nas tecnologias digitais. O termo digital se contrapõe
a analógico. Como há muita gente que não
entende a diferença, vamos recorrer a um exemplo bem simples
e hoje em dia bastante comum para explicar: as câmaras fotográficas,
das quais também existem modelos analógicos e digitais.
Ambas usam lentes para projetar a imagem do mundo exterior em uma superfície
interna, sensível à luz. Nas analógicas essa superfície
é o filme que, depois de revelado, exibirá um conjunto
de pontos coloridos que, juntos, apresentam uma analogia perfeita com
a imagem original. Um meio analógico, portanto, de armazenar
a imagem. Nas câmaras digitais a superfície sensível
é formada por um conjunto de microscópicas células
fotoelétricas recobertas com filtros que deixam passar apenas
uma das três cores fundamentais. Cada três células
corresponde a um ponto da imagem. A quantidade de luz recebida em cada
ponto gera uma corrente elétrica proporcional à intensidade
da luz daquela cor e que é convertida em um número. Esses
números são armazenados, um após o outro, conforme
sua posição na imagem. Se você reconstituir
a cor correspondente a cada um desses números exatamente na posição
em que ele foi capturado na superfície sensível, recomporá
a imagem em suas cores originais. Uma imagem que foi codificada em números.
Que também são conhecidos por dígitos.
Ou seja: a imagem foi digitalizada. Digitalizar é isso: codificar,
sob a forma de números, grandezas do mundo real.
Sons também podem ser digitalizados (um som é uma combinação
de números que exprimem sua freqüência, amplitude,
timbre e outras características). E é mais simples transmitir
informações digitalizadas que sob a forma analógica.
Isso deu origem à segunda geração da telefonia
celular, a 2G: a voz é digitalizada na origem e transmitida sob
a forma de um sinal digital que é reconvertido em som no aparelho
que recebe.
O problema é que havia diversas operadoras e, na época,
três distintas tecnologias para transmitir voz digitalizada. A
mais antiga, TDMA, usa um canal, ou banda (faixa de freqüência
de transmissão) de alta freqüência para enviar pacotes
de dados ou de controle, um após o outro, em curtos intervalos
de tempo. Ou seja: permite diversos acessos ao canal baseados em uma
divisão de tempo (TDMA é a sigla de acessos múltiplos
por divisão de tempo em inglês). A GSM (Global System
for Mobile communications) baseia-se em uma tecnologia semelhante, também
por divisão de tempo porém mais moderna, e é muito
popular, principalmente na Europa. E a CDMA, que também envia
diversas informações pelo mesmo canal, porém faz
isso simultaneamente, usando códigos únicos para identificar
as diferentes chamadas (CDMA é a siga de acessos múltiplos
por divisão de códigos). E as concessionárias
do novo serviço tinham que escolher uma.
No Brasil, a maioria apostou mal: escolheu a TDMA, uma tecnologia que,
segundo o consenso dos especialistas, não tem mais para onde
evoluir e deve ser substituída em prazo relativamente curto caso
a prestadora decida fornecer os novos serviços de transmissão
de dados que o futuro exige. Algumas escolheram a CDMA. E as mais recentes
ficaram com o GSM.
Acontece que os telefones celulares estão cada vez menos telefones
e cada vez mais celulares. Ou seja: a mera transmissão de voz
está perdendo importância frente à transmissão
de dados sem fio. Citando César Taurion: Na prática,
os equipamentos móveis do futuro serão um misto de celulares
com PDAs, com capacidade computacional de um desktop e funcionalidades
multimídia, além de estarem permanentemente conectados
à Internet via tecnologia de pacotes. Frase que eu endossaria
enfaticamente, porém mudando o tempo do verbo para o presente.
Porque esses dispositivos não apenas já começaram
a aparecer como também estão disponíveis nas prateleiras,
inclusive de algumas cidades brasileiras. O problema é que as
tecnologias atuais não suportam as taxas de transmissão
necessárias para atingir esse alvo. Portanto, há que mudar
a tecnologia.
O alvo, naturalmente, é a terceira geração, conhecida
por 3G. Um alvo, por enquanto, inatingível. Pelo menos no Brasil.
Porque, mesmo acenando com taxas de transferência na ordem de
gigabits por segundo e aplicativos do tipo video-on-demand
nos dispositivos móveis (que já não mais seriam
telefones; ou você se imagina assistindo um filme na tela de seu
telefone?), ela exige a substituição praticamente total
da infra-estrutura existente. E nos tempos bicudos em que vive a economia
mundial, exceto em certos oásis tecnológicos como algumas
áreas afluentes do Japão, a 3G ainda é um sonho.
A solução, então, é um estágio intermediário
entre a segunda e a terceira geração da telefonia celular.
Um estágio que, na falta de um nome melhor, está sendo
chamado de 2,5G, ou geração dois-e-meio e
que permite o aproveitamento pelo menos de parte (em alguns casos, grande
parte) da infra-estrutura existente.
O caminho para a migração depende da tecnologia. O pessoal
da TDMA não tem saída: terá que fazer uma mudança
radical já que seu padrão chegou ao fim da linha. Já
a turma do GSM e CDMA está pesquisando formas menos indolores
de migrar, aproveitando ao máximo a infra-estrutura atual. Quem
usa GSM percorrerá o atalho denominado W-CDMA (Wideband
CDMA). E o pessoal do CDMA se organizou, formou o CDG (CDMA Development
Group, veja em <www.cdg.org>)
e procuram juntos a melhor via de migração.
Tanto assim que semana passada o CDG organizou no Rio de Janeiro a edição
2003 da CDMA Latin América Regional Conference, reunindo os principais
fabricantes mundiais e usuários de equipamento que usa a tecnologia
CDMA na América Latina para discutir os caminhos que levam à
próxima geração. Um evento cuja importância
é medida pelo número de usuários da tecnologia
na região: 28 milhões de aparelhos em 19 países
servidos por mais de trinta operadoras.
A migração se dará em estágios. O primeiro
passo já foi dado: há mais de dois anos já está
em uso o padrão CDMA 2000, também conhecido por CDMA 1x
RTT. 1x significa que a transmissão é feita
por um único canal, embora percorrido por diversas portadoras
de menor largura de banda, uma tecnologia conhecida por multiple
carrier. Já RTT é o acrônimo de
Radio Transmission Technology. 1x RTT não é um passo desprezível:
dobra a capacidade de transmissão de voz, permitindo duplicar
o número de ligações percorrendo o mesmo canal,
e decuplica a taxa de transmissão de dados, passando dos atuais
14,4 Kb/s (Kilobits por segundo) para 144 Kb/s. Uma taxa que já
permite a transmissão de imagens digitais a cores em tempos razoáveis,
além de acesso decente à Internet em uma taxa perfeitamente
aceitável para troca de mensagens de correio eletrônico,
jogos online e umas outras tantas brincadeiras de adulto, como troca
de protetores de tela e transferência de toques personalizados
para seu telefone. E não pense que isso é um sonho distante:
a tecnologia já é oferecida com o nome comercial de Zap
pela Vivo nas cidades de São Paulo, Osasco, Barueri, Guarulhos,
São Bernardo, Santo André, São Caetano do Sul,
Guarujá, Bertioga, Campinas, Indaiatuba, Santos e Cubatão
(SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória, Vila Velha e Serra (ES),
Curitiba e São José dos Pinhais (PR). O acesso à
Internet sem fio pode ser feito por telefones celulares, micros portáteis
ou PDAs munidos do adaptador tipo PC Card (PCMCIA) Vivo Zap. Portanto
é uma tecnologia em pleno uso.
O segundo passo já começou a ser implementado no Brasil,
porém em caráter experimental. Baseia-se no padrão
IS-856 já aprovado pela 3GPP2 (Third Generation Partnership Project
2, veja em <www.3gpp2.org>), uma organização criada
para homologar padrões de telecomunicação 3G, e
denomina-se CDMA 2000 1xEV-DO ou, mais simplesmente, 1xEV-DO (1x
significando o uso de um único canal multiple carrier
e EV-DO significando Evolution Data Only).
Na verdade, o 1xEV-DO é um achado. Ocorre que as eventuais faltas
de sincronia e pequenos atrasos, naturais em uma transmissão
via rádio, tornam a transmissão de voz, música
e vídeo um negócio bastante complicado. Não é
agradável manter uma conversa entrecortada ou receber um vídeo
que dá saltos. Já transmitir dados é
um negócio mais simples: ae um pacote se perder no
caminho ou chegar fora de ordem, é só esperar um pouco
e arrumar as coisas no destino. Pois bem: a idéia na qual se
baseia o 1xEV-DO é separar um canal com largura de banda de 1,25MHz
e torná-lo exclusivo para transmissão de dados usando
o protocolo em torno do qual se acumula uma experiência de décadas:
o protocolo IP, o mesmo usado na Internet. Com isso se consegue chegar
com alguma facilidade a taxas de transferência da ordem de 600
Kb/s a 1200 Kb/s, atingindo picos de 2 Mb/s (Megabits por segundo),
superiores às obtidas atualmente nas transmissões consideradas
Internet rápida ou banda larga. No Brasil,
foram feitas experiências em Brasília e São Paulo
que confirmaram essas possibilidades. Em algumas regiões dos
EUA e Ásia o serviço já está em operação
de rotina.
O passo seguinte será ainda mais gigantesco: a integração
da transmissão de voz e dados em três portadoras. O padrão
será conhecido por EV-DV (Evolution Data and Voice) e
atingirá a quase inacreditáveis 5,2 Mb/s, suficiente até
mesmo para transmissões de video-on-demand. Daí
para a frente, já estaremos no terreno da 3G.
O evento do Rio de Janeiro serviu não apenas para discutir essas
tecnologias como para pôr em contato representantes das operadoras,
dos detentores da tecnologia e dos fabricantes. Lá estava a Qualcomm,
exibindo seu sistema de posicionamento global (GPS One) para uso em
celulares e PDAs e divulgando o Brew, sistema operacional para desenvolvimento
de aplicativos para dispositivos sem fio. A Kyocera, com toda sua gama
de dispositivos. A Nortel, divulgando sua tecnologia de implementação
de redes CDMA. A Vivo, orgulhosa de seu novo serviço Zap. A Sprint,
com alguns aparelhos que são o sonho de consumo de qualquer pessoa
ligada em tecnologia. A ZTE, uma gigante chinesa ainda pouco conhecida
por aqui mas que promete que logo se falará muito dela. E mais
um monte de operadoras latino-americanas, com um olho no mercado, outro
na tecnologia.
Vamos ver o que os próximos anos nos reservam. A julgar pelo
que foi discutido nos dois dias de evento, as possibilidades são
eletrizantes.
B.
Piropo