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16/03/1998
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< Natureza Humana > |
É interessante a natureza humana. Por razões difíceis de explicar alguns de nós desenvolvemos inabaláveis sentimentos de lealdade, fidelidade e dedicação a algumas instituições e tais sentimentos se entranham de tal forma em nossa vida que quando o objeto de veneração é alvo de críticas, mesmo bem fundamentadas, revidamos como se diante de uma ofensa pessoal. O exemplo mais evidente é a "torcida" do futebol. Que desconhecido se atreveria a escarnecer de um torcedor fanático após uma derrota acachapante de seu time? A torcida do futebol ainda se explica: o indivíduo se fortalece no grupo, cresce com ele, transfere para si uma parte do imenso poder da multidão unida pelo "amor à camisa", orgulha-se por fazer parte de uma agremiação poderosa e aguerrida. O fanatismo pelo futebol pode não ser lá muito racional, mas é compreensível. O que não consigo entender é o mesmo tipo de sentimento em relação a computadores, programas e sistemas operacionais. E no entanto... A rivalidade entre as tribos do Mac e do PC é bem conhecida. Mas não pára aí. Lembram do MSX? Para quem não sabe, foi uma tentativa da Microsoft de padronizar máquinas de oito bits: cansada de portar seus aplicativos para os muitos sistemas existentes, ela desenvolveu um sistema operacional único e uma arquitetura baseada na CPU Z80, cedendo-os gratuitamente às indústrias que aceitassem o padrão. Eu tive um bichinho destes: um micro sem disco rígido, com CPU de 3,85MHz, se não me engano. Excelente para a época, com algumas características avançadíssimas, mas extraordinariamente limitado para os padrões de hoje. Desisti dele ainda em 87, após uma viagem ao Japão onde, ao tentar comprar periféricos nas lojas de informática, era sistematicamente encaminhado para a sessão dos vídeogames. Guardo até hoje excelentes recordações de meu velho MSX, mas assim que retornei ao Brasil comprei um PC. Passei anos sem ouvi falar no MSX. Até recentemente, quando alguém aqui do caderninho teve a infeliz idéia de publicar um comentário jocoso sobre ele. Pra que! Choveu carta protestando. Descobri que existe no Brasil o clube dos usuários do MSX e, de acordo com a iracunda mensagem de seu presidente, os membros definitivamente consideram suas máquinas muito superiores a qualquer pentiunzinho 333 da vida. E falam sério! (atenção senhores membros do referido clube: poupem-me das cartas; desde já dou-me por vencido, admito que estou inteiramente de acordo com qualquer coisa que os senhores digam sobre a máquina citada e declaro de público que considero o MSX o melhor de todos os micros de marca que jamais tive - o que não me custa muito posto que o outro foi um CCE e os demais foram montados por mim). Mas não são só micros. Há algum tempo a Cora emitiu uma opinião sobre um programa. O Eudora, acho. Não lembro se foi crítica ou elogio e na verdade não importa: o que importa é que choveu carta deplorando a opinião simplesmente por ser diferente da dos remetentes. A maioria nem se dava ao trabalho de basear seus argumentos em qualquer critério lógico: eram apenas os "torcedores" emitindo sua inflamada opinião a favor ou contra, apoiada quase que exclusivamente em fatores emocionais (o que me tem feito, nas eventuais análises de programas, evitar cuidadosamente as afirmações que tal ou qual aplicativo é "melhor" ou "pior" que outro - e nem assim fico imune a críticas, das quais a mais amena é insinuar que "levei algum" para ressaltar as qualidades de um programa que não é do gosto do remetente). Portanto programa também tem torcida. Pra não falar de sistema operacional... Tudo isto vem a propósito de um tema que, ultimamente, tem sido recorrente nas discussões da alta micraria: a ação movida pelo Departamento de Justiça americano contra a Microsoft, acusada de práticas monopolistas. É curioso acompanhar as opiniões sintetizadas nas seções de cartas das revistas especializadas americanas. Verifiquem. As leio sistematicamente e se há alguma que aborda o tema de forma criteriosa e racional, eu ainda não a encontrei e certamente será a exceção que confirma a regra. Porque todas ou quase todas são pouco mais que manifestações altamente emocionais, seja de apoio, seja de repúdio à Microsoft e a seu amo e senhor, Bill Gates. E tanto umas quanto outras são igualmente veementes e vociferantes. Ainda não vi nenhuma levantando argumentos e ponderações sobre a raiz do problema, ou seja, discutindo racionalmente se a MS de fato exerce ou não o monopólio dos sistemas operacionais e dos aplicativos para a linha PC e se estas práticas, sejam elas quais forem, trazem vantagens ou prejuízos para os usuários. É interessante a natureza humana... PS: Afinal, mestre Laércio Vasconcelos desencantou e colocou sua página à disposição dos leitores em http://www.laercio.com.br. Nela, além da sinopse de seus livros, você encontra artigos, dicas, FAQs e uma lista de links interessantes (dentre os quais a página deste vosso criado). Recomendo. B. Piropo |