Sítio do Piropo

B. Piropo

< Jornal Estado de Minas >
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16/01/2003

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Gartner para 2003
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O Grupo Gartner, entre outras tarefas, ocupa-se de fazer previsões. Ao contrário dos astrólogos, videntes e quejandos, as previsões Gartner se caracterizam pelo cuidadoso estudo de mudanças e tendências identificadas em algumas áreas de interesse e por isso são bastante respeitadas pelos executivos. No final de 2002 o Grupo Gartner efetuou cerca de trezentas previsões para 2003 sobre a tecnologia de informação, um importante segmento da economia mundial. Em 31 de dezembro passado publicou um documento com as dez que considerou mais relevantes. Aqui vai um resumo delas, seguida de alguns comentários desse humilde mas atento escriba.

Gartner informa que as previsões representam as dez mudanças mais significativas que ocorrerão em 2003. Algumas terão um impacto crescente nos anos seguintes, enquanto os efeitos de outras se dissiparão assim que a economia recuperar sua saúde. Para cada previsão, Gartner fornece algumas recomendações. Então vamos a elas.

1) Mesmo depois da recuperação da economia americana, as empresas da área da tecnologia da informação, grandes e pequenas, continuarão a sofrer os efeitos da desaceleração, já que o aumento da demanda resultante desta recuperação não será suficiente para mantê-las todas no mercado. A tendência de consolidação do mercado em um número menor de empresas não apenas continuará como também se acelerará. Grandes mudanças de estratégia causarão o aparecimento de novos líderes em certos segmentos que alguns participantes tradicionais abandonarão. Muitos dos maiores e mais conceituados nomes da indústria estarão entre aqueles que serão absorvidos ou desaparecerão em 2003, inclusive um grande fabricante de discos rígidos. Gartner recomenda aos clientes se precaverem contra o desaparecimento de parceiros estratégicos desenvolvendo planos de contingência e incluindo em seus contratos cláusulas de rescisão para proteger seus interesses.

2) A engenharia de software consolidará a estratégia SOA (“Service Oriented Architecture”), baseada no desenvolvimento de código reutilizável cujo acesso se dá através de uma interface única, encapsulada. Isso assegurará o aproveitamento do código existente, desde COBOL até as linguagens de programação orientadas para objetos, o que promove a independência de plataformas enquanto garante a interdependência entre programas, aplicativos e empresas. Em 2004, setenta porcento das 2000 maiores empresas em âmbito mundial experimentarão de alguma forma os “web services” apesar de alguns tropeços espetaculares no que toca à segurança – que, no entanto, não chegarão a reverter sua tendência de disseminação. Em 2006, sessenta porcento das vendas do comércio eletrônico serão geradas usando web services como parte da transação. Gartner recomenda às empresas que desenvolvem internamente algum software que passem imediatamente a se inteirar dos detalhes visando a implementação da SOA, SODA (“Services Oriented Development of Applications”) e web services.

3) Em 2003 e 2004 muitas das iniciativas empresariais baseadas na comunicação sem fio redundarão em fracasso, tanto no que toca à telefones celulares quanto a outros dispositivos móveis. A adoção em massa desses serviços permanecerá inibida devido a fatores de ordem cultural e social, falta de “massa crítica” e outros. Apesar de atingir uma infra-estrutura de suporte adequada no segundo semestre de 2003, o protocolo WAP 2 (“Wireless Application Protocol”) será usado por apenas cinco porcento dos usuários em escala mundial. Gartner recomenda que os usuários examinem com olhos críticos os planos de negócios que incluem essas tecnologias e se assegurem que não são demasiadamente otimistas.

4) As empresas que fornecem suporte telefônico estimularão seus clientes a recorrer cada vez mais ao atendimento automático (“self-service”), mais barato, afastando-os do atendimento humano. Para incentivar a migração, em 2007 cerca de trinta porcento das chamadas a “call-centers” solicitando suporte serão atendidas secretamente por técnicos que simularão atendimento automático sem deixar que o cliente perceba sua ação. Esse “serviço secreto” será usado sempre que a ajuda de um técnico for indispensável. Isso permitirá às empresas dispensar pouco a pouco o atendimento humano até a automatização total do suporte. Gartner recomenda que as empresas procurem identificar as categorias de suporte passíveis de atendimento automatizado e nelas implementem esse tipo de serviço, buscando identificar falhas e dando especial atenção ao fator humano, inclusive recorrendo ao “serviço secreto” para reconquistar os clientes frustrados com o atendimento automatizado.

5) A terceirização dos serviços de tecnologia da informação no exterior se ampliará, acarretando efeitos positivos e negativos. Empresas sediadas em regiões de alto custo operacional, como Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão, contratarão mão de obra mais barata em países como Índia e Rússia, que oferecem um sistema educacional de boa qualidade, grandes populações e estruturas de suporte adequadas. Até 2006, mais de oitenta porcento das grandes empresas americanas e européias ocidentais cogitarão seriamente usar esses recursos e mais de quarenta porcento efetivamente recorrerão a eles em algum nível. Apesar da economia que implica, a terceirização poderá redundar na perda de conhecimento e pessoal especializado nas empresas, comprometendo metas futuras. Os países fornecedores de mão de obra especializada experimentarão maiores níveis de emprego, crescimento da renda e arrecadação de impostos e maiores salários para os profissionais da área, benefícios que se refletirão em toda a sociedade, enquanto as partes do mundo que terceirizarão os serviços da área de tecnologia de informação sofrerão uma redução no saldo da balança comercial, menores oportunidades de emprego e perda da competitividade. Gartner recomenda às empresas que pretendem terceirizar serviços no exterior que procurem selecionar os empregados que irão manter, para preservar a competitividade e reter conhecimento.

6) As decisões na área da tecnologia da informação serão tomadas cada vez mais pelos departamentos comerciais e administrativos das empresas em detrimento dos departamentos de tecnologia. As principais razões para isso são: a tecnologia da informação vem se tornando cada vez mais importante na consecução de objetivos comerciais, os departamentos comerciais e administrativos perceberam o peso representado pela área da tecnologia da informação no orçamento da empresa e o pessoal da área da tecnologia de informação desfruta de credibilidade cada vez menor dentro das empresas. Em conseqüência dessa mudança do eixo de tomada de decisões, os maiores investimentos em capital e trabalho de 2003 serão em projetos táticos, de curto prazo. À longo prazo, sessenta porcento dessas decisões de ordem tática resultarão em aumentos dos custos da empresa devido à falta da visão estratégica. Gartner recomenda que a área da tecnologia de informação das empresas identifique os sistemas e aplicativos de maior relevância e demonstre sua importância e valor para os demais departamentos.

7) A vulnerabilidade dos dispositivos móveis e sem fio será a principal ameaça à segurança das corporações. Esses dispositivos cada vez mais armazenam valiosas informações corporativas e têm acesso aos sistemas de informação das empresas. Não obstante, poucos deles dispõem de proteção adequada contra acesso não autorizado. As soluções atualmente disponíveis não são suficientes e, cientes dessas fraquezas, os hackers tentarão explorá-las. Pelo menos cinco porcento das empresas nos principais segmentos industriais são vulneráveis e poderão sofrer ataques em 2003. Gartner recomenda instruir os usuários sobre essas vulnerabilidades, adquirir um conjunto de ferramentas para melhorar o nível de segurança de dispositivos móveis e sem fio e restringir tanto quanto possível seu acesso a dados e sistemas críticos.

8) As expectativas, o comportamento e as limitações dos artefatos comuns, usados no dia-a-dia, mudarão na medida em que eles se tornarem objetos “inteligentes”. Essa tendência se manifestará já em 2003, quando componentes pequenos e baratos passarão a ser incorporados aos objetos de uso diário, permitindo que eles reajam ao ambiente de forma mais inteligente. Sistemas micro-eletromecânicos (MEMS) incorporarão minúsculos sensores, acionadores e elementos computacionais que ensejarão esse comportamento e eventualmente se tornarão presentes em virtualmente todas as categorias de produtos industriais, especialmente na área da saúde, onde serão desenvolvidos aparelhos para tratamento de enfermidades “embutidos” no corpo do paciente. Além dos MEMS, dispositivos de identificação por rádio freqüência (RFID) permitirão acompanhar a trajetória de certos artefatos desde a fábrica até o ferro-velho. Dispositivos RFID substituirão a identificação por código de barras e, em vez de serem estampados na embalagem que é descartada após a compra, serão incorporados ao produto, permitindo o acesso às informações durante toda sua vida útil. Os preços dos RFID já baixaram o suficiente para que eles se integrem a um número substancial de objetos corriqueiros já em 2003. Em 2012 pelo menos metade dos objetos e sistemas existentes no interior de uma residência se comunicarão através de uma conexão sem fio que transmitirá no mínimo sua identificação e estado. Gartner recomenda: às empresas de desenvolvimento de tecnologia da informação que fiquem atentas às oportunidades de desenvolver sistemas e serviços baseados na possibilidade de localizar e identificar produtos por RFID; às indústrias, que passem a usar a RFID para monitorar a qualidade de seus produtos e aprimorar seus serviços; aos fabricantes de produtos industriais que procurem determinar os anseios dos consumidores e do mercado, buscando satisfazê-los de forma pioneira incorporando MEMS a seus produtos; e, aos investidores, que procurem investir em áreas que possam ser beneficiadas com a proliferação dos objetos “inteligentes”.

9) À despeito do entusiasmo excessivo que cerca a padronização de serviços através dos web services, os fornecedores de soluções corporativas continuarão prendendo a clientela com suas estratégias proprietárias. Por mais que os sistemas corporativos sejam concebidos de forma compatível com os web services e os aplicativos venham a recorrer a eles para exibir os resultados através de uma interface comum que adota os protocolo SOAP (Simple Object Access Protocol) e XML (eXtensible Markup Language) para padronizá-los e garantir interoperabilidade, as extensões, “add-ons” e implementações exclusivas continuarão a ser utilizadas, impedindo que um projeto desenvolvido para uma plataforma possa ser facilmente migrado para outra. Por maior que seja a padronização e interoperabilidade, sempre haverá mecanismos ligados ao servidor de aplicativos que não fazem parte da interface e que variarão de um fornecedor para outro. Gartner recomenda aos desenvolvedores de web services que examinem detalhadamente as funções e características de cada plataforma para identificar potenciais fontes de dependência exclusiva do fornecedor, evitando-as quando possível.

10) Os fornecedores externos de serviços (ESP) não serão capazes de responder ao aumento da demanda com a rapidez necessária quando a economia mundial se recuperar. Para fazer face à época atual de vacas magras, eles dispensaram pessoal demais e com isso perderam a massa crítica necessária para suportar a futura demanda da economia recuperada não apenas em termos de força de trabalho mas, sobretudo, porque os elementos chave, que detêm conhecimentos essenciais, não estarão mais disponíveis. E simplesmente admitir pessoal não será suficiente: decorrerá um tempo razoavelmente longo até que as pessoas certas estejam nos lugares certos. Gartner recomenda aos clientes cujos projetos críticos dependem de fornecedores externos de serviços que mantenham os vínculos com seus fornecedores atuais através de contratos que garantam a retomada imediata dos serviços e que procurem manter em seus quadros um mínimo de pessoal experiente e capaz.

As previsões, como vocês vêem, interessam mais ao mundo corporativo que aos usuários, meros mortais como nós. É claro que elas devem despertar um interesse nada desprezível naqueles cujo sustento dependem do salário que recebem das corporações. Mas seja com for, os breves comentários seguintes sobre cada uma das previsões exprimem apenas o ponto de vista do usuário.
A redução do número de empresas não é uma boa nova para nós. Resulta em menos concorrência, o que implica preços maiores e, eventualmente, pior qualidade (nada como uma boa disputa de mercado para apurar a qualidade, seja do hardware, seja do software). Mas o fenômeno virá em escala mundial e não há muito o que fazer senão se preparar para ele. Para os usuários tupiniquins, que devem converter para reais os aumentos de preço em dólar, a dor será ainda mais aguda na parte mais sensível do corpo: o bolso.
A explosão dos web services e a consolidação das estratégias SOA farão com que a Internet seja cada vez mais um ambiente de negócios, deixando de ser esse imenso parque de diversões que é hoje para se transformar em um colossal shopping center. A época da Internet romântica está acabando.
O fracasso da maior parte das iniciativas empresariais baseadas na comunicação sem fio não deve ser surpresa para ninguém. Basta lembrar a publicidade que se vê na televisão cada vez que se lança um serviço desses e, depois, olhar para o mundo real para perceber como é abissal a diferença entre o que eles desejam e o que nós aceitamos. Quantas pessoas você conhece que movimentam a conta bancária via telefone celular? E esse é o serviço mais elementar. Hoje ainda há quem se recuse a efetuar pagamentos via Internet usando seu computador de mesa. Para vencer a mesma resistência em relação aos celulares (e aos PDAs conectados sem fio) ainda vai levar um tempo.
A automatização do suporte telefônico será tão insuportável quanto inevitável. O recurso ao “serviço secreto” é, definitivamente, injustificável do ponto de vista ético. Mas, em um mundo onde as comunicações estão ficando cada vez mais ubíquas e a mão de obra cada vez mais cara, não há alternativa. Dentro em breve estaremos todos falando com máquinas e, o que é pior: as máquinas responderão...
Embora não incluído entre os países beneficiados citados pelo relatório Gartner, o Brasil deverá ter seu quinhão da terceirização dos serviços em escala mundial. Nossos programadores são excelentes, a estrutura de telecomunicações nas grandes cidades está longe da ideal mas é satisfatória e, com a alta do dólar, nossa mão de obra está cada vez mais barata. Se os técnicos brasileiros abocanharem uma fatia desse mercado e conseguirem o devido reconhecimento pela excelência de seu trabalho, os reflexos se farão sentir em todo o setor, inclusive na indústria nacional de software, que poderá aumentar significativamente as exportações. Afinal, uma notícia boa para nós.
A mudança do eixo da tomada de decisões nas grandes empresas interessa quase que exclusivamente às corporações. Aos usuários, caberá apenas assistir e sofrer: quando burocratas passam a tomar decisões em detrimento dos técnicos, raramente o cliente é beneficiado.
A vulnerabilidade das conexões sem fio não é surpresa. Surpresa será a imensa disseminação desse tipo de comunicação apesar de toda vulnerabilidade. Se 2002 foi o ano em que a rede sem fio se tornou conhecida, 2003 será o ano de sua consolidação.
O início da popularização dos objetos inteligentes será efetivamente o sinal que, afinal, aquele tipo de futuro dos filmes de ficção científica está chegando. Eles são o resultado da conjugação de diversas tecnologias que tornaram os circuitos integrados menores, mais baratos e com um irrisório consumo de energia. No início, graças aos RFID, serão passivos e apenas fornecerão informações como localização, estado e identificação. Mais adiante, com a popularização dos MEMS, os objetos inteligentes se tornarão ativos. Então as possibilidades serão literalmente infinitas. Irão desde roupas “inteligentes” que regularão a temperatura e umidade mantendo-as sempre nas condições ideais de conforto até óculos com dispositivos de reconhecimento de fisionomia embutidos nas hastes, que toda vez que entrar em nosso campo de visão um daqueles chatos que a gente conhece mas não lembra de onde, consultarão bancos de dados e nos informarão o nome e dados importantes sobre o sujeito. E chegará o dia em que as bonecas feitas à imagem e semelhança de famosas cantoras e apresentadoras de televisão serão inteligentes. As bonecas, bem entendido.
As duas últimas previsões interessarão mais às corporações que os usuários. Quanto à briga pela plataforma preferencial, é bom que fiquemos atentos à luta ciclópica que se travará entre os padrões Java e ponto-net, torcendo para que nenhum deles saia vencedor, pois enquanto estiverem brigando, mais opções teremos todos. Já quanto à dificuldade que terão os ESP de prover a demanda de serviços, é torcer para que quando eles estiverem lutando pela retomada, alguma coisa venha a sobrar para os países em desenvolvimento. Porque por aqui também a coisa anda preta...

B. Piropo