No Brasil,
a imensa maioria dos internautas ainda se conectam à Internet
usando um modem ligado à linha telefônica comum. Se tiverem
sorte, se a qualidade da linha for boa e se não houver interferência,
conseguem transferir dados a uma taxa máxima de 56 Kb/s (quilobits
por segundo). Uma minoria tem condições técnicas
e financeiras de acesso à Internet rápida, também
conhecida pela deplorável expressão banda larga,
cujas taxas de transmissão situam-se acima dos 256 Kb/s. São
os primos ricos da comunidade internauta. Por enquanto.
Porque tem gente trabalhando para multiplicar essa taxa alguns milhares
de vezes. E, usando a infra-estrutura da Internet, já conseguiram
transmitir dados na taxa de 8,6 Gb/s (gigabits por segundo), cento e
cinqüenta mil vezes mais rápida que a dos modems comuns
e seis mil vezes maior que a da Internet rápida via ADSL (Velox,
para os mineiros e cariocas, Speedy, para os paulistas). Suficiente
para transferir todo o conteúdo de um DVD em cerca de cinco segundos.
Quem logrou essa proeza foi uma equipe de pesquisadores do California
Institute of Technology (CalTech) dedicada ao aperfeiçoamento
de um protocolo de transmissão de dados denominado FAST (Fast
Active queue management Scalable TCP), o provável sucessor do
atual TCP. Um feito notável nem tanto pela taxa de transmissão
alcançada mas sobretudo por tê-la atingido usando a mesma
Internet oferecida aos meros mortais como nós.
Para entender como isso foi possível é preciso ter uma
idéia de como dados são transmitidos através da
imensa teia formada pela Internet. Quando se visita, digamos, o computador
de uma universidade na Inglaterra e se solicita a transferência
de um trabalho científico (o mesmo ocorre, naturalmente, em uma
visita a um sítio pornográfico de Quixeramobim para transferir
uma foto de mulher pelada, mas o primeiro exemplo confere muito mais
respeitabilidade a esse artigo, portanto esqueçam o último),
o arquivo a ser transferido é fragmentado em pequenos pedaços,
ou pacotes, de cerca de 1500 bytes cada. Cada pacote é
enviado separadamente e pode seguir por uma das milhares de rotas possíveis
entre o computador que o envia e o que o recebe. Quem escolhe o caminho
é um protocolo denominado IP (de Internet Protocol),
que age como um formidável controlador de tráfego, sempre
investigando que nó da rede está mais folgado
naquele momento e enviando o pacote para ele, depois para o seguinte
e assim por diante, até chegar à máquina destino.
O próximo pacote do mesmo arquivo pode percorrer um caminho totalmente
diferente. Não importa. O que importa é que, no destino,
os pacotes sejam emendados corretamente para restaurar o
arquivo original. Quem providencia isso após verificar se todos
os pacotes foram entregues e se chegaram em perfeito estado é
um segundo protocolo, muito apropriadamente denominado TCP (Transmission
Control Protocol). Cada pacote recebido é conferido na máquina
destino usando um algoritmo de verificação tipo prova
dos nove e, se tudo estiver nos conformes, uma confirmação
é enviada à máquina origem. Se por acaso um dos
pacotes extraviou-se ou corrompeu-se, o TCP providencia seu reenvio,
desta vez na metade da taxa anterior para garantir que não haverá
nova falha. E assim sucessivamente, até que o arquivo esteja
inteiro e seguro na máquina que o solicitou.
O TCP foi desenvolvido nos anos setenta e era perfeitamente adequado
às taxas e meios de transmissão da época. Nos dias
de hoje e nos meios de transmissão modernos como fibras óticas,
usá-lo é mais ou menos como dirigir um carro em uma estrada
larga, pavimentada e segura, porém debaixo de um nevoeiro que
só permite enxergar alguns metros adiante. Se correr muito e
surgir um obstáculo imprevisto, não dá tempo para
frear. Usar FAST corresponde a dirigir na mesma estrada, porém
usando um farol de milha que permite perceber obstáculos
a centenas de metros
A diferença essencial entre o TCP e o FAST está no hardware
do computador que envia os dados e no software que controla a transmissão,
também instalado na máquina origem. Os pacotes são
do mesmo tamanho, mas o tempo que cada pacote leva para alcançar
o destino e o tempo gasto para a confirmação do recebimento
são continuamente monitorados. Ora, acompanhar de perto a transmissão
permite estabelecer a qualidade da conexão, o que por sua vez
permite antever a eventual ocorrência de falhas. Isso possibilita
avaliar a taxa máxima que a transmissão pode alcançar
e mantê-la próxima desse valor por longos períodos.
E como tudo depende do hardware e software apenas da máquina
que envia os dados, a transmissão pode ser feita usando a infra-estrutura
disponível na Internet.
A notável façanha mencionada no começo deste artigo
foi resultado de uma experiência realizada em novembro último
durante a Supercomputing Conference em Baltimore, EUA. Uma equipe mista
da CalTech e do Stanford Linear Accelerator Center (SLAC), trabalhando
em conjunto com cientistas da European Organization for Nuclear Research
(CERN, o berço da Internet) e algumas empresas particulares,
fecharam uma conexão entre Sunnyvale, na Califónia, EUA,
e Genebra, na Suíça (sede da CERN), separadas por mais
de dez mil quilômetros. E, usando FAST em dez linhas paralelas
de altíssima taxa, conseguiram sustentar por algumas horas uma
transmissão de dados na taxa de 8,609 Gb/s com pacotes de tamanho
padrão em linhas compartilhadas e na presença de tráfego
de fundo. Isso corresponde a um aproveitamento de 88 % da capacidade
de transmissão do meio (usando o protocolo TCP nessas mesmas
linhas, consegue-se um aproveitamento máximo de 27 %, ou seja,
taxas da ordem de 266 Mb/s em uma única linha). Detalhes podem
ser encontrados no artigo da própria CalTech em
<http://pr.caltech.edu/media/Press_Releases/PR12356.html>.
É claro que foi apenas uma experiência e ainda há
que percorrer um longo caminho até que a tecnologia esteja disponível.
Mas provou que taxas como essas podem ser alcançadas sem alterações
essenciais na infra-estrutura atual, um claro sinal que o objetivo colimado
não é impossível.
E esse objetivo não é pouco ambicioso: alcançar
taxas de transmissão de dados de até dez Gb/s a curto
prazo e entre dez e cem Gb/s no futuro próximo. Os cientistas
consideram que esse é um fator chave para a colaboração
global entre instituições de pesquisa (veja artigo em
<http://netlab.caltech.edu/FAST/overview.html>).
Mas eles não são os únicos preocupados com o assunto.
Muito pelo contrário. Quem está demonstrando um profundo
interesse no FAST é a poderosa indústria de entretenimento
americana. Porque taxas de transmissão dessa ordem são
essenciais para o sistema video on demand, no qual o freguês
escolhe o filme e o assiste na hora, em transmissão direta. E
é de olho nesse suculento mercado que a Microsoft e a Disney
já começaram a entabular negociações com
o pessoal da CalTech.
Quem sabe isso não nos ajudará a ter uma Internet mais
rápida?
B.
Piropo