Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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21/08/2003

< Migrando para a terceira geração >


Os primeiros telefones celulares eram analógicos. Um termo aparentemente complicado para uma coisa simples: eles eram na verdade aparelhos rádio-transmissores/receptores, ou seja, usavam ondas eletromagnéticas para transmitir o som da nossa voz previamente “modulado”. Uma técnica similar à usada pelos telefones fixos, comuns, só que sem fio. Essa foi a primeira geração da telefonia celular, a 1G, hoje praticamente desaparecida.
No início dos anos noventa surgiu a segunda geração, baseada nas tecnologias digitais. O termo “digital” se contrapõe a “analógico”. Como há muita gente que não entende a diferença, vamos recorrer a um exemplo bem simples e hoje em dia bastante comum para explicar: as câmaras fotográficas, das quais também existem modelos analógicos e digitais. Ambas usam lentes para projetar a imagem do mundo exterior em uma superfície interna, sensível à luz. Nas analógicas essa superfície é o filme que, depois de revelado, exibirá um conjunto de pontos coloridos que, juntos, apresentam uma analogia perfeita com a imagem original. Um meio analógico, portanto, de armazenar a imagem. Nas câmaras digitais a superfície sensível é formada por um conjunto de microscópicas células fotoelétricas recobertas com filtros que deixam passar apenas uma das três cores fundamentais. Cada três células corresponde a um ponto da imagem. A quantidade de luz recebida em cada ponto gera uma corrente elétrica proporcional à intensidade da luz daquela cor e que é convertida em um número. Esses números são armazenados, um após o outro, conforme sua posição na “imagem”. Se você reconstituir a cor correspondente a cada um desses números exatamente na posição em que ele foi capturado na superfície sensível, recomporá a imagem em suas cores originais. Uma imagem que foi codificada em números. Que também são conhecidos por “dígitos”. Ou seja: a imagem foi digitalizada. Digitalizar é isso: codificar, sob a forma de números, grandezas do mundo real.
Sons também podem ser digitalizados (um som é uma combinação de números que exprimem sua freqüência, amplitude, timbre e outras características). E é mais simples transmitir informações digitalizadas que sob a forma analógica. Isso deu origem à segunda geração da telefonia celular, a 2G: a voz é digitalizada na origem e transmitida sob a forma de um sinal digital que é reconvertido em som no aparelho que recebe.
O problema é que havia diversas operadoras e, na época, três distintas tecnologias para transmitir voz digitalizada. A mais antiga, TDMA, usa um canal, ou “banda” (faixa de freqüência de transmissão) de alta freqüência para enviar “pacotes” de dados ou de controle, um após o outro, em curtos intervalos de tempo. Ou seja: permite diversos acessos ao canal baseados em uma divisão de tempo (TDMA é a sigla de “acessos múltiplos por divisão de tempo” em inglês). A GSM (Global System for Mobile communications) baseia-se em uma tecnologia semelhante, também por divisão de tempo porém mais moderna, e é muito popular, principalmente na Europa. E a CDMA, que também envia diversas informações pelo mesmo canal, porém faz isso simultaneamente, usando códigos únicos para identificar as diferentes chamadas (CDMA é a siga de “acessos múltiplos por divisão de códigos”). E as concessionárias do novo serviço tinham que escolher uma.
No Brasil, a maioria apostou mal: escolheu a TDMA, uma tecnologia que, segundo o consenso dos especialistas, não tem mais para onde evoluir e deve ser substituída em prazo relativamente curto caso a prestadora decida fornecer os novos serviços de transmissão de dados que o futuro exige. Algumas escolheram a CDMA. E as mais recentes ficaram com o GSM.
Acontece que os telefones celulares estão cada vez menos telefones e cada vez mais celulares. Ou seja: a mera transmissão de voz está perdendo importância frente à transmissão de dados sem fio. Citando César Taurion: “Na prática, os equipamentos móveis do futuro serão um misto de celulares com PDAs, com capacidade computacional de um desktop e funcionalidades multimídia, além de estarem permanentemente conectados à Internet via tecnologia de pacotes”. Frase que eu endossaria enfaticamente, porém mudando o tempo do verbo para o presente. Porque esses dispositivos não apenas já começaram a aparecer como também estão disponíveis nas prateleiras, inclusive de algumas cidades brasileiras. O problema é que as tecnologias atuais não suportam as taxas de transmissão necessárias para atingir esse alvo. Portanto, há que mudar a tecnologia.
O alvo, naturalmente, é a terceira geração, conhecida por 3G. Um alvo, por enquanto, inatingível. Pelo menos no Brasil. Porque, mesmo acenando com taxas de transferência na ordem de gigabits por segundo e aplicativos do tipo “video-on-demand” nos dispositivos móveis (que já não mais seriam telefones; ou você se imagina assistindo um filme na tela de seu telefone?), ela exige a substituição praticamente total da infra-estrutura existente. E nos tempos bicudos em que vive a economia mundial, exceto em certos oásis tecnológicos como algumas áreas afluentes do Japão, a 3G ainda é um sonho.
A solução, então, é um estágio intermediário entre a segunda e a terceira geração da telefonia celular. Um estágio que, na falta de um nome melhor, está sendo chamado de 2,5G, ou “geração dois-e-meio” e que permite o aproveitamento pelo menos de parte (em alguns casos, grande parte) da infra-estrutura existente.
O caminho para a migração depende da tecnologia. O pessoal da TDMA não tem saída: terá que fazer uma mudança radical já que seu padrão chegou ao fim da linha. Já a turma do GSM e CDMA está pesquisando formas menos indolores de migrar, aproveitando ao máximo a infra-estrutura atual. Quem usa GSM percorrerá o atalho denominado W-CDMA (“Wideband CDMA). E o pessoal do CDMA se organizou, formou o CDG (CDMA Development Group, veja em <www.cdg.org>) e procuram juntos a melhor via de migração.
Tanto assim que semana passada o CDG organizou no Rio de Janeiro a edição 2003 da CDMA Latin América Regional Conference, reunindo os principais fabricantes mundiais e usuários de equipamento que usa a tecnologia CDMA na América Latina para discutir os caminhos que levam à próxima geração. Um evento cuja importância é medida pelo número de usuários da tecnologia na região: 28 milhões de aparelhos em 19 países servidos por mais de trinta operadoras.
A migração se dará em estágios. O primeiro passo já foi dado: há mais de dois anos já está em uso o padrão CDMA 2000, também conhecido por CDMA 1x RTT. “1x” significa que a transmissão é feita por um único canal, embora percorrido por diversas portadoras de menor largura de banda, uma tecnologia conhecida por “multiple carrier”. Já “RTT” é o acrônimo de Radio Transmission Technology. 1x RTT não é um passo desprezível: dobra a capacidade de transmissão de voz, permitindo duplicar o número de ligações percorrendo o mesmo canal, e decuplica a taxa de transmissão de dados, passando dos atuais 14,4 Kb/s (Kilobits por segundo) para 144 Kb/s. Uma taxa que já permite a transmissão de imagens digitais a cores em tempos razoáveis, além de acesso decente à Internet em uma taxa perfeitamente aceitável para troca de mensagens de correio eletrônico, jogos online e umas outras tantas brincadeiras de adulto, como troca de protetores de tela e transferência de toques personalizados para seu telefone. E não pense que isso é um sonho distante: a tecnologia já é oferecida com o nome comercial de “Zap” pela Vivo nas cidades de São Paulo, Osasco, Barueri, Guarulhos, São Bernardo, Santo André, São Caetano do Sul, Guarujá, Bertioga, Campinas, Indaiatuba, Santos e Cubatão (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória, Vila Velha e Serra (ES), Curitiba e São José dos Pinhais (PR). O acesso à Internet sem fio pode ser feito por telefones celulares, micros portáteis ou PDAs munidos do adaptador tipo PC Card (PCMCIA) Vivo Zap. Portanto é uma tecnologia em pleno uso.
O segundo passo já começou a ser implementado no Brasil, porém em caráter experimental. Baseia-se no padrão IS-856 já aprovado pela 3GPP2 (Third Generation Partnership Project 2, veja em <www.3gpp2.org>), uma organização criada para homologar padrões de telecomunicação 3G, e denomina-se CDMA 2000 1xEV-DO ou, mais simplesmente, 1xEV-DO (“1x” significando o uso de um único canal “multiple carrier” e “EV-DO” significando “Evolution – Data Only”). Na verdade, o 1xEV-DO é um achado. Ocorre que as eventuais faltas de sincronia e pequenos atrasos, naturais em uma transmissão via rádio, tornam a transmissão de voz, música e vídeo um negócio bastante complicado. Não é agradável manter uma conversa entrecortada ou receber um vídeo que dá “saltos”. Já transmitir dados é um negócio mais simples: ae um “pacote” se perder no caminho ou chegar fora de ordem, é só esperar um pouco e arrumar as coisas no destino. Pois bem: a idéia na qual se baseia o 1xEV-DO é separar um canal com largura de banda de 1,25MHz e torná-lo exclusivo para transmissão de dados usando o protocolo em torno do qual se acumula uma experiência de décadas: o protocolo IP, o mesmo usado na Internet. Com isso se consegue chegar com alguma facilidade a taxas de transferência da ordem de 600 Kb/s a 1200 Kb/s, atingindo picos de 2 Mb/s (Megabits por segundo), superiores às obtidas atualmente nas transmissões consideradas “Internet rápida” ou “banda larga”. No Brasil, foram feitas experiências em Brasília e São Paulo que confirmaram essas possibilidades. Em algumas regiões dos EUA e Ásia o serviço já está em operação de rotina.
O passo seguinte será ainda mais gigantesco: a integração da transmissão de voz e dados em três portadoras. O padrão será conhecido por EV-DV (Evolution – Data and Voice) e atingirá a quase inacreditáveis 5,2 Mb/s, suficiente até mesmo para transmissões de “video-on-demand”. Daí para a frente, já estaremos no terreno da 3G.
O evento do Rio de Janeiro serviu não apenas para discutir essas tecnologias como para pôr em contato representantes das operadoras, dos detentores da tecnologia e dos fabricantes. Lá estava a Qualcomm, exibindo seu sistema de posicionamento global (GPS One) para uso em celulares e PDAs e divulgando o Brew, sistema operacional para desenvolvimento de aplicativos para dispositivos sem fio. A Kyocera, com toda sua gama de dispositivos. A Nortel, divulgando sua tecnologia de implementação de redes CDMA. A Vivo, orgulhosa de seu novo serviço Zap. A Sprint, com alguns aparelhos que são o sonho de consumo de qualquer pessoa ligada em tecnologia. A ZTE, uma gigante chinesa ainda pouco conhecida por aqui mas que promete que logo se falará muito dela. E mais um monte de operadoras latino-americanas, com um olho no mercado, outro na tecnologia.
Vamos ver o que os próximos anos nos reservam. A julgar pelo que foi discutido nos dois dias de evento, as possibilidades são eletrizantes.

B. Piropo