Micro Cosmo
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09/01/95

< A Gênese das Cartas de Amor >


Já temos uma idéia razoável de como um computador funciona: os dados entram, são processados e saem. Tomemos como exemplo uma carta (de amor, naturalmente, para amenizar a aridez dessas páginas). As palavras brotam do coração ardente e fluem para o computador, letra a letra, através do teclado, o dispositivo de entrada. Lá dentro, são processadas: texto alinhado às margens, parágrafos formatados, arroubos em negrito e ortografia verificada, já que mesmo (aliás, principalmente) os corações apaixonados cometem erros. E, finalmente o dispositivo de saída, a impressora, entrega o produto final que segue pelo correio para, quem sabe, conquistar o coração da amada.

Se a paixão não embotasse o raciocínio, o missivista perceberia que a mesma carta bem poderia ser útil em uma outra ocasião. Pois por mais especial que seja o ser amado, a paixão em si mesma é sempre igual. Então, por que não guardar o texto? Se desta vez não abrandar o coração da donzela, quem sabe não venha a conquistar o da próxima musa? Basta mudar um nome aqui, um lugar ali, manter o fervor dos sentimentos e imprimir novamente. Editando com cuidado para evitar referências cruzadas, desastrosas num contexto como esse, nada impede reciclar a inspiração...

Mas como fazê-lo? Primeiro vamos entender como a coisa acontece (no micro, bem entendido; a paixão, nos corações, já sabemos como desabrocha). Aperta-se uma tecla e uma letra surge na tela. Parece muito natural. Mas o micro trabalhou um bocado para fazer isso. Primeiro, os circuitos de controle do teclado identificam a tecla para saber a que letra ela corresponde, já que cada letra, assim como cada sinal de pontuação e tudo o mais que aparece no teclado (que, a partir de agora, chamaremos de “caractere”) corresponde a um código numérico (por exemplo, o “a” minúsculo é o caractere de código 97 e o sinal de “+” o caractere de código 43). Já identificado, o código do caractere é repassado à CPU, que o deposita na memória (adiante discutiremos memória em detalhe; por enquanto, tenha em mente que “memória” é um conjunto de circuitos da placa-mãe que armazena códigos temporariamente). E, finalmente, os circuitos que cuidam do vídeo transformam o código do caractere no “desenho” da letra ou do sinal e o exibem em um determinado ponto da tela.

Isso ocorre para cada caractere digitado. A medida que a paixão derrama emoções sobre o teclado, a carta aumenta e mais caracteres são armazenados na memória e exibidos na tela. Quando não cabem mais, as linhas de cima desaparecem. Mas só desaparecem da tela: seu conteúdo continua na memória. Tanto assim que sempre é possível fazer a tela “rolar” para trás e trazê-las de volta. Extravasada a paixão, no final, toda a carta está na memória. E você pode modificá-la à vontade. Por exemplo: quando você troca “espasmo” por “frêmito”, está apenas substituindo códigos de caracteres na memória - além, é claro, de aumentar o impacto da carta sobre a amada.

Como eu disse, voltaremos adiante a falar da memória. E muito. Mas talvez uma palavra lá de cima tenha chamado sua atenção. Trata-se de “temporariamente”. Mas é isso mesmo: o que está armazenado na memória tem vida mais efêmera que amor de adolescente e só perdura enquanto o micro está ligado (mais tarde veremos que há um tipo de memória capaz de preservar informações mesmo com o micro desligado, mas não é nela que o texto é armazenado). Portanto, se você não tomar providências, sua carta de amor se esvai mais depressa que a paixão que a inspirou e desaparece para sempre assim que o micro for desligado. Para tentar com ela outra conquista, é preciso guardá-la em um lugar mais seguro e permanente que a memória do computador e o coração das donzelas: um dispositivo de armazenamento.

A coisa parece, então, relativamente simples: basta copiar os códigos dos caracteres da memória para algum lugar onde eles permaneçam gravados e não desapareçam quando o micro for desligado. Mas há que se tomar certos cuidados. Por exemplo: de nada adianta copiar a carta se não for possível trazê-la novamente para a memória para modificá-la e enviá-la mais uma vez em sua gloriosa missão de conquista quando outra musa se apresentar radiosa. A isso se chama “recuperar a informação” (refiro-me, naturalmente, ao ato de trazer novamente o texto para a memória; o de reciclar a carta tem outro nome que, se eu disser, a Cora me chama de machista).

Portanto, um dispositivo de armazenamento deve cumprir duas condições básicas: guardar as informações de forma permanente e oferecer alguma forma de recuperá-las quando necessário.

Semana que vem veremos como. Começando pela discussão da maneira pela qual as informações, ou códigos, são gravadas tanto na memória quanto no dispositivo de armazenamento. Um assunto que, embora não pareça, é muito interessante.

B. Piropo