< Jornal Estado de Minas >
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26/12/2002
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< Um Ano Morno > |
Lawrence "Yogi" Berra é uma figura muito popular nos EUA. Foi um razoável jogador de Baseball, depois treinador e finalmente gerente de clubes até se aposentar em 92. Mas o carinho que recebe dos americanos não se deve à sua atuação no esporte, mas sim às suas frases. Pessoa simples, quando entrevistado Yogi dizia o que lhe vinha à cabeça. Talvez as mais famosas de suas frases sejam "O futuro já não é mais como costumava ser" e "Nunca responda a uma carta anônima". Mas minha preferida, sem dúvida, é a insuperável "Previsões são muito difíceis de fazer, especialmente quando são sobre o futuro". O que me fez recordar Yogi foi justamente a solicitação desse artigo. Nessa época em geral me pedem previsões para o ano seguinte. E, depois de algumas mancadas épicas, convenci-me que elas não são o meu forte. Mas desta vez me pediram os destaques de 2002. E eu não poderia desperdiçar essa oportunidade de fazer o tipo de prognóstico que impõe menores riscos: previsões sobre o passado. Então, mãos à obra. Talvez o fato mais importante do ano na indústria do software tenha sido o veredicto ("final judgment") da Juíza Collen Kollar-Kotelly no processo anti-monopólio movido pelo Departamento de Justiça americano contra a Microsoft. Depois de mais de cinco anos, dois juizes, centenas de horas de audiência e milhões de dólares em custas, o caso afinal chegou ao fim. Mas se foi tão importante, por que causou tão pouco rebuliço? Bem, porque o processo deu chabu. Em vez de aceitar o pedido da subdivisão da empresa em unidades independentes, como queriam muitos, a juíza aceitou o acordo proposto pelo próprio Departamento de Justiça, que prevê penalidades ridiculamente leves, como adotar uma política de preços equânime (ou seja, não discriminar a clientela), abrir o código de algumas APIs (rotinas de interface com aplicativos) e permitir que fabricantes instalem Windows em suas máquinas sem o "casamento" obrigatório com certos aplicativos, como o Internet Explorer ou Windows Media Player. Em suma: embora "condenada", quem mais teve razões para comemorar foi a própria MS. Porque, na prática, no que toca ao monopólio de fato exercido por ela, pouco ou nada mudou. Se a MS pôde dar por finda a batalha judicial, ainda não se desvencilhou de outra que está em pleno andamento: a disputa com a Sun pela plataforma preferencial para o comércio eletrônico. Web Services ou J2EE? Os Web Services foram lançados com o devido estardalhaço há um par de anos, juntamente com a plataforma .Net, mas até o ano passado ninguém sabia exatamente do que se tratava. Em 2002 o mercado não somente já entendeu que são uma forma de permitir que o software disponível na Internet possa rodar sem alterações nos mais diversos dispositivos, como os primeiros frutos começaram a aparecer graças ao lançamento do Visual Studio .Net, um ambiente de programação capaz de criar aplicativos e integrá-los aos Web Services usando as linguagens de programação da MS (inclusive o C#, feito sob medida para a plataforma). Evidentemente a Sun continua firme e forte com o Java 2 Enterprise Edition (J2EE) disputando o mercado, rodando em poderosíssimos servidores ou micros de mão e apoiada pela Oracle, IBM e BEA. Briga de cachorro grande, ainda sem vencedores. Menos mal que, por enquanto, há formas de fazer com que o software desenvolvido para um plataforma rode na outra sem grandes percalços. Mas a disputa pela supremacia continua. Tudo isso é fruto da mudança de rumo que a MS se impôs há alguns anos e que se consolidou em 2002: deixar de ser uma empresa voltada para o usuário final e eleger como clientes preferenciais as corporações, onde mora a grana. Basta reparar o sucesso de Windows XT, voltado para o mercado corporativo, com o fiasco de WinMe, o sistema do usuário doméstico. E quem duvidar, que espere o novo Office 11, a ser lançado no próximo ano recheado de funções corporativas e o próximo sistema operacional da MS, codinome Longhorn, esperado para 2004 e cuja ênfase será a segurança computacional, assunto também tipicamente corporativo (desculpe, não resisti a essas previsões sobre o futuro; mas tentarei refrear meus ímpetos e daqui pra frente me manterei aferrado ao passado). E já que falamos em segurança, é impossível não falar de um tema que não parece ter muito a ver com ela mas tem tudo: a comunicação sem fio, que explodiu em 2002. E explodiu em três frentes: o padrão 802.11 (ou WiFi), claramente na dianteira, seguido de Bluetooth e do 3G, que por enquanto está na rabada mas promete atropelar. A mola propulsora do padrão WiFi foram os "hot spots", que estão pipocando em todos os cantos dos EUA, de hotéis a aeroportos, além da imensa rede de cafés da Starbucks. Um hot spot é um local onde, mediante uma módica tarifa, se pode navegar na Internet usando qualquer dispositivo que aceite uma controladora WiFi. Isso abarca desde os notebooks até os tablets PCs e a imensa maioria dos micros de mão, ou PDAs. É essa facilidade que está garantindo ao WiFi a folgada liderança sobre o 3G na troca de dados sem fio. Pense um pouco: com as novas funções multimídia oferecidas por esses micrinhos de mão, quem vai querer acessar a Internet com um telefone celular? É claro que quando o padrão 3G conseguir se disseminar, será difícil distinguir um telefone celular de um micro de mão (ou de uma câmara digital, ou de um reprodutor de MP3, ou de uma filmadora, sei lá...) e a briga vai melhorar. Quanto ao Bluetooth, continua na liça, apesar de suas limitações - principalmente de alcance - fazer dele uma solução mais indicada para troca de dados em ambientes restritos. Mas o fato incontestável é que 2002 foi o ano da consolidação do padrão WiFi. Como eu disse no início do parágrafo anterior, comunicação sem fio tem tudo a ver com segurança. Há um par de meses falávamos aqui mesmo sobre Warchalking e Warphoning, duas atividades cujo objetivo é a invasão de redes sem fio, de dados e voz. Portanto, se 2002 foi o ano da explosão das comunicações sem fio, segurança não poderia deixar de ser um tema importante. E foi. Graças a sérios esforços dos sítios de vendas e das empresas de cartão de crédito, houve uma redução significativa do número de fraudes no comércio eletrônico. Os sítios aumentaram sua vigilância e passaram a dar maior atenção à correção de suas vulnerabilidades com o auxílio do CERT <www.cert.org>, sempre atento a novos vírus e falhas de segurança. E tanto as empresas quanto os usuários domésticos, principalmente os com conexões em alta taxa (ou "banda larga"), acrescentaram firewalls a seus anti-vírus, aumentando a segurança. Por falar em vírus, curiosamente 2002 se caracterizou pelo pequeno número de novidades. Novo, mesmo, só o BugBear (os demais, incluindo o Klez, foram variantes de vírus antigos; e se você não havia notado essa boa nova certamente é porque os velhos vírus continuaram a se espalhar ferozmente se aproveitando da falta de conhecimento ou de cuidado dos usuários que não mantêm em dia suas definições de vírus e não instalam as atualizações de segurança em seus programas de comunicação, fazendo com que, mesmo sem novas cepas, o número de máquinas contaminadas fosse maior que no ano passado). Ainda do lado menos agradável, além do maior número de contaminações, em 2002 a criatividade das técnicas de disseminação de vírus sofreu um incremento: alguns biltres passaram a usar o "de acordo" da licença de uso de programas freeware para contaminar os micros. Mas convém encerrar o tema segurança com um ponto positivo: o tão anunciado ataque ciberterrorista à Internet que era esperado para 2002 também deu chabu. Infelizmente o ganho em segurança veio acompanhado de uma notável perda da privacidade. Pelo menos nos EUA onde, ainda sob o trauma do atentado de 11 de setembro, o Congresso aprovou o Patriot Act, uma draconiana lei de segurança que permite, entre outras façanhas, que as autoridades policiais exijam dos provedores Internet a identificação de cidadãos sobre os quais pesa a suspeição de práticas ilegais. E, embora o governo americano ainda não tenha proposto ao Congresso uma lei específica para regulamentar a Internet, há comentários que o fará brevemente. E não vai ser mole, não... E por falar em lei americana draconiana, 2002 foi o ano em que a malfadada DCMA (Digital Millenium Copyright Act) amadureceu. Seu primeiro teste nos tribunais aparentemente foi favorável aos defensores das liberdades individuais: há duas semanas a empresa ElcomSoft e seu colaborador Dmitry Sklyarov foram absolvidos das acusações de haver comercializado (a empresa) e desenvolvido (Dmitry) um programa capaz de quebrar o esquema de proteção de livros eletrônicos da Adobe. O juiz considerou que não havia indícios de intenção de violar a lei. Mas não sei se a absolvição merece comemorações: a poderosa indústria do entretenimento já movimentou suas tropas para levar aos tribunais a 321 Studios (<www.321studios.com>) por comercializar o programa DVDXCopy, que permite fazer cópias exatas de DVDs (em drives que disponham da facilidade de gravação, evidentemente) e DVD Copy Plus, que permite copiar o conteúdo de DVDs em CDs graváveis. E, baseada na mesma lei, a HP já ameaçou processar um especialista em segurança por publicar um programa que evidenciava uma falha de segurança no Tru64 Unix, um sistema operacional da HP, falha sobre a qual a HP já havia sido informada e não tomara providências. E quem pensa que nada disso nos afeta porque a lei é americana e vivemos no Brasil, é bom lembrar que a ElcomSoft é russa e nem por isso escapou do processo. E por falar em DMCA: lembram-se do Napster? Pois morreu. Moribundo já estava desde o ano passado, mas foi neste que a falência foi declarada. A marca foi comprada pela Roxio, que talvez a use para um serviço próprio. Mas embora sem Napster e por mais que a indústria de entretenimento americana esperneasse, a troca de arquivos musicais continuou firme e forte em 2002 com Kazaa, Morpheus, Madster, Grokster e assemelhados. O que me traz à mente uma frase de Tom Freeburg: "Sempre que houve uma colisão entre a tecnologia e o sistema legal, a tecnologia venceu". Isso fez sentido com as tentativas da indústria do cinema para impedir a televisão de exibir filmes, da televisão contra a facilidade de gravar fitas de vídeo, das gravadoras contra as cópias de discos em fitas cassete e assim por diante. Mantendo-se a tendência, a troca de arquivos MP3 um dia será livre. 2002 foi também o ano do SPAM. É claro que a praga já vinha de longe, mas esse ano ela transformou-se em verdadeira epidemia. Vocês, eu não sei, mas quanto a mim, quase a metade das mensagens que tenho recebido são SPAM. É claro que esse crescimento teria que provocar alguma reação. E ela se manifestou de diversas maneiras, desde listas negras até uma ação movida (e ganha) pela AOL americana contra um veiculador de SPAM (e não foi bolinho: o cara pagou sete milhões de dólares), além de tentativas de criar leis para proteger o usuário. Mas a forma mais eficaz de combate talvez sejam os programas desenvolvidos para "filtrar" mensagens indesejadas: 2002 foi o ano deles, basta visitar qualquer sítio especializado em shareware para ter uma idéia. No que toca a hardware, a safra 2002 não foi particularmente boa. Nem ruim. As principais estrelas, naturalmente, foram os dispositivos móveis. Isso inclui os "smartphones", um doublé de telefone celular e micro de mão. Talvez seu melhor representante seja o Sidekick, da T-Mobile, um telefone celular, micro de mão e caixa de correio eletrônico. Nos EUA é vendido por cerca de US$ 250 e está se tornando popular. Mas, embora no futuro a convergência seja inevitável, por enquanto nem todo dispositivo móvel que se comunica tem que ser um telefone celular. Os micros de mão, ou PDAs, estão cada vez mais poderosos, leves, bonitos, cheios de novidades e se tornando indispensáveis. Há centenas de modelos que incluem tudo o que se possa imaginar: desde comunicação WiFi até câmaras de vídeo. Nos EUA os preços variam dos US 99 do Palm Zire, um PDA clássico com tela em preto e branco e apenas as funções básicas como agenda de compromissos, endereços e anotações e que se comunica com o micro através de uma porta USB, aos US$ 699 do iPAQ Pocket PC da HP, com WiFi "embutido", um processador XScale da Intel de 400 MHz, tela colorida de 65 mil cores e pesando apenas duzentos gramas. Passando por pérolas como o Clié NX70V, da Sony, com câmara digital (fotos e vídeo), reprodutor de MP3, gravador de voz, tela colorida e possibilidade de receber um adaptador WiFi, por menos de seiscentos dólares. Para quem quer uma tela maior e gosta de se movimentar, 2002 trouxe duas novidades. A primeira são os micros tipo tablet, na verdade um notebook sem teclado (embora seja possível conectar um) cujo dispositivo de entrada é a tela, dotado da capacidade de reconhecimento de caligrafia. Há vários modelos no mercado americano, com preços na faixa dos dois mil aos dois mil e quinhentos dólares, fabricados pela Toshiba, HP, Fujitsu e Acer. A tendência de se multiplicarem é tão grande que a MS desenvolveu uma versão do Windows XP especialmente para eles. A segunda novidade são os Smart Displays, um dispositivo com a exata aparência de um micro tipo tablet, porém sem capacidade de processamento (usa a de um micro de mesa situado nas proximidades). Na verdade, são monitores com tela sensível de cristal líquido que se comunicam com o micro através de uma conexão sem fio tipo WiFi. A idéia foi lançada em 2002 pela MS, que os idealizou e batizou, mas os primeiros modelos somente estarão disponíveis em janeiro próximo. Com um bichinho desses, você se desloca pela casa ou escritório sem perder a conexão com o computador. A MS espera maravilhas deles, mas me parece que sua maior utilidade será navegar na Internet e atualizar o correio eletrônico enquanto se está, digamos, meditando, no banheiro. Fora isso, não houve muita coisa. Nas corporações sedimentou-se a tendência dos "blade servers", baterias de servidores que consistem apenas de uma placa-mãe, com memória, chipset, processador e a maioria dos controladores integrados (vídeo, rede, tudo "on board", inclusive discos rígidos fixados diretamente na placa). O resultado é um servidor no qual falta gabinete, teclado, vídeo e fonte de alimentação, montado em uma única placa cujo formato longo e achatado lembra o de uma lâmina, justificando o nome. Encaixe alguns desses bichinhos em um gabinete metálico tipo "rack" com fontes de alimentação, ventoinhas para arrefecimento e conectores ligando-os ao mundo exterior e você conseguirá alojar em um móvel do tamanho de uma geladeira todo um conjunto de servidores que ocupariam uma sala, por uma fração do custo original. As empresas estão adorando. Finalmente, em 2002 a Intel conseguiu, afinal, romper a barreira dos 3 GHz com uma façanha dupla: além de produzir o processador mais rápido do mercado para a linha PC, embutiu nele a tecnologia Hyperthreading, que faz com que um único microprocessador seja "visto" pelo sistema como duas unidades independentes, com um desempenho semelhante (embora um pouco inferior) ao de uma máquina multiprocessada. E no campo da transferência de dados, 2002 foi o ano da consolidação do USB 2.0, a segunda geração do padrão, que eleva a taxa de transmissão de dados entre micro e periféricos para teóricos 480 Mb/s, quarenta vezes maior que a do irmão mais velho. E do estabelecimento do padrão Serial ATA, uma interface para conexão de discos rígidos que usa um cabeamento muito mais simples e leve e apesar disso eleva a taxa de transferência de dados dos atuais 133 Mb/s da Ultra ATA para 150 Mb/s em sua primeira implementação, com planos de atingir brevemente estratosféricos 600 Mb/s. Pois foi esse o panorama de 2002. Será que está tudo aí? Presumo que sim. Pois só agora me dei conta de um fato que escapou à aguçada percepção de Yogi Berra: se quem faz previsões sobre o futuro corre o risco de errar, quem as faz sobre o passado corre o de esquecer. Mas esse é um pecadilho menor que, certamente, ainda imbuídos do espírito de Natal, vocês hão de me perdoar. B.
Piropo |