Sítio do Piropo

B. Piropo

< Mulher de Hoje >
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04/1993

< Jorge e o Micro >


Muita gente tem vontade de usar micro. Mas tem medo. Acham que exige um tipo de conhecimento inatingível, que é coisa de cientista.

Mas se enganam. Um micro é sobretudo um instrumento de trabalho. A diferença consiste fundamentalmente no fato de que os micros são muito mais versáteis que os outros. Pois uma máquina de escrever só serve para escrever. Um par de esquadros, para desenhar. Uma calculadora, para calcular. Um piano, para tocar. Enquanto um micro serve para escrever, desenhar, calcular, tocar e muito mais. E, para quem escreve, desenha, calcula e toca, é incrivelmente mais fácil fazê-lo com o micro que com seus instrumentos tradicionais. Não obstante, muita gente continua com medo de usar o micro.

Já pensei muito sobre isto. E conclui que o medo se deve ao fato da maioria das pessoas achar que para se fazer algo com um micro é preciso desenvolver alguma especial habilidade no uso do micro. Quando é exatamente o oposto: para se escrever bem com um micro é preciso habilidade para escrever. E para isto, não é preciso ser um expert em informática. Basta saber escrever....

Eu descobri isso da pior maneira. Tenho brincado um bocado com micros nestes últimos anos. Seja por paixão, seja por vício, já passei tanto tempo batucando em um teclado que acabei por desenvolver uma considerável habilidade no uso do micro. E como vício é vício, gosto de ter sempre a máquina mais moderna e os programas mais poderosos. Inclusive programas gráficos. Portanto, um desenho feito por mim no micro tem tudo para ser uma obra prima, já que disponho das melhores ferramentas e de uma razoável habilidade para usá-las. Certo?

Errado. Meus desenhos são uma desgraça. Sempre foram. Por mais que eu capriche. E tive que me curvar à triste realidade dos fatos: sou um bom micreiro, mas um péssimo desenhista...

Pois bem: recentemente me envolvi no programa de treinamento em informática da empresa onde trabalho. Cursos de iniciação em informática para gente que nada tem a ver com informática: funcionários de outras áreas que continuarão desenvolvendo seu trabalho rotineiro. Só que, daqui para a frente, usando micro. Como gosto de micros e de dar aulas, me ofereci como instrutor. E tem sido uma tarefa bastante agradável.

No meio de uma das turmas, apareceu o Jorge. Grande figura. Mas foi olhar para o jeito do cara dedilhar o teclado e perceber que a parada ia ser dura. Esse e o micro, pensei, jamais se entenderão. Mas como trabalho é trabalho, vamos nessa. E me meti a ensinar o Jorge a usar planilha, banco de dados e editor de texto. Uma dureza. Ele e o micro não se entendiam nem com reza braba. Paciência, pensei eu, é tocar pra frente que o resto da turma está aproveitando. E assim foi.

Terminado o curso, o Jorge me chama no canto e relata seus receios: agora que o curso acabou, vai ter mesmo que encarar o micro que botaram em cima da mesa dele. E fazer desenhos.

Desenhos? Por que desenhos? Bem, é que ele era desenhista. Então, tinha que usar o micro para desenhar. E estava apavorado.

E com razão, pensei eu. Mas não disse. Pelo contrário: reconfortei o pobre com as palavras mais animadoras que encontrei: afinal, o básico ele já sabia. Agora, era só pegar um programa gráfico e praticar. Que programa vai usar?. Deram-lhe um dos mais vagabundos, uma desgraça. Morri de pena. Mas fiz uma cara animada e disse, sem muita convicção, que seria mais fácil do que ele pensava. E fui tratar da minha vida. Afinal, que mais poderia fazer?

Uma semana depois, por acaso, passei pela sala do Jorge. Que lá estava, mouse em punho, em frente a seu micro. Usando seu programinha vagabundo em quatro cores para fazer umas ilustrações. Me chamou para ver. Lá fui eu, preparando novo estoque de palavras animadoras para reconfortá-lo.

Fiquei besta. O cara é um gênio. Precisa ver os desenhos do Jorge. Em uma semana, fez coisas com o micro que eu jamais sonharia.

Até hoje estou morrendo de inveja...

B. Piropo