< Mulher de Hoje >
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10/1994
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< Metendo a Mão na Massa > |
Meu primeiro computador foi um MSX. Já lá se vão quase dez anos. Era uma maquininha simples: nem drive de disquete tinha, coitada. Disco rígido, então, nem pensar. E usava uma televisão, dessas comuns, como monitor. Mas com toda essa singeleza, aquele negócio me parecia de uma pavorosa complexidade. Eu achava que o interior de um computador deveria ser de uma delicadeza tamanha que qualquer intervenção que não a de um especialista causaria danos irreparáveis. E nunca me passou pela cabeça sequer desaparafusar a tampa do gabinete mesmo que fosse só para ver como eram as entranhas daquele animal. Vai que eu, sem querer, tocasse em alguma coisa que não devia e o bicho não mais funcionasse? Não valia a pena arriscar, pensava eu. E mantinha minha curiosidade sob controle. Um dia, por não mais agüentar a lentidão de ler e gravar programas em fita, resolvi comprar um drive de disquetes. Drives para MSX eram externos, e já que não era preciso abrir a máquina para instalá-lo, decidi-me fazê-lo eu mesmo. Foi fácil: encaixar um cabo em dois conectores ligando o drive ao micro e ligar outro cabo à tomada bastou para concluir minha primeira experiência com hardware. Que, por ter sido tão bem sucedida, encheu-me de coragem para tentar a segunda quando a tarefa de copiar discos com um único drive revelou-se tediosa demais para meu gosto: instalar mais um drive de disquetes. Já aí a coisa foi um pouco mais complicada. Não era preciso mexer no micro, mas era imprescindível abrir a caixa metálica dos drives. E ligar cabos diretamente em conectores dos circuitos internos, o que quase me fez desistir. Mas, enfim, tomei coragem e mandei ver. Havia um manual, é claro. Mas manuais, vocês bem sabem, são escritos por especialistas para serem lidos por especialistas. E como especialistas não precisam ler manuais para fazer uma coisa tão simples como ligar um drive a outro, aquele não tinha serventia alguma. A páginas tantas, ao tropeçar em uma dificuldade um pouco mais cabeluda, notei que a placa de circuito impresso estava encharcada. Custei um pouco a perceber que aquele líquido era suor, que lavava minha testa e jorrava sobre a placa, mas ao fim e ao cabo, entre mortos e feridos salvaram-se todos. Inclusive o segundo drive, que me prestou valiosos serviços por anos a fio. Depois, comprei meu primeiro PC. Como já vinha com dois drives, julguei-me a salvo de repetir a aventura que, embora exitosa, não deixou de ser um tanto traumática. Mas o PC, embora mais poderoso que o MSX, também não tinha disco rígido, que naqueles tempos eram quase tão caros quanto toda a máquina. E, assim que a grana pintou, resolvi comprar um. Meu primeiro disco rígido foi paraguaio. Não de nascimento, é claro: nasceu em uma paragem qualquer do oriente distante, mas radicou-se na aprazível estância guarani de Ciudad de Leste, que naqueles tempos inda chamava-se Puerto Stroessner. De onde veio ter às minhas mãos na noite de uma sexta-feira. Destaco esse detalhe porque ele foi responsável por uma radical mudança em minha vida de micreiro. Houvera o bichinho aportado ao Brasil em uma segunda-feira, um telefonema para o técnico bastaria para pô-lo logo em ação nas entranhas de meu micro. Mas numa sexta à noite era impossível. Havia que esperar. Mas esperar como, se a impaciência me matava? Ainda na noite de sexta, abri o pacote. Dentro, o disco rígido, os cabos e um manual de instalação. Bem, mexer no micro eu não me atreveria. Mas, afinal, ler o manual não faria mal algum. E vocês já imaginam qual foi minha leitura de cabeceira naquela sexta-feira. Sábado, acordei um pouco mais impaciente e bastante mais instruído. Pois aquele manual nada tinha a ver com o do drive de disquetes: em uma linguagem simples e direta, destrinchava passo a passo todo o processo de instalação de uma forma tão singela que me fez até achar que era fácil. Evidentemente, para um leigo como eu, tentar instalar o disco rígido seria uma temeridade. Mas, afinal, o manual era tão claro que abrir a tampa do gabinete só para ver se eu conseguiria identificar as peças que ele mencionava não faria mal algum. Abri, olhei, consegui identificar todas elas e, resistindo bravamente à tentação de meter a mão na massa e instalar o disco ali na hora, fechei tudo de novo. Mas o domingo amanheceu tão bonito que a temeridade que fermentava desde sexta no grosso caldo da curiosidade contida, afinal, desabrochou. Esperar três dias para começar a me divertir com meu tão ansiado brinquedo novo era demais. Munido de disco, cabos, manual, ferramentas, coragem e resignação para enfrentar o pior, mandei ver. Fiz tudo direitinho, como rezava o manual. Antes de fazer, estudava cuidadosamente cada frase, ensaiava cada passo e só então metia a mão. Anotei as posições relativas de cada placa, cabo ou parafuso removido, para poder reconstitui-las novamente. Verificava cada procedimento como se o manual fora um livro de magia em que uma simples sílaba mal pronunciada deitava a perder o efeito da cabala. E, dados os trâmites por findos, antes de ligar o micro verifiquei tudo de novo, passo a passo, conferindo com o manual. Parecia que nada faltava. Só então liguei o micro. E, para minha surpresa absoluta, ante meus olhos pasmos... tudo funcionou de primeira. A magia havia se rompido, o mistério desfeito, o encanto quebrado. Descobri, embora movido pelos sentimentos menores da impaciência e sofreguidão, que o diabo não era tão feio como me era pintado pelos pseudo-gurus, experts de botequim e sábios de opereta. E resolvi, dali pra frente, enfrentar o desafio do hardware. Comprei uns tantos livros, aprendi um pouco mais, quebrei, enfim, as últimas barreiras. Aquele primeiro PC foi o último micro que comprei. De lá pra cá, já perdi as contas de quantos mais eu tive. Mas todos foram montados por mim mesmo, desde o gabinete até o derradeiro periférico.
B. Piropo |