< Jornal Estado de Minas >
|
||
29/08/2002
|
< Tendências > |
Artigo publicado no suplemento Informátic@ do Estado de Minas em 29/08/2002 Há em São Francisco, Califórnia, uma instituição voltada intensivamente para pesquisa e busca de solução de problemas denominada "The Institute for Global Futures", o IGF. Foi fundada e é dirigida por James Canton, um doutor em ciências sociais e escritor que se especializou na difícil arte de prever o futuro. O IGF agrupa as previsões por área. Em seu sítio, em <www.futureguru.com/>, há um resumo da visão do Instituto sobre o que ocorrerá neste século na forma de "as dez maiores tendências" de cada área. Há previsões no campo dos negócios, robótica, comércio eletrônico, educação, biotecnologia, medicina, nanotecnologia, indústria do entretenimento, tecnologia espacial, internet e dos computadores. Todas baseadas nas pesquisas do IGF e na visão do Dr. Canton e de sua equipe. É claro que fui atraído pelos itens referentes aos computadores. Li-os e, ao terminar, confesso que me senti um tanto assustado. Talvez seja exagero de minha parte. Mas, exagero ou não, me senti compelido a compartilhar meus receios com vocês a quem o assunto interessa mais de perto por serem mais jovens e, provavelmente, penetrarem muito mais fundo neste século que esse velho escrevinhador que vos fala. Aqui vão, portanto, em tradução livre, as dez maiores tendências do século 21 no campo dos computadores segundo o IGF, acompanhadas de alguns comentários de minha própria lavra. Segundo o IGF, no século 21 "Os computadores tornar-se-ão extensões dos seres humanos destinadas a aumentar sua inteligência, capacidade de aprendizado, comunicação e produtividade". De certa maneira eles já fazem isso: usados apropriadamente, aumentam as capacidades de aprender e comunicar, além da produtividade. E aguçam a inteligência. Portanto, nada disso impressiona. O que assusta é a menção a "extensões dos seres humanos". Já veremos porque. De acordo com a segunda tendência, "Computadores tornar-se-ão intuitivos e conseguirão 'aprender', 'reconhecer' e 'saber' o que queremos, quem somos e até mesmo detectar nossas aspirações". Em princípio, nada de extraordinário. Já existe tecnologia capaz de identificar o usuário pela voz, impressão digital, íris ou formato facial, assim como técnicas que fazem os computadores "aprender" por tentativa e erro. Um banco de dados eficiente que "lembre" as solicitações de cada usuário ajuda a descobrir com alta probabilidade de acerto o que ele deseja. Mas, de novo, aquela menção a "detectar nossas aspirações" é um tanto inquietante... Terceira tendência: "Microprocessadores estarão em toda parte e se tornarão invisíveis, incorporados a praticamente tudo, de roupas e brinquedos a corações e cérebros". A onipresença dos microprocessadores será uma conseqüência natural da redução de seu tamanho e queda dos preços. Brinquedos que os incorporam já existem aos milhares, e as roupas estão começando a aparecer. Microprocessadores que controlam marca-passos (portanto, nos corações) já são relativamente comuns. Mas nos cérebros? Dá para arrepiar... Quarta: "Sistemas globais essenciais, como transporte e produção de alimentos, serão melhor gerenciados por computadores que por humanos". É triste, mas dada a tendência à distração, preguiça, desatenção ou simples burrice do ser humano típico, a previsão não surpreende. Porém imaginar que quando todos esses sistemas vitais para a sociedade forem controlados apenas por computadores provavelmente não existirão humanos que saibam cumprir essas tarefas não deixa de ser um tanto preocupante... Quinta: "Computadores permanentemente interconectados permitirão acesso sem fio a programas aplicativos em qualquer lugar e a qualquer tempo". Não há muito o que comentar: as redes sem fio tipo WiFi e similares já são uma realidade, basta esperar um pouco para que elas ampliem sua área de cobertura. Isso não assusta. Pelo menos enquanto não chegarmos à sétima previsão. Sexta: "Computadores serão comandados por voz, terão capacidade de vídeo e, através da internet, estarão permanentemente conectados entre si e com os humanos". A maior parte disso ou já acontece ou acontecerá brevemente, sem surpresa alguma. O que assusta é aquela menção final aos humanos. Quando os microprocessadores de nossos cérebros (lembre da segunda previsão) estiverem conectados a máquinas tão poderosas, caberá a pergunta: quem controlará quem? Sétima: "Computadores serão dotados da capacidade de falar e dos 'sentidos' digitais da visão, audição e olfato que os capacitarão a se comunicar com humanos e com outras máquinas". Nada que não se possa fazer com a tecnologia atual (embora a questão do olfato não seja simples). O que assusta é, justamente, a capacidade dos computadores se comunicarem entre si. Leia novamente as quinta e sexta previsões e pense um pouco sobre as conseqüências dessas máquinas trocando "idéias" sem a interferência de humanos. Oitava: "Redes neurais e outras formas de inteligência artificial tornarão os computadores tão inteligentes quanto (e, para certas tarefas, mais inteligentes que) os humanos". O termo usado no texto original, "smart", pode significar tanto "inteligente" quanto "hábil", "esperto", "arguto" ou "sagaz". Qualquer que seja o sentido, é extremamente assustador. Nona: "As evoluções humana e dos computadores convergirão. A inteligência sintética irá aperfeiçoar significativamente as próximas gerações de humanos" (no original: "greatly enhance the next generations of humans"). Se você ainda não se apavorou com essa, espere a próxima... E, finalmente, segundo Dr. Canton e o IGF, a décima tendência será a seguinte: "Quando os computadores ultrapassarem os humanos em inteligência, surgirá uma nova espécie digital e uma nova cultura que evoluirá paralelamente à nossa". O IGF de fato existe, eu não o inventei. A lista de previsões acima é absolutamente fiel (se duvidar, confira no sítio do IGF). Dr. James Canton é um cientista respeitado, membro da National Science Foundation e co-autor de um portentoso documento da NSF sobre tendências para o futuro; (leia-o em <http://itri.loyola.edu/ConvergingTechnologies/>). Seu retrato e sua biografia também estão no sítio do IGF e não indicam que ele seja do tipo Doutor Silvana ou qualquer outra cepa de cientista maluco. Isto dito e posto, por favor, leiam novamente as previsões e digam-me lá: por acaso vocês também entenderam que elas apontam para um futuro, que se materializará ainda neste século, no qual a espécie humana será transformada em meros servos de máquinas pensantes e superinteligentes? Ou será que quem está ficando maluco sou eu? B. Piropo |