< Mulher de Hoje >
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04/1995
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< Livros > |
Desde criança sou um leitor compulsivo. Em casa, se não estou sentado frente ao micro, é provável que esteja com um livro nas mãos. E, quando viajo, tenho sempre um livro comigo para ler no avião e nas inevitáveis salas de espera. Metade das paredes de minha casa são cobertas com estantes prenhes de livros. Livros são, portanto, meus velhos conhecidos. Mais que isso: amigos íntimos e diletos. Pois bem: mesmo com toda essa intimidade, até ler um artigo do Ray Duncan na PC Magazine americana de março, ainda não havia me dado conta das características do livro como interface com o usuário. Uma análise das mais interessantes, diga-se de passagem. Tão interessante que achei por bem rediscuti-la aqui. Nunca pensou no assunto? Pois livros são uma forma de comunicação com os leitores, ou usuários. Portanto, são uma interface. Não interativa, é verdade, mas sem dúvida uma interface. Que, desde Gutemberg, foi testada, provada e aprovada em séculos de uso. O que levou a uma padronização do formato dos livros, de sua estrutura e organização aceita por todos: lombada à esquerda (nas culturas ocidentais), título na folha de rosto, depois índice, prefácio, introdução, corpo do livro e índice remissivo, nessa ordem. Os leitores esperam que os livros sejam assim e os editores assim os fazem, sem necessidade de discutir. O que faz com que sejam artefatos tão fáceis de manusear. Alguma vez você precisou de um manual para explicar como usar um livro? Mas a padronização dos livros não apenas os torna fáceis de usar, como especialmente susceptíveis de produção e comercialização em massa. As ferramentas de editoração (ultimamente implicando o uso pesado de computadores), as máquinas impressoras e encadernadoras, em suma, tudo na indústria editorial está voltado para a produção em grande volume. Até mesmo o tamanho das prateleiras das livrarias é padronizado. Tudo com o objetivo de reduzir custos de produção, distribuição e vendas. No entanto, apesar de toda essa padronização, os livros não perderam a flexibilidade nem a possibilidade de serem especialmente bonitos (ou feios, diga-se a bem da verdade...) Mesmo obedecendo aos critérios relativamente rígidos impostos pela padronização do formato, livros podem apresentar uma quase infinita variedade. Variam ligeiramente na forma, muito na aparência, infinitamente no estilo e conteúdo. E dependendo de como variam, livros podem ser artefatos belos e elegantes ou calhamaços feios e pesados - tanto na forma quanto no conteúdo. Conforme muito bem diz Duncan em seu artigo, até o cheiro do livro é importante. Pois bem: mesmo com toda essa possibilidade de variação, o livro talvez seja a interface de maior credibilidade. Tudo nele leva a essa constatação, desde a padronização do formato até a consistência entre a progressão regular da numeração das páginas e o conteúdo do índice. Mesmo antes de iniciar a leitura tem-se a certeza que a mensagem que se vai receber é exatamente aquela que o autor queria transmitir. Mas a característica mais importante do livro não deve passar em branco: ele basta-se em si mesmo, ou seja, posto em nossas mãos, de nada mais precisamos para acessar seu conteúdo. Os olhos (e muita sensibilidade, evidentemente) são todo o necessário para desfrutá-lo, o que pode ser feito independentemente do lugar onde se está. E, se de dia e a céu aberto, nem mesmo energia elétrica é necessária. Nada: nenhum acessório ou periférico adicional. Livros são dispositivos inteiramente auto-suficientes. Finalmente, embora a maioria dos livros deva ser lido ordenadamente, do início ao fim, nada obriga que livros sejam dispositivos de acesso seqüencial. Na verdade, são dispositivos clássicos de acesso aleatório, já que permitem acessar qualquer página, independente de se ter ou não lido as anteriores. Acredita que não? Garante que todo e qualquer livro deve ser lido seqüencialmente, da primeira a última página, senão perde a graça? Pois eu acho que isso é coisa de zuruó. E nem vou me dar ao trabalho de esperar que você leia o dicionário todo para descobrir de que estou lhe xingando... Pois é isso. Assim são os livros Como? A senhora leu essa coluna inteira buscando sorver meus parcos conhecimentos de informática e tudo o que encontrou foi um texto chato sobre livros? Ah, bem, é que o espaço é pouco. Pois nosso assunto, de fato, é hipertexto. Que tem tudo a ver com informática, já que é uma forma nova e fascinante de comunicar informações escritas usando o computador. O problema é que para discuti-lo, havia que compará-lo com a forma tradicional, os livros. Que acabaram se espalhando por toda a coluna. O hipertexto, mesmo, fica então para o mês que vem.
B. Piropo |