Sítio do Piropo

B. Piropo

< Mulher de Hoje >
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12/1994

< Sinal dos Tempos >


Dia desses conversávamos, eu e meu amigo Raymundo, sobre a brutal evolução do mundo dos computadores. Ele, que classifica a si mesmo de “dinossauro da informática”, é um profissional do ramo há mais de vinte anos. E há mais de vinte anos não existiam microcomputadores. O que vale dizer que Raymundo é do tempo dos mainframes, os computadores de grande porte que usavam cartões perfurados para entrada de dados.

Não vale a pena explicar aqui como um bicho daqueles funcionava. Basta saber que compará-los aos micros de hoje eqüivale a comparar uma diligência daquelas usadas nos filmes de mocinho a uma Ferrari. E, como as coisas mudaram, Raymundo teve que se atualizar. Comprou um micro e está, a duras penas, tentando pôr-se em dia com as novidades da informática.

Tudo bem: o cara é um profissional e tem até mais facilidade que nós, os mortais comuns (minha inclusão nesse grupo não é falsa modéstia: também eu não sou um profissional de informática, mas um mero engenheiro e minha especialidade nada tem a ver com computadores). Portanto, é razoável concluir que para ele a coisa tem sido mais fácil do que foi para mim e do que é para vocês. Mas, mesmo assim, de vez em quando ele tem tido seus tropeços. E comentou comigo, com espanto, como tudo o que é tão difícil para ele parece tão fácil para a neta.

Pois acontece que, para praticar com mais sossego, Raymundo resolveu instalar seu micro em casa. Casa essa que, nos fins de semana, é freqüentada pelos filhos. E, naturalmente, como o Raymundo já não é mais uma criança, pelos filhos dos filhos.

Os micros modernos e as novas interfaces gráficas, com seus mouses e suas telas cheias de figurinhas coloridas, exercem uma atração irresistível sobre as crianças. E crianças exercem uma não menos irresistível autoridade sobre os avôs. Portanto, não é de admirar que, nos fins de semana, a usuária mais freqüente do micro do Raymundo seja sua neta. Uma graça de menina, agora com sete anos, mas micreira contumaz deste os cinco. Uma mocinha que, portanto, já usava o micro quando foi alfabetizada.

Há poucos meses, contando a história de José e seu enteado adolescente, falávamos aqui mesmo na estranha relação das crianças com os micros. Mas essa relação só é estranha para nós, que achamos que esse negócio de computador é um bicho de sete cabeças. Para as crianças, nada há de estranho: um micro é um brinquedo como outro qualquer. Minto: não é como outro qualquer, é melhor. Melhor porque não é estático: um micro reage aos comandos, é um mundo em constante mutação, é um brinquedo instigante que propõe cada dia novos desafios. E crianças adoram esse tipo de coisa.

No começo, a menina aprendeu a usar o mouse e descobriu que, clicando aqui e ali, poderia executar programas. A maioria para ela não fazia o menor sentido, mas havia os joguinhos. E para uma criança, alguns jogos simples para Windows são a porta do paraíso. Raymundo, um avô dos mais corujas, divertido e orgulhoso com o interesse da neta pelo computador, esmerou-se e conseguiu um monte de jogos para a neta se divertir. Mostrou onde, na tela, ficava o grupo de programas que continha seus jogos prediletos, instruiu-a a não mexer nos demais para evitar danos a seus arquivos e diretórios, ensinou-a a mover o ponteiro do mouse para a figura correspondente e clicar para carregar o jogo. Depois, ensinou os comandos elementares de mouse e teclado para jogar e explicou como fazer para encerrar um jogo e começar outro. E deixou a menina em paz com seu brinquedo. Assim ela começou a se familiarizar com o micro.

Depois, ainda experimentando - que experimentar é sem dúvida o caminho mais curto e mais divertido para o aprendizado - a menina descobriu o PaintBrush. Para quem não sabe, PaintBrush é um programa simples de desenho que vem com o Windows, de modo que quem tem Windows (e hoje em dia, quem não tem?) tem o PaintBrush. Com ele, usando uma série de comandos simples, exibidos sob a forma de ícones ou pequenos símbolos na tela, é possível desenhar com o mouse. Quer desenhar uma reta? Pois mova o cursor do mouse até o ícone correspondente, um pequeno trecho de reta exibido na lateral da tela, clique nele para avisar que agora você vai desenhar uma reta, mova o cursor para o ponto da tela onde você quer que sua reta comece, clique e arraste o cursor até onde você quer que ela termine. É só isso: lá está sua reta na tela. Explicando assim parece complicado, mas não há nada mais simples. E da mesma forma pode-se desenhar linhas curvas, arcos, círculos, ovais, quadrados, retângulos, polígonos, enfim, o que a imaginação mandar. E, depois, colori-los. Vocês, que provavelmente brincaram, como eu, com aqueles livrinhos de colorir de antigamente, já imaginaram o que isso abre de possibilidades para uma criança esperta? Quer melhor brinquedo que esse? Resultado: daí em diante, nos fins de semana, ficou difícil tirar a menina da frente do micro. E quanto mais ela brincava, jogava e desenhava, mais se familiarizava com a máquina. O micro passou a ser um companheiro, um brinquedo fascinante, um parque de diversões. E quem tem medo de uma coisa dessas?

Pois foi assim, companheira e amiga íntima do micro do avô, que a menina entrou na fase de alfabetização. Não há de ter sido muito difícil. Afinal, aqueles conjuntos de letras que ela agora aprendia na escola já faziam algum sentido para ela, que já conhecia algumas palavras dos menus do micro do avô. Aprender a ler foi fácil.

E aprender a escrever? Bem, mesmo sendo o mouse seu principal instrumento de manejo do computador, para quem passava tanto tempo diante de um teclado as letras não eram novidade. Até o próprio PaintBrush tem lá seu ícone para incluir textos nos desenhos, de modo que ela já conhecia os rudimentos da operação do teclado. Então, formar palavras na tela “catando milho” no teclado passou a ser mais uma diversão. Com a diferença que, agora, ela já entendia as palavras que escrevia. E assim começou a se habituar a usar o teclado. Da forma mais eficiente: brincando.

Aí, inevitavelmente, a menina descobriu o editor de textos do avô. Para quem está aprendendo a escrever, um programa feito para escrever é um sonho. Resultado: a neta do Raymundo acabou por aprender a escrever usando o AmiPro. E introduzir palavras na tela usando o teclado é infinitamente mais fácil que “desenhá-las” laboriosamente em um caderno. Daí para a frente, foi uma festa: a menina, do alto de seus seis ou sete anos, sentava-se em frente ao micro, carregava o AmiPro, fazia seus deveres de casa e imprimia na impressora do avô. Difícil? Que nada. Difícil para nós, que tivemos que romper barreiras para aprender. Para ela, usuária calejada já aos sete anos, foi moleza.

Pois assim seguiu a vida. A menina, naturalmente, alfabetizou-se melhor e mais depressa que o resto da turma: para uma criança - e para nós, adultos, também - não há melhor maneira de aprender que aprender brincando. Em princípio, tudo corria na mais santa paz. Ou quase. Porque, afinal, surgiu um problema.

Outro dia, encontrei Raymundo. Evidentemente falamos sobre a neta, a mais jovem micreira da família. E Raymundo estava preocupado. Disse-me que fora obrigado a contratar uma professora particular para complementar a alfabetização da menina.

Desta vez, quem se espantou fui eu. Professora particular para que, Deus meu? Pois se a menina lia e escrevia com tamanha facilidade, por que mistérios da natureza iria ela precisar de uma professora particular?

Caligrafia, respondeu Raymundo. O problema era a caligrafia. Porque a menina só escrevia no maldito computador. Quando tinha que escrever alguma coisa à mão, ninguém entendia nada...

Sinal dos tempos...

B. Piropo