A impressão
a jato de tinta se baseia no lançamento de gotículas de
tinta sobre o papel. Essas gotículas são geradas pela
cabeça de impressão e lançadas na quantidade
exata para imprimir minúsculos pontos que, combinados, gerarão
a imagem impressa. A cabeça de impressão se desloca em
constante vai-e-vem acima de um dispositivo de tração
que faz a folha de papel deslizar abaixo dela. Desta forma a cabeça
percorre toda a superfície da folha. A impressão em preto
é gerada por um cartucho com uma única cabeça que
expele tinta preta. Já impressão colorida é feita
pela mistura, na proporção correta, de gotículas
das três cores básicas subtrativas: ciano,
magenta e amarelo (percebemos a cor impressa pela luz que se reflete
no papel; nos monitores, a cor é formada pela luz emitida pelo
próprio monitor, que por isso usam uma mistura de cores básicas
aditivas: vermelho, verde e azul). As impressoras modernas
conseguem formar tonalidades sutilmente diferentes usando a técnica
denominada meios tons (halftoning) que ejeta
um número variável de gotículas de cada cor, na
exata proporção da influência da cor básica
na formação da tonalidade desejada.
Essa técnica denomina-se drop on demand (DOD). Para
gerar as gotículas são usados dois tipos de tecnologia.
A mais antiga é a piezoelétrica, que tira proveito do
chamado efeito piezoelétrico observado em alguns
cristais que, quando se deformam pela aplicação de uma
dada pressão, produzem uma diferença de potencial elétrico;
e quando submetidos a uma certa diferença de potencial se deformam,
produzindo uma pressão. Cabeças de impressão que
usam essa tecnologia consistem em centenas de pequenas câmaras
cheias de tinta, com uma das paredes formadas por um cristal piezoelétrico
e um minúsculo orifício na parede oposta. Para gerar a
gotícula, aplica-se uma certa diferença de potencial elétrico
ao cristal, que se deforma e comprime a tinta, o que faz com que uma
gota microscópica seja expelida pelo orifício e lançada
sobre o papel. A contração do cristal quando cessa a pressão
suga mais tinta do depósito para encher a câmara. A única
empresa que emprega essa tecnologia é a Epson. Como as cabeças
de impressão piezoelétricas são mais caras e duram
mais, elas integram a própria impressora. O cartucho de uma impressora
a jato de tinta Epson, portanto, é apenas um reservatório
de tinta. O resultado prático disso é que, se um ou mais
das centenas de bocais da cabeça de impressão de uma Epson
a jato de tinta sofrer uma obstrução irreparável,
a impressora está inutilizada (é claro que sempre se pode
substituir a cabeça, mas isso costuma ser economicamente inviável,
já que o custo da cabeça e da mão de obra geralmente
é igual ou maior que o preço de uma nova impressora).
As demais fabricantes de cabeças de impressão a jato de
tinta para impressoras não industriais, HP, Canon e Lexmark,
adotam a tecnologia térmica (há outras marcas de impressoras
que não fabricam suas cabeças, mas compram de um desses
três fabricantes; a Dell, por exemplo, que acaba de ingressar
nesse mercado, usa cabeças e impressoras fabricadas pela Lexmark;
as demais marcas que usam a tecnologia térmica e fabricam suas
cabeças são a Olivetti e Océ, mas suas impressoras
não são destinadas ao uso doméstico).
HP e Canon disputam o pioneirismo desta tecnologia. Mas a Canon, que
a batizou de bubblejet, pelo menos conta uma historinha
para ilustrar: diz ela que a idéia surgiu em 1977 quando um de
seus pesquisadores encostou acidentalmente um ferro de soldar em uma
seringa cheia de tinta fazendo com que a dilatação da
tinta, ao esquentar, fizesse jorrar uma gota pelo bico da seringa. Essa
é de fato a idéia básica: uma cabeça de
impressão térmica é formada por câmaras cheias
de tinta, cada uma com um resistor em seu interior, denominado ativador.
No lado superior as câmaras se comunicam com o reservatório
de tinta do cartucho e no lado inferior, de frente para o papel, têm
um pequeno orifício denominado bocal. Para gerar
uma gota, aplica-se uma corrente elétrica ao ativador, que se
aquece até uma temperatura elevadíssima por uma fração
de milésimo de segundo, fazendo a tinta entrar em ebulição
e expulsar uma gotícula pelo bocal. O vácuo formado quando
a temperatura se reduz suga tinta do reservatório, enchendo novamente
a câmara.
Dito assim, parece simples. Mas a evolução da tecnologia
fez a coisa se complicar um bocado. Para começar, o processo
é tão rápido que são expulsas cerca de cinco
mil gotículas a cada segundo. E o termo gotícula
não é exagero: as cabeças de impressão de
última geração da Lexmark são capazes de
produzir gotas de apenas três picolitros (um picolitro corresponde
a um trilionésimo de litro, ou seja, em apenas um centímetro
cúbico há mais de trezentos milhões dessas gotas).
Não há interesse em produzir gotas menores, já
que elas não serão visíveis a olho nu.
Para gerar gotas pequenas assim são necessários bocais
e câmaras minúsculos. De fato cada bocal tem um diâmetro
de cerca de oito micra (oito milésimos de milímetro, menos
de um terço da espessura de um fio de cabelo dos finos)
e as câmaras não são muito maiores do que isso.
Para criá-las são usadas ferramentas laser de precisão
que perfuram um chip que contém, além das câmaras
e bocais, os ativadores e todo o circuito lógico necessário
para enviar os pulsos elétricos exatamente aos ativadores certos
no momento exato. Uma cabeça de impressão a jato de tinta
é uma jóia da tecnologia moderna.
A vantagem da tecnologia térmica é que os cartuchos, além
da tinta, trazem também uma cabeça de impressão.
Se um dos bocais sofrer uma obstrução irreparável,
tudo o que se perde é um cartucho, já que o substituto
vem com uma cabeça novinha em folha. Em contrapartida, ao terminar
a tinta do cartucho, joga-se fora uma cabeça de impressão
ainda em perfeitas condições de funcionamento. A não
ser, é claro, que se introduza no cartucho uma nova carga de
tinta.
Mas é aí que a porca torce o rabo. Porque um cartucho
recarregado pode até ser perfeitamente funcional. Mas nem sempre
produzirá uma impressão com a qualidade da gerada por
um novinho em folha. Me convenci disso após visitar uma fábrica
de cartuchos e cabeças. Na verdade, duas: uma que produz os circuitos
das cabeças de impressão, outra que monta os cartuchos.
Logo veremos as razões.
A principal matéria prima da primeira fábrica são
wafers fornecidos por um fabricante de circuitos integrados,
uma placa circular de seis polegadas de diâmetro com algumas centenas
de circuitos lógicos. Cada um deles contém toda a eletrônica
necessária para operar uma cabeça de impressão.
O primeiro passo é testar cada circuito, marcar os defeituosos
e cortar o wafer usando uma tecnologia de corte a laser
de precisão. O resultado são centenas de chips (circuitos
integrados) cegos, ou seja, sem câmaras ou fendas.
A partir desse ponto, todo o trabalho é feito em um conjunto
de salas limpas. Na verdade, trata-se de um galpão dentro de
outro galpão. O ar do galpão externo é apenas filtrado.
O do galpão interno sofre uma segunda filtragem que garante a
presença de menos de cem partículas de poeira por metro
cúbico (há alguns bilhões delas no ar que respiramos)
e cujas temperatura e umidade são rigorosamente controladas.
Nele, usando ferramentas a laser de altíssima precisão,
são escavadas as fendas, câmaras e bocais nos minúsculos
circuitos, transformando-os em cabeças de impressão. Em
seguida, usando a técnica de ultra-som, cada cabeça é
soldada a um circuito impresso sobre uma película flexível
com todas as conexões necessárias para ligá-la
aos circuitos de controle da impressora. Uma cabeça de impressão
de um cartucho de três cores tem centenas de bocais. A de um cartucho
de tinta preta, pouco mais de cem. A fabricação em salas
limpas é necessária porque uma única partícula
de poeira alojada em um bocal inutiliza a cabeça.
O resultado é um circuito impresso flexível que contém
a cabeça e todas as conexões elétricas necessárias,
como o da figura (que mostra frente e verso de um circuito impresso
com uma cabeça de impressão para tinta preta). Na primeira
fábrica são gerados mais de um milhão de circuitos
por semana. Seu produto são centenas de carretéis, semelhantes
a rolos de filme de 35 mm, embalados a vácuo e hermeticamente
fechados. Cada um deles contém milhares de circuitos impressos
que são enviados à fábrica de cartuchos (veja fotos
de detalhes de cabeças que usam a tecnologia térmica na
página
<http://www.microscopy-uk.org.uk/mag/artjan99/inkjet.html>).
Nela, são montados os cartuchos. O primeiro passo é a
preparação da tinta em uma instalação onde
corantes especiais são dissolvidos em água tratada e filtrados
para garantir a ausência total de partículas, mesmo microscópicas,
que poderiam obstruir os bocais. Essa é a única fase executada
fora de salas limpas. A partir desse ponto os cartuchos recebem o circuito
com as cabeças, um conjunto de filtros internos constituídos
por uma tela de aço inox com aberturas de dez micra para reter
quaisquer partículas eventualmente presente na tinta e um recheio
de espuma plástica que será saturada com a tinta (é
por isso que pode-se sacudir à vontade um cartucho meio vazio
que não se percebe o chacoalhar da tinta em seu interior,
contida pela espuma; a espuma é necessária para evitar
vazamentos de tinta). Somente então a tinta é injetada
no cartucho. Todos os cartuchos, sem exceção, são
testados veja, na foto, um técnico acompanhando
os testes, com dois cartuchos refugados sobre a mesa e repare nas vestes
especiais para ingressar na sala limpa) e somente se considerados perfeitos
são embalados à vácuo e empacotados. Apenas então
deixam o conjunto de salas limpas em caixas fechadas. Com exceção
dos testes e de alguns procedimentos de embalagem, todos os processos
são executados sem interferência humana embora minuciosamente
supervisionados.
Então, voltemos aos cartuchos recarregados e remanufaturados.
Começando pelos primeiros.
Se você comprou um cartucho novo e a tinta terminou, pode recarregá-lo.
O problema está na tinta. Dificilmente ela será da mesma
qualidade que a usada na carga original. É provável que
contenha impurezas, partículas microscópicas em suspensão
que acabam por obstruir os filtros internos do cartucho ou os bocais.
Ou que seque mais lentamente, o que acaba por provocar borrões
se o papel for manipulado imediatamente após sair da impressora.
Tudo isso pode prejudicar a qualidade da impressão. Mas se você
estiver ciente disso e se contentar com uma impressão não
tão perfeita quanto a do cartucho original, nada o impede de
recarregar seus próprios cartuchos. E se a recarga não
ficar satisfatória, o prejuízo é nenhum: sem a
recarga, o cartucho estava mesmo perdido... Eu costumo recarregar os
meus. Evidentemente, mesmo que você tenha a sorte de conseguir
uma tinta de boa qualidade que não obstrua nem os filtros internos
do cartucho nem os bocais da cabeça, há um limite de recargas.
Pois a qualidade da impressão depende da precisão com
que são geradas as gotículas que são expelidas
em alta temperatura através de orifícios microscópicos
em uma placa de plástico. E não há plástico
que resista indefinidamente a isso. Com o tempo, os bocais vão
se deformando e a impressão fica inaceitável. Para meu
uso particular, com tinta de boa qualidade, considero três recargas
o máximo compatível com uma impressão decente.
Daí em diante, cartucho novo.
Já no que toca aos cartuchos ditos remanufaturados,
a coisa é diferente. Em geral o termo remanufaturado
não é sinônimo de recuperado, mas de
fabricado por terceiros. Aí, não é apenas a qualidade
da tinta a ser questionada, mas a dos cartuchos. Custa crer que um fabricante
não licenciado possa manter os mesmos cuidados do fabricante
de cartuchos originais. Construção e manutenção
de salas limpas custam fortunas. Por isso, no que me diz respeito, procuro
evitar esse tipo de cartucho. Como evito igualmente os cartuchos recarregados
comprados de terceiros. Os meus, eu sei quantas vezes usei e posso descartá-los
após a terceira recarga. Os da terceiros, como saber?
PS: As fábricas visitadas à convite da empresa foram da
Lexmark, ambas no estado de Chihuaha, no México. A de cartuchos,
na capital, Chihuaha. A de cabeças, em Ciudad Juarez, próxima
à fronteira com os Estados Unidos. Ambas usam as facilidades
concedidas pelo governo mexicano para as chamadas indústrias
maquiladoras (cujo nome nada tem a ver com maquilagem,
mas sim com o termo maquila, regionalismo mexicano usado
na agricultura, que designa um arranjo segundo o qual o dono da terra
tem direito a uma parte da produção cultivada por terceiros).
O sistema foi criado na década de sessenta. Originalmente, as
maquiladoras eram obrigadas a se situar a menos de dez milhas da fronteira
americana e podiam importar matéria prima e componentes sem pagar
impostos, desde que toda a produção fosse exportada. Com
o advento do NAFTA as regras foram modificadas. Hoje continuam isentas
dos impostos de importação, mas podem se situar a qualquer
distância da fronteira e somente uma parte da produção
deve obrigatoriamente ser exportada. Atualmente há mais de três
mil maquiladoras no México, que geram cerca de um milhão
de empregos e são responsáveis por 45% das exportações
do país. A Lexmark foi criada há dez anos, a partir do
desmembramento do setor de impressoras da IBM. Suas fábricas
de Chihuaha e Ciudad Juarez produzem os cartuchos comercializados nas
três Américas: do Norte, Central e do Sul. Inclusive os
vendidos no Brasil.
B.
Piropo